Política

O saldo da gestão Dino no Ministério da Justiça e Segurança Pública, segundo especialistas

Entre urgências e problemas estruturais, a pasta lida com altas taxas de violência, a demanda por mais inteligência policial e as consequências da possível saída de Dino

Posse de Flávio Dino no Ministério da Justiça e Segurança Pública — Foto: Ricardo Stuckert/PR
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Ao final de 2022, o Brasil somava mais de 40 mil mortes violentas, entre assassinatos, roubos, feminicídios, casos de letalidade policial e mortes motivadas por homotransfobia. Esse foi o cenário encontrado pelo ministro Flávio Dino ao assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Lula (PT).

Uma semana depois da posse, os atos golpistas do 8 de Janeiro destruíram não só as sedes dos Três Poderes, mas também intensificaram a vulnerabilidade das instituições públicas. Isso destacou a necessidade de uma ação decisiva e precisa do Ministério da Justiça.

Também foi preciso, nestes primeiros meses, lidar com algumas urgências, como os atentados às escolas e  ofensiva do garimpo ilegal, que culminou em uma grave crise em território os Yanomami. Coube ainda à pasta revisar o decreto de armas e o afrouxamento das regras para porte e posse impostos por Bolsonaro.

Tendo em vista essa realidade, CartaCapital viajou a Salvador (BA), a convite da Iniciativa Negra por uma nova políticas sobre drogas, para a Conferência Internacional da organização, que discutiu um novo modelo de segurança pública. 

Durante este ano, a estratégia adotada pelo Ministério focou na ‘contenção de danos’, especialmente diante da crise de segurança pública relacionada às organizações criminosas. Recentemente, o governo promulgou o decreto de Garantia da Lei e Ordem (GLO), mobilizando 3,7 mil militares da Aeronáutica, do Exército e da Marinha em ações de combate ao crime em locais estratégicos dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. A previsão é que essa medida se estenda até maio.

Eduardo Ribeiro, historiador e coordenador da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia, e co-fundador da Iniciativa Negra, critica essa abordagem. “É uma ‘não-solução'”, avalia. Segundo ele, o reforço do militarismo pode, na verdade, provocar novos conflitos, como mostra a recente escalada de violência na Bahia, que superou o índice de mortalidade em operações do Rio.

Em 2022, foram registradas 1.465 vítimas apenas na Bahia, com 72 mortes em ações policiais somente em setembro, conforme dados do Instituto Fogo Cruzado.

O guerra ao tráfico também gerou mais caos no Rio de Janeiro, incluindo a queima 35 ônibus e até uma cabine de trem e a morte de uma menina de 5 anos e um menino de 13 anos, na Cidade de Deus.

A apreensão de drogas e armas não se traduz em maior segurança para a sociedade. E a maioria dos casos de violência envolvendo intervenção policial termina sem solução. Nem do problema em questão — o crime organizado —, nem na reparação das vítimas

 “O único caminho que resolveria, de fato, essa questão seria regulação, fiscalização e trabalho de inteligência”, explica Juliana Borges, pesquisadora de política criminal e relações raciais. “E não operações que muitas vezes mais parecem marketing.”

O governo prometeu investir 900 milhões de reais até 2026 no Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas, enfatizando a importância do investimento em inteligência. Borges, que também consultora do Núcleo de Enfrentamento, Monitoramento e Memória de Combate à Violência da OAB-SP, ressalta a necessidade de uma abordagem mais estratégica e baseada em dados para combater o problema de forma eficaz.

O foco em policiamento ostensivo, destaca ela, pode levar a uma intensificação do estado de violência endêmica no Brasil.  “São apostas que vão intensificar esse estado de violência cada vez mais endêmica que a gente vive no Brasil”, aponta Borges. “Essa fórmula não faz sentido, a gente precisa investir em mais prevenção e inteligência baseada em dados”. 

Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, entre 2019 e 2020, o Brasil investiu 157,7 bilhões de reais em segurança pública, mas apenas 1,9 bilhão de reais foram alocados para inteligência e informação.

As falhas na implementação, que frequentemente comprometem a eficácia de programas promissores de segurança, são um problema recorrente. Por exemplo, o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), estabelecido em 2018 com o objetivo de diminuir os índices de mortes violentas e violência contra a mulher, além de focar no bem-estar dos profissionais de segurança, ainda não atingiu suas metas principais.

Alexandra Montgomery, da Anistia Internacional Brasil, aponta a necessidade de regulamentação e cooperação mais efetiva entre as esferas do governo para alcançar os objetivos do SUSP. Como o sistema é nacional, mas as polícias estão sob o comando dos governos estaduais, um ente transfere a responsabilidade para o outro. “Fica muito fácil você justificar o ‘braço curto'”.

A incerteza sobre o futuro do Ministério da Justiça 

Com a indicação de Flávio Dino para cadeira deixada pela ministra Rosa Weber no STF, a chefia no ministério da Justiça entra em disputa. E há temores sobre a continuidade do envolvimento da sociedade civil nas decisões da pasta, assim como a possibilidade de divisão do ministério em duas entidades distintas, impactando a nomeação de juízes e o controle das polícias.

“Com essas pastas unificadas a sociedade civil ainda consegue ter uma entrada de alguma incidência na segurança pública via Justiça”, aponta Borges. 

“O nosso desejo é que seja o novo ministro que compreenda que a sociedade civil é parceira no fortalecimento democrático. Temos que ser bem-vindos e convocados para participar das discussões e das decisões”, complementa. 

Ainda não há previsões do anúncio de um novo nome pelo presidente.

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