Política

Bolsonaro abre os cofres na tentativa de recuperar popularidade. Lula se prepara para rodar o País

Março é um mês decisivo na definição das candidaturas presidenciais e na formação de palanques Brasil afora

Mais perto. As resistências a Alckmin diminuem na militância petista e Lula trabalha para fechar a aliança. Falta o ex-tucano escolher um partido - Imagem: GOVSP e Ricardo Stuckert/Instituto Lula
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Foi-se o Carnaval, e o País já pode funcionar. Para a eleição, março reserva lances importantes. A janela para um político filiar-se a um partido e poder concorrer em outubro abriu-se na quinta-feira 3 e fecha-se em 1º de abril. Favorito para a vice de Lula, o ex-tucano Geraldo Alckmin vai para onde? Há convites de PSB, PV e Solidariedade. E o general-ministro da Defesa, Walter Braga Netto, cotado para compor a chapa de Jair Bolsonaro, abraçará uma sigla? Se quiser estar nas urnas, terá de deixar o cargo até 2 de abril. É a data limite também para o governador paulista, João Doria Jr., do PSDB, renunciar e poder disputar a Presidência. Renunciará? Tucanos vistosos querem abatê-lo agora, por realismo diante das pesquisas. O MDB terá em março quatro dias de propaganda partidária na tevê, ressuscitada após a abolição de 2017, e os usará em favor da senadora Simone Tebet como opção da chamada terceira via. Idem o PDT de Ciro Gomes, que estreou na telinha no dia 1°.

Março verá ainda o lançamento oficial da candidatura de Lula. A data deve ser decidida pelo Diretório Nacional do PT no dia 14. O petista foi ao ­México encontrar na quarta-feira 2 o presidente ­Andrés Manuel Lopes Obrador, de centro-esquerda, e na volta se dedicaria a planejar com a equipe atividades de rua. Deve participar, por exemplo, de um ato pelo Dia Internacional da Mulher, na terça-feira 8, e de outro com sem-teto ou sem-terra no dia 11. No PT, acham necessário reagir a uma provocação presidencial. “Vamos acelerar as agendas populares, o Lula concorda, vai falar mais com o povo. O Bolsonaro explora um suposto medo que o Lula teria das periferias”, diz o deputado Rui Falcão, um dos cabeças da pré-campanha petista. A propósito: o ex-presidente mudou-se de São Bernardo do Campo para a capital paulista por razões de segurança.

Moedas. Bolsonaro e Guedes abrem as burras, atrás da reeleição – Imagem: Andressa Anholente/Getty Images/AFP

A exposição maior terá ainda o ­objetivo de enfrentar uma ofensiva de ­Bolsonaro. Este tem abusado da caneta e do cargo, em busca de melhora no ibope governamental e de chances nas urnas. Essa ofensiva mira sobretudo o Nordeste e os mais pobres, fortalezas lulistas, e os evangélicos, reduto do capitão, e pode dar certo. Essa análise levou a presidente petista, Gleisi Hoffmann, a dizer na Folha de 23 de fevereiro: “Não subestimamos a máquina administrativa”, “Bolsonaro ainda pode subir” nas pesquisas e “vai ser uma eleição dura”. Em três levantamentos da semana pré-Carnaval (Ideia, ­Ipespe e MDA), ­Lula tinha em média 42% de intenção de voto e o rival, 27%. Na ­Quarta-Feira de Cinzas, o PoderData apontou 40% a 31%. Dados que, em relação a dezembro, mostram o petista estacionado e Bolsonaro a avançar na margem de erro.

O esforço presidencial tem mais chances de “roubar” eleitores da dita terceira via do que de Lula. O voto espontâneo no petista, aquele que o entrevistado manifesta sem ter uma lista de candidatos na frente, alcança 35%. É o chamado “voto duro”, alto também com Bolsonaro, por volta de 25%. De cada seis brasileiros, seis dizem que não vão mais mudar de ideia até a eleição, 74% no caso dos lulistas e 65%, no dos bolsonaristas, conforme pesquisa da consultoria Quaest de fevereiro.

E dá-lhe caneta. Na sexta-feira carnavalesca, um decreto presidencial cortou em 25% o Imposto sobre Produtos Industrializados, o IPI, exceto para veículos (redução de 18,5%) e cigarros (ficou igual). Contrário à ideia de política industrial, o ministro da Economia, Paulo Guedes, diz ser um incentivo à reindustrialização. A indústria pesa cerca de 10% no conjunto da economia, fatia que foi de 30% nos anos 1970. Em São Paulo, a Fiesp, federação da indústria local, tem no comando desde janeiro Josué Gomes da Silva, filho do vice de Lula de 2003 a 2010, o finado José Alencar. Assumiu a vaga do bolsonarista Paulo Skaf. Ao baixar o IPI, o governo perde 20 bilhões de reais anuais. Estados e municípios chiam, pois parte da arrecadação é deles, e a ­Zona Franca de Manaus, também, pois terá menos vantagens diante da concorrência.

A partir da segunda-feira 7, devedores do Fies, o financiamento universitário, poderão rolar dívidas, medida baixada por Bolsonaro em dezembro. De 2,4 milhões de alunos, 1 milhão estão inadimplentes. Empresas do Simples (pequenas e médias) e do MEI (micros) têm desde janeiro uma espécie de Refis. Duas categorias bolsonarizadas se deram bem na ­Caixa Econômica Federal: crédito imobiliário para policiais e capital de giro para caminhoneiros. Sem reajuste com Bolsonaro, os servidores públicos deverão receber um bônus de 400 reais. E, segundo Guedes, vem aí outra liberação de recursos de contas do FGTS, para até 40 milhões de inscritos. “São medidas claramente oportunistas e eleitoreiras”, diz o presidente do Conselho Federal de Economia, Antonio Corrêa de Lacerda. “Algum impacto na economia elas vão ter, mas há poucas chances de produzirem crescimento maior, pois a inconsistência está na política econômica adotada desde o governo Temer. Os vetores que atuam contra o crescimento vão continuar: inflação, juro e desemprego elevados e salário baixo.”

Dança de cadeiras. Moro e Ciro disputam o terceiro lugar, Doria não sai dos 2%. O ex-juiz e o governador paulista estão com a cabeça a prêmio nos respectivos partidos – Imagem: Roberto Alves/Monumental/Podemos 19, Daniel Ramalho/AFP e GOVSP

O PIB de 2021, conhecido na sexta-feira 4, um dia após a conclusão desta reportagem, indicaria um avanço da ordem de 4,5%, suficiente para tapar o buraco de 3,9% de 2020 e agregar menos de um ponto percentual. De Michel Temer até a pandemia, a economia expandiu-se na casa de 1%, apenas. Falta motor: o Estado não investe, e o mercado consumidor é débil. Para 2022, o sistema financeiro consultado pelo Banco Central prevê alta de 0,3%. Mas há bancos, como o Itaú e o Credit Suisse, que projetam queda de 0,5%, embora Guedes estime 1,5% de alta. Nessas circunstâncias, fica difícil baixar o desemprego, de 11,1% em dezembro, mesmo patamar de 2019, pré-pandemia. E quem trabalha ganha pouco. A média salarial foi de 2.447 reais em dezembro, segundo o IBGE, a pior desde 2012. Renda que compra cada vez menos: a inflação foi de 10% em 2021 e até meados de fevereiro estava em 1,5%. Eis por que pesquisas revelam que metade da população passa fome em algum grau.

“As eleições de 2022 ocorrerão, portanto, em um momento crítico para a economia brasileira”, afirma um relatório de fevereiro da consultoria global ­Eurasia. O documento é de antes da guerra na ­Ucrânia, conflito capaz de complicar as coisas, em razão dos preços do petróleo e da comida. A realidade atual e o prognóstico para o ano explicam por que ­Lula jogará tudo no discurso econômico na campanha. “Economia” é a maior preocupação dos brasileiros, o principal problema nacional para 35%, conforme levantamento da Quaest de fevereiro. Atrás, vêm saúde/pandemia (27%), questões sociais (13%) e corrupção (11%). Na recente pesquisa MDA, 60% disseram que a economia está pior com Bolsonaro. Na Ipespe, 63% afirmaram que está no rumo errado. A memória das condições de vida no governo Lula é o que dá a ele vantagem nesse terreno. “O centro do debate é a economia popular”, tem dito Gleisi Hoffmann em conversas reservadas.

Alternativa. O MDB vai testar Tebet – Imagem: Marcelo Camargo/ABR

E Bolsonaro? Estimula uma luta de classes invertida. Em um evento do banco BTG em 23 de fevereiro, apelou à “classe A, que somos todos nós”, contra Lula, cujo nome não citou. Disse que liberdade é mais importante do que tudo, até do que uma economia em bom estado. E, de novo sem dar nomes, aludiu ao ­Chile, onde um líder estudantil de esquerda, ­Gabriel Boric, assume no dia 11, após vencer uma eleição em um clima econômico tranquilo contra o Bolsonaro de lá, José Antonio Kast. A propósito: Ciro, ­Doria e ­Sérgio Moro também estiveram no evento do BTG. Lula, não. Recusou o convite, para marcar posição de que não se rende ao “mercado”. Um setor que “passou a ser menos receoso da passagem de um governo para o outro”, nas palavras de ninguém menos do que o presidente do Banco Central, Roberto Campos ­Neto, em uma entrevista em 14 de fevereiro.

No relatório a clientes, a Eurasia calcula em 70% as chances de vitória do petista, de 20% a de Bolsonaro e de 10% de um terceiro. A projeção baseia-se em um histórico de eleições no Brasil e no mundo e na popularidade governamental em cada disputa. Quanto maior o ibope de um governo, maior a chance de um mandatário reeleger-se, e vice-versa. A aprovação da gestão Bolsonaro varia há tempos de 25% a 30%. Esse índice é uma das duas variáveis-chave a serem observadas até junho, na avaliação da Eurasia. É para aumentá-lo que Bolsonaro faz “bondades”.

A terceira via permanece enterrada na areia movediça da falta de nomes competitivos

A outra variável-chave é a corrupção. Terá peso na campanha? Por ora, não parece. Na pesquisa Quaest, é a preocupação principal de só 11% da população. Mas, se encorpar, pode enfraquecer Lula e o PT, por causa da Lava Jato. Na quarta-feira 3, o Supremo Tribunal Federal anulou o último processo contra Lula abastecido com material da operação. O ministro Ricardo Lewandowski suspendeu uma ação penal que corria na Justiça Federal em Brasília e dizia respeito à compra de 36 caças suecos pela FAB no governo Dilma Rousseff. Lula era acusado de tráfico de influência e lavagem de dinheiro.

Sem corrupção como tema dominante, Moro se dá mal. Sua pré-candidatura pela terceira via não decolou, ele oscila entre 7%, 8%, igual a Ciro. Ele próprio está enrolado em esquisitices, graças ao trabalho de consultor de uma empresa norte-americana. O procurador-geral da República, Augusto Aras, examina um pedido de bloqueio de bens de Moro. Aras que, recorde-se, é indicado do presidente. ­Flavio “rachadinha” Bolsonaro repete por aí que Moro é o responsável pela soltura de Lula, por ter sido, digamos, um juiz heterodoxo. O ex-ministro chama o governo Bolsonaro de corrupto e a Polícia Federal de inoperante, e a cúpula bolsonarista da PF rea­giu com uma surpreendente nota pública, na qual dizia que Moro “mente”. ­Aliás, Bolsonaro trocou o chefe da PF. Saiu Paulo Maiurino, entrou Márcio Nunes de ­Oliveira, que era vice-ministro da Justiça.

*Fonte: Pesquisa Genial/ Quaest de 9 de fevereiro

Moro sofre no próprio partido. Parte do Podemos não quer a candidatura. Como as campanhas aqui são desde 2018 financiadas por um fundo público, lançar nome com pouca chance é jogar fora grana que contribuiria para eleger deputados. É um fundo com 4,9 bilhões de reais, questionado no Supremo em razão do tamanho e que a corte inclinava-se a manter, em julgamento retomado no dia da conclusão desta reportagem. O risco de desperdiçar verba do fundo é um dos motivos para as dificuldades de Doria no PSDB. Ele tem 2% nas pesquisas e rejeição superior à de Bolsonaro. “Não está se mostrando competitivo até agora. Desde que se tornou o candidato do partido nas prévias de novembro, a posição dele nas pesquisas não muda. Ele tem uma rejeição muito grande e é muito difícil vencê-la”, afirma José Aníbal, ex-presidente tucano. Anibal é um dos articuladores da tentativa de certos correligionários de enterrar agora em março o sonho do governador paulista.

São Paulo segue um capítulo à parte na disputa presidencial. Está sobretudo lá o maior obstáculo a uma aliança entre PT e PSB e à filiação de Geraldo Alckmin aos pessebistas. Lula parece convicto de ser a primeira vez em anos que um petista tem chance real de virar governador. Quer lançar Fernando Haddad. Uma pesquisa de fevereiro do Ipespe mostra que Haddad lidera a disputa com 38%, quando apresentado como candidato de Lula e ­Alckmin. O PSB acredita, porém, que se trata de uma ilusão, dado o antipetismo estadual. E insiste na candidatura de Márcio França, ex-vice de Alckmin e ex-governador. França conversou com Lula em 22 de fevereiro e defendeu usar pesquisas para decidir o competidor apoiado por PSB e PT. Os petistas desdenham da ideia.

Quanto a Alckmin, só não será companheiro de chapa de Lula se não quiser, independentemente do partido. No PT ainda há resistências localizadas a ele, porém contornáveis. “Se o Alckmin como meu vice me ajudar a governar, não vejo nenhum problema dele ser meu vice. As divergências serão colocadas de lado, porque o desafio, mais que ganhar, é consertar o Brasil”, comentou Lula em uma entrevista em 15 de fevereiro.

Para petistas, a dobradinha com o ex-tucano reforçaria a contraposição ao discurso bolsonarista e de setores da mídia de que Lula é radical. Escudo útil também perante evangélicos. Rádios e jornais ligados a igrejas têm batido duro em Lula, caso da Folha Universal, do conglomerado de Edir Macedo. Na Quarta-Feira de Cinzas, o PoderData mostrava ­Bolsonaro com 48% entre os crentes e Lula, com 27%. Em meados de 2021, o ­Datafolha identificava empate técnico entre os dois nesse segmento. A decisão petista de votar com os deputados da Bancada da Bíblia contra a legalização dos jogos de azar é a esperança de angariar a boa vontade dos protestantes. Detalhe: o relator da lei dos jogos era do PSB, o pernambucano Felipes Carreras. O projeto agora está no Senado. Bolsonaro promete vetá-lo.

“Vai ser uma campanha (a de Bolsonaro) para estimular o ódio, uma campanha de guerra, não vai ser civilizada. Vão tentar por todos os meios evitar a vitória do Lula, até com acusações de fraude nas urnas”, afirma Rui Falcão. “Temos nos preparado para esse cenário. Não vamos abaixar a cabeça.” •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1198 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Linha de largada”

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