Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Na música, 2021 foi de ‘Fora Bolsonaro’ ao recomeço incerto

Volta após quase uma década da dupla Lô e Marcio Borges, a intensidade de Caetano Veloso e a representatividade de Iza marcaram o ano

Foto: Divulgação

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Com a retomada dos shows presenciais, o meio musical volta aos poucos à sua atividade principal. O momento é de recomeço, mas a situação segue difícil.

Festejos tradicionais são importantes na agenda de cantores e bandas, mas ainda são incertos em 2022, como é o caso do carnaval. A situação fiscal complicada na maioria dos municípios impede incentivos para reaquecer manifestações da cultura popular, compostas por grupos musicais de classes de baixa renda. Preocupa a possível ocupação desse espaço pela iniciativa privada, com foco em músicos do mainstream ou de forte apelo popular.

Artistas, antes tímidos, resolveram gritar em 2021 “Fora Bolsonaro” impulsionados pelas manifestações nas ruas contra o governo. O segmento foi altamente atingido com a inatividade na pandemia. A inação do governo irritou ainda mais.

O meio artístico entra 2022 na expectativa das eleições. O setor foi duramente prejudicado com a falta de política pública na cultura (e, em alguns casos, até contra ela) pelo executivo de Brasília – não caia na armadinha de que a cultura não precisa de apoio governamental; todos os setores da economia têm robustos incentivos, do agronegócio à indústria. Durante a pandemia, a Lei Aldir Blanc, gestada no Congresso, foi a salvação da lavoura para muitos.

Discos

No campo dos lançamentos em 2021, o impecável disco de Ney Matogrosso aos 80 anos. Nu com a Minha Música celebrou a voz de um dos maiores intérpretes brasileiros. Caetano Veloso, em Meu Coco, a intensidade e a força musical – e fundamental – de sempre. O disco saiu poucos meses depois ao da sua irmã, Maria Bethânia, com o iluminado Noturno.

O cantor Caetano Veloso. Foto: Reprodução/Redes Sociais


Lô Borges, em Muito Além do Fim, resgatou a parceria com o irmão Márcio Borges, depois de nove anos. O álbum só tem música da dupla, com melodia de Lô e letra de Marcio.

É um dos melhores discos de 2021. Reúne os elementos melódicos sempre inventivos e agradáveis de Lô e as letras pintando cenários com temáticas para um novo tempo de Márcio.

No território dos independentes, destaque para o álbum Delta Estácio Blues de Juçara Marçal, com base eletrônica e várias linguagens sob direção do inventivo Kiko Dinucci. Já Casa Francisco, do grupo Francisco, el Hombre, um conjunto de canções que se unem numa sonoridade bem construída.

A personalidade da música é a cantora Iza, que não larga em nenhum momento a chance de falar de racismo e a necessidade de empoderamento da periferia. Uma cantora jovem e necessária para dar o leme a uma juventude aturdida e sem referência.

Falando em periferia, o funk mantém espaço a fórceps como um dos gêneros mais ouvidos, mesmo com a criminalização. Tornou-se forma de ascensão econômica na favela, com auxílio das redes sociais e mulheres ocupando terreno entre os funkeiros.

No rap, a força musical de uma nova geração, como Djonga, Don L e Rincon Sapiência. Neles, a crítica social característica do gênero com novas metáforas e melodias.

Com a volta dos encontros em festejos, rodas musicais e acontecimentos culturais, a necessidade de acolhimento entre os pares e a reação à dura realidade parecem essenciais. No momento de superar as dificuldades e refletir sobre o futuro, o “aquilombamento” tornou-se fundamental.

A morte recente de Hildemar Diniz, o mestre Monarco, representou a perda da memória do samba nos seus momentos iniciais de ascensão no século passado. O sambista não era somente a encarnação do samba, mas um personagem da cultura popular influenciador e admirado por gerações de diferentes gêneros musicais pela capacidade de criar.

Outra perda imensurável de 2021 foi a de Cassiano. Outra referência de gerações, pouquíssimo reconhecido na história da música brasileira. Deixou músicas com base no soul com elementos brasileiros de uma característica sem igual.

Por fim, ressalta-se a importância de José Ramos Tinhorão, morto também este ano. Suas pesquisas aprofundadas relatadas em vários livros representam o mais relevante acervo existente sobre a história da música brasileira.

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