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Maduro respira no cargo e reabre fronteira da Venezuela com o Brasil

Decisão foi anunciada após reunião com senador brasileiro que driblou boicote do Itamaraty

Maduro durante posse. Crédito: AFP Maduro presta juramento ao ser empossado para seu segundo mandato (AFP)
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A Venezuela vai reabrir fronteira com o Brasil, fechada desde o fim de fevereiro, quando um plano americano de “ajuda humanitária”, apoiado pelo governo Bolsonaro, tentou criar condições para derrubar Nicolás Maduro. A reabertura é um sinal de respiro do líder venezuelano e foi anunciada após um senador brasileiro driblar o Itamaraty e negociar diretamente com autoridades do país vizinho, Maduro entre elas.

O anúncio da reabertura foi feito após uma sequência de acontecimentos recolocar a Venezuela no centro do noticiário. Entre esses acontecimentos, esteve a viagem, no fim de semana, do senador Telmário Mota, do PROS, à Venezuela. Lá, ele se encontrou com o chanceler Jorge Arreaza, depois com Maduro, ambas as conversas nesta segunda-feira 15.

Mota comanda um grupo dentro da Comissão de Relações Exteriores do Senado encarregado de acompanhar a crise na Venezuela. Tem interesse particular no assunto. É eleito por Roraima, estado que tem uns 50% de suas vendas destinadas ao país vizinho. E que depende de energia elétrica gerada lá para não ficar no escuro.

Migrantes venezuelanos na fronteira com a cidade fronteiriça de Pacaraima

O pedido

Em março, Mota havia mandado uma carta a Maduro com o pedido para reabrir a fronteira com o Brasil. A maior parte dela tem Roraima do outro lado. Recebeu uma resposta em 10 abril. A Venezuela pedia para ele viajar até lá. O senador contou sobre o convite um dia depois, em uma audiência pública da Comissão com o ministro da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva.

“Eu luto pela transição democrática, restauração da ordem constitucional na Venezuela, mas que seja pelo seu povo e pelas suas instituições”, disse o senador na ocasião. “Então, estou de acordo com o hábito e o costume brasileiro de não interferir nas políticas internas de outra nação.”

No dia seguinte, o Senado aprovou a viagem de Mota em missão oficial à Venezuela. Significa que ele iria em avião da FAB. Mais dois senadores mostraram interesse de viajar também. Chico Rodrigues (DEM), outro eleito por Roraima e um dos vice-líderes do governo Bolsonaro, e Jaques Wagner, do PT.

O Senado enviou a requisição do avião ao Ministério da Defesa. Segundo assessores de Mota, o ministério concordou. Depois recuou e sugeriu pedir ao Itamaraty. Este teria negado. Mota deu um jeito de viajar assim mesmo. Foi de carro desde Boa Vista, a capital de Roraima. Rodrigues e Wagner não toparam encarar a estrada.

Mina de ouro

Chefe do Itamaraty e fã de Donald Trump, o ministro Ernesto Araújo quer a cabeça de Maduro. Orientou fazendeiros brasileiros a não fazerem negócios com a Venezuela, segundo um diplomata. Só que os ruralistas, prossegue esse diplomata, descobriram que o vizinho virou uma mina de ouro. Paga tudo à vista, para driblar uma das sanções americanas, aquela que proíbe bancos de serem usados como canal financeiro pelo governo venezuelano. E paga bem – preços altos, devido à enorme escassez de alimentos por lá.

 

Ainda segundo esse diplomata, Araújo mandou a equipe mapear todos os organismos internacionais onde a Venezuela tem vaga. E, depois, que pedisse a esses organismos que aceitassem representantes venezuelanos indicados por Juan Guaidó, o deputado direitista autointitulado presidente da Venezuela. Entre os organismos, houve quem tenha se espantado, caso da Organização Internacional do Cacau. Estamos inadimplentes com nossas contribuições periódicas à entidade cacaueira, portanto, sem moral para pedidos do gênero.

Embora o chanceler siga determinado a derrubar Maduro, há diplomata que notou uma mudança. Araújo baixou a bola, digamos assim. Até o plano da “ajuda humanitária” de fevereiro, era bem mais ativo e falador. Amansou, provavelmente, por obra da ala militar do governo. Especialmente do vice-presidente, general Hamilton Mourão.

Na reunião do Grupo de Lima ocorrida logo após a “ajuda humanitária”, quem falou pelo Brasil foi Mourão, não Araújo. Há relatos de que, naquela reunião, ocorrida na Colômbia, o general tenha tratado Araújo como subordinado. Era uma segunda-feira. Na sexta-feira daquela semana, o chanceler teve um tete-a-tete com Mourão no gabinete do vice. Há relatos de que teria sido enquadrado.

 

O Brasil participa do Grupo de Lima desde sua criação, no governo Temer. No fim de 2018, o então chanceler, Aloysio Nunes Ferreira, ex-senador do PSDB, mudou de posição, logo após ter sido procurado por emissários de alguns países membros do Grupo. Estes queriam apoio do Brasil a uma ação no Tribunal Penal Internacional contra a Venezuela. Nunes Ferreira não topou. Diplomatas lhe disseram que o precedente poderia se voltar contra o Brasil no futuro.

Um diplomata disse a CartaCapital que, certa vez, o então embaixador do Brasil em Washington, Sergio Amaral, recém afastado do posto, foi a um almoço na embaixada russa nos Estados Unidos e tomou um pito do anfitrião, a ponto de abandonar o almoço no meio. O embaixador russo disse que o Brasil fazia o jogo dos EUA, ao aderir ao Grupo. Amaral retrucou, foi chamado de ingênuo, se levantou e foi embora.

A reabertura das fronteiras encontrará aviões e tropas russos na Venezuela, aterrissados por lá em março. É um dos sinais de que Maduro está um pouco mais encorpado para sobreviver no cargo. A Rússia se opõe à pressão americana contra Maduro. Tem tido vários embates com os EUA no Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão que este ano já se reuniu quatro vezes para discutir a crise no país sul-americano.

Acordo com a Cruz Vermelha

Na quinta-feira 11, o governo Maduro selou um acordo com a Cruz Vermelha, para o organismo ampliar as ações na Venezuela. A “ajuda humanitária” de fevereiro não tinha o apoio da entidade. Ao contrário. Dirigentes dela apontaram uma ação política por trás da “ajuda”.

 

Sem a opção militar no horizonte, por ora, o que os governos adversários de Maduro tentam neste momento é derrubá-lo através do estrangulamento econômico. Seria uma forma de fazer o povo e os militares venezuelanos se revoltarem.

Mourão defende o “estrangulamento”. Disse isso em viagem recente aos EUA, onde se encontrou com Mike Pence, o vice de Trump. Ainda por lá, declarou: “Nenhum dos nossos países vai intervir na Venezuela de forma militar. A intervenção que está sendo feita é política e econômica. A questão militar cabe aos venezuelanos”.

A ONU condena as sanções econômicas impostas pelos EUA e seus aliados à Venezuela. Segundo as Nações Unidas, quem sofre é o povo.

Em janeiro, um dos especialistas da ONU para Direitos Humanos, Idriss Jazairy, disse, logo após outro pacote de sanções ser anunciado pela Casa Branca: “A coerção, seja militar ou econômica, nunca pode ser usada para buscar uma mudança de governo em um Estado soberano. O uso das sanções por potências de fora para retirar um governo eleito é uma violação de todas as normas da lei internacional”.

O que está em curso da parte do Brasil, com Mourão à frente, é uma “diplomacia militar”. Quem a explicou foi o ministro da Defesa durante aquela audiência pública no Senado em que Telmário Mota falou do convite para ir à Venezuela

“Temos mantido o diálogo naquilo que chamamos de diplomacia militar. Temos o adido da Venezuela aqui, normal. Temos oficial da Venezuela fazendo cursos no Brasil e temos o nosso adido lá, os nossos adidos da Marinha, Exército e da Força Aérea. Quando é necessário, nós acionamos o canal da diplomacia militar”, disse Azevedo e Silva.

 

Mourão foi adido-militar do Brasil na Venezuela, no início dos anos 2000. Há quem o considere a pessoa ideal para fomentar uma rebelião entre militares venezuelanos contra Maduro. O que é estranho, dado a visão preconceituosa dele para com os colegas de farda do país vizinho. “Força Armada cooptada, comprada no dinheiro”, disse em uma entrevista em setembro de 2018.

Enquanto Telmário Mota estava na Venezuela, Mourão, recebeu a pessoa que Juan Guaidó chama de “embaixadora para o Brasil”, Maria Teresa Belandria. Ela estava acompanhada de Tomas Silva, um enviado especial de Guaidó.

Também na segunda-feira 15, o Grupo de Lima, uma invenção dos Estados Unidos a juntar vários países das Américas para conspirar contra Maduro, reuniu-se mais uma vez. Em um comunicado, o grupo condenou a Venezuela. Mas, a exemplo da última reunião, de fevereiro, não endossou uma intervenção militar no país.

Na véspera, o chefe da diplomacia americana, Mike Pompeo, encerrou na Colômbia um giro pela América do Sul e cobrara a abertura da fronteira colombiana com a Venezuela, igualmente fechada desde fevereiro. Afirmara que “a usurpação de Maduro tem que terminar” e que os EUA “continuarão utilizando todos os meios políticos e econômicos”. Mas não falara em “opção militar.

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