Entrevistas

Israel x Irã: risco de escalada é grande e a postura do Brasil é correta, diz Rubens Ricupero

Pressão interna e medo de ser preso podem impelir Netanyahu a um novo ataque, apesar do alerta de aliados, avalia o diplomata

Um homem caminha em frente a um banner representando o lançamento de mísseis iranianos, em Teerã, em 15 de abril de 2024. Foto: Atta Kenare/APF
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O risco de Israel promover uma escalada no conflito contra o Irã é grande, apesar dos alertas de aliados ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. A avaliação é de Rubens Ricupero, diplomata, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente sob o governo de Itamar Franco e ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento.

Em meio ao temor global, Ricupero avalia que a postura institucional do governo Lula (PT) sobre a tensão no Oriente Médio é correta, embora o presidente tenha se excedido em suas críticas à violência dos ataques israelenses contra a Faixa de Gaza.

Por que a situação se deteriorou?

  • neste fim de semana, o Irã lançou mais de 300 mísseis e drones em direção a Israel, em retaliação ao bombardeio contra a embaixada iraniana na Síria em 1º de abril, atribuído a Tel Aviv;
  • de acordo com as Forças de Defesa de Israel, 99% do ataque foi interceptado, mas alguns mísseis caíram no território;
  • agora, cresce o temor na comunidade internacional de uma “tréplica” de Israel, com o potencial de colocar em risco grande parte da região.

“Eu acho que [o risco] é real e grande”, disse Ricupero, em entrevista a CartaCapital. Segundo ele, além da pressão da ultradireita de Israel por um novo ataque ao Irã, a delicada situação interna de Netanyahu pode deflagrar essa ofensiva – o premiê, afinal, é alvo de massivos protestos populares desde o ano passado e tem contas a acertar com a Justiça.

Os olhos também se voltam para a reação dos principais aliados ocidentais de Netanyahu, aqueles que, em última instância, decidirão o alcance de uma eventual “resposta” ao Irã, especialmente os Estados Unidos. Nesta segunda-feira 15, o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, afirmou que Washington não deseja uma escalada, mas continuará a apoiar “a defesa de Israel”.

Confira, a seguir, os destaques da entrevista:

Os próximos passos de Israel:

Israel é imprevisível, porque o gabinete de guerra está dividido e não há dúvida de que o primeiro-ministro e o grupo mais extremado que o apoia, se puderem, vão desfechar algum ataque que provocará reações muito fortes.

Aconselho a leitura do editorial do New York Times (de 13 de abril) que diz que a ajuda americana a Israel não pode ser incondicional. E o editorial diz claramente que Netanyahu desafia todas as tentativas americanas de fazer com que a ofensiva em Gaza seja cercada de preocupações humanitárias.

O editorial dá muitos detalhes de como cresce o número de pessoas do Partido Democrata que pressionam o presidente nesse sentido. O importante é mostrar que mesmo o aliado mais incondicional de Israel hesita em continuar a dar um apoio, por causa da atitude do primeiro-ministro e do grupo mais extremado.

O grupo mais extremado do gabinete tem gente inacreditável, inclusive ministros que dizem publicamente que querem expulsar todos os palestinos da Faixa de Gaza e tornar Gaza um território de Israel.

Netanyahu na corda bamba

Netanyahu é próximo desse grupo extremado, mas ele tem uma motivação adicional, de caráter pessoal. Se ele parar, se houver qualquer esmorecimento na campanha, a pressão por eleições em Israel vai crescer muito. Daí o fato de que o primeiro-ministro se opõe claramente a qualquer tentativa de cessar-fogo ou qualquer tratativa que poderia levar à libertação dos reféns.

Qualquer movimento que leve a moderar o conflito é negativo para Netanyahu, porque ele corre o risco não só de perder o poder, mas de ser processado por acusações de corrupção.

É uma situação que se aplica não só a Gaza, mas também ao Irã.

O ex-ministro Rubens Ricupero, em 2019. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

O papel dos aliados

A posição do Netanyahu tem sido sempre a de forçar um confronto com o Irã, um confronto que evidentemente eles provocam sozinhos, mas não querem continuar sozinhos.

Ele só considera viável um ataque ao Irã se os Estados Unidos comprarem essa briga. E Joe Biden já disse neste episódio de agora que se houver um ataque de Israel, os Estados Unidos não participarão.

Mas isso não impede que Netanyahu queira forçar a mão dos americanos, como já fez muitas vezes – inclusive, o ataque que ele fez ao consulado iraniano em Damasco foi uma provocação.

Portanto, não é uma questão de especulação. É mais do que provável que ele se sinta tentado a fazer uma coisa desse tipo.

O risco de escalada entre Israel e Irã

Eu acho que é real e grande, porque Biden tem até hoje relutado em de fato impor condições à ajuda americana. Então, ele corre o risco de se ver diante de uma situação que seja a repetição do que acabou de acontecer, mas de uma forma mais grave, com algum ataque israelense contra o próprio território do Irã.

Agora, tem de distinguir. Nenhum aliado de Israel quer que isso aconteça. Os aliados apostam, em relação ao Irã, não em um ataque, mas na ideia de que cedo ou tarde o Irã terá uma evolução interna que mude o seu comportamento.

A situação iraniana, internamente, não é lá essas coisas. É um país que que tem problemas domésticos muito graves, com muita oposição interna. Os ocidentais, os próprios americanos, jogam nessa hipóteses, porque ninguém quer arriscar um grande conflito.

Mas Israel tem essa postura: está obcecado com a ideia de que, se não fizer isso, cedo ou tarde o Irã terá arma nuclear.

A postura do Brasil

A postura institucional do Brasil é correta. Quando começou o ataque do Hamas, o Brasil era o presidente do Conselho de Segurança, e a maneira como conduziu foi impecável.

O projeto de resolução que o Brasil apresentou e a postura do [chanceler] Mauro Vieira foram muito boas, tanto que eles conseguiram um número de votos muito grande. Não passou porque os americanos, por essa razão que todo mundo conhece, vetaram. Mas teve uma votação muito grande.

O Itamaraty manteve essa postura, e eu acho que manteve inclusive nesse episódio de ontem. Com a nota do Itamaraty eu concordo inteiramente, não faria nada diferente. É uma nota correta, por manifestar profunda preocupação, mas não condenar explicitamente o ataque iraniano, porque para isso teria de condenar antes o ataque israelense.

Nós fizemos bem, porque tanto um quanto o outro então alegando legítima defesa, mas estão se adiantando a qualquer postura das Nações Unidas. É correta a posição do Brasil, não vejo que o Brasil tem de fazer nada mais do que isso.

A postura de Lula

Em relação ao Lula, não acho que ele foi feliz. Sem dúvida nenhuma, concordo que as motivações deles são boas, ele se sente indignado, como muita gente se sente pelo que está acontecendo na Faixa de Gaza. Mas aquela comparação com Hitler não foi correta, foi excessiva.

Desde então, acho que ele percebeu, tanto que nas últimas semanas não tenho notado que ele tenha repetido declarações desse tipo, tanto sobre o Oriente Médio quanto sobre a Ucrânia. Esses assuntos são de uma extrema delicadeza, sobre eles é melhor nunca fazer pronunciamento de improviso. E o Lula tem essa tendência de falar de improviso, de falar de uma maneira emotiva.

Não acho que ele ganha nada com isso – ao contrário, internamente ele perde. Internamente, no Brasil, quem está pressionando em favor de um apoio mais explícito em Israel – e não é ligado à comunidade judaica – faz isso em grande parte porque é desse movimento de direita do Bolsonaro.

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