Política

Araújo constrange o Itamaraty e é alvo de crescente oposição interna

Diplomatas mais jovens estão constrangidos em defender as ideias do chefe. E os mais velhos se sentem afrontados

O chanceler do governo Bolsonaro, Ernesto Araújo (Foto: Divulgação) O chanceler do governo Bolsonaro, Ernesto Araújo (Foto: Divulgação)
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Passados os cem dias de governo Bolsonaro, é cada vez menor a tolerância a Ernesto Araújo dentro do Itamaraty. Diplomatas mais jovens estão constrangidos em defender as ideias do chefe. E os mais velhos se sentem afrontados por ele, que ofereceu posições importantes a diplomatas mais jovens — muitos até evitam lhe dirigir a palavra.

Araújo divide o protagonismo nessa área com Filipe Martins, Eduardo Bolsonaro e com o guru Olavo de Carvalho, o grande fiador de sua indicação. Martins, uma espécie de chanceler paralelo do governo, chama essa turma de ala anti-establishment. Um funcionário veterano do Itamaraty resumiu melhor: está mais para diplomacia religiosa.

Muitos subordinados consideram Araújo um true believer do olavismo, cativado pelas ideias do filósofo e envaidecido da missão de lutar contra o globalismo e a decadência do ocidente. “Bobo”, “maluco” e “cooptado” foram alguns adjetivos que jovens diplomatas ouvidos por CartaCapital usaram para defini-lo.

“Não acho que ele seja manipulador ou mau-caráter. Naquele discurso de posse, deu pra ver que ele quase chorou”, disse um terceiro-secretário lotado em Brasília. 

Tom mais elogioso recebem os secretários do ministro, tidos como competentes no papel de “adultos na sala” do dia a dia do MRE. Já os militares, em especial o General Santos Cruz, são vistos como “preparados e pragmáticos”, embora com mais influência dentro do Planalto do que no Itamaraty.

Durante a carreira, Araújo sempre teve atuação discreta e protocolar. Seus arroubos ideológicos só ficaram conhecidos em 2016, depois que ele publicou nos cadernos do IPRI um artigo em defesa de Trump. No texto, Araújo considera o presidente americano o único capaz de salvar a civilização ocidental, representante de uma “longa tradição intelectual e sentimental, que vai de Ésquilo a Oswald Spengler”. Em meados de outubro do ano passado, passou a defender abertamente a candidatura de Bolsonaro em seu blog Metapolítica 17.

O maior temor é de que o país esteja se isolando ao aderir a Trump e ao consórcio de extrema-direita que tomou países como Hungria, Polônia e Turquia. “Todo mundo fala em prejuízos econômicos, mas o prejuízo imediato é diplomático. Nunca a imagem do Brasil esteve tão ruim”, analisa Marcelo Zero, especialista em Relações Internacionais e assessor técnico no Senado.

Há também quem o veja como oportunista. Anos antes, Araújo dedicou sua tese exigida para virar embaixador à política externa colocada em prática a partir dos governos Lula. Quando era ministro-conselheiro nos Estados Unidos, em 2011, defendeu o envolvimento de Dilma na luta armada contra a ditadura. “Especialmente entre os jovens não havia esperança de ver a democracia restabelecida por meios pacíficos. (…) Então muitas pessoas, a despeito das instituições, decidiram pegar em armas. Ela [Dilma] foi parte disso.”

Nunca antes na história do Itamaraty

Fato é que nunca antes um ministro na posição de Araújo teve tanta oposição dentro do Itamaraty. E, apesar do mal-estar, há certa blindagem. A carreira diplomática se parece um pouco com a carreira militar: há muito respeito à hierarquia e à institucionalidade, e essa disciplina obriga os sujeitos a obedecer quem está no andar de cima. Por isso os levantes, embora mais frequentes, seguem anônimos.

Costumam confrontar o governo abertamente veteranos como Roberto Abdenur e os ex-chanceleres Rubens Ricupero e Celso Amorim, já afastados das funções cotidianas da diplomacia. “Os governos anteriores não fizeram nenhuma reforma, então o poder do ministro ainda é imenso”, critica um diplomata veterano, já aposentado.

Com retrocessos, momento é de uma síntese geracional para uma nova política externa: independente, altiva, ativa, latino-americana e do Sul. Sede do Ministério das Relações Exteriores: nova política externa tem adesão minoritária

“Sempre existe a possibilidade de não cumprir pedidos à risca, de fazer certo ‘corpo mole’, mas a capacidade do corpo diplomático de resistir a certas diretrizes e interpretações é um tanto limitada”, explica Zero.

Episódios recentes ilustram bem esse desbalanço. Um grupo anônimo de quarenta diplomatas divulgou uma carta de repúdio às manifestações do governo em favor do golpe de 64. Dias depois, em telegrama à ONU, o Itamaraty confirmou a versão oficial do Planalto, de que não houve um golpe militar no Brasil.

No Brasil, a Associação dos Diplomatas Brasileiros não costuma se envolver em confusão. A última manifestação de cunho político oficial ocorreu em 2017, depois que funcionários do Itamaraty divulgaram uma carta, também anônima, criticando a truculência do governo na repressão a manifestações contra o então presidente Michel Temer. Na época, a ADB contestou a posição, considerada pela associação um ataque ao caráter institucional da diplomacia.

Dança das cadeiras nas chancelarias

Enquanto isso, o governo vai trocando as peças na tentativa de melhorar a imagem do país. Em março, Paulo Roberto de Almeida foi demitido depois de publicar na internet um artigo nada elogioso à tal ala anti-establishment, no qual Olavo de Carvalho era chamado de “sofista da Virgínia”.

Mario Vivalva foi exonerado da Apex, principal braço do comércio exterior, depois de protestar publicamente contra um golpe estatutário que deu poder máximo a dois protegidos de Ernesto Araújo. Diplomata de carreira com passagens por Alemanha, Chile e Portugal, Vilalva havia assumido a agência para acalmar os ânimos depois da breve e desastrada nomeação de Alecxandro Carreiro, um amigo de Eduardo Bolsonaro que mal falava inglês.

Também perdeu o cargo Sérgio Amaral, que há três anos chefiava a embaixada de Washington, considerado o posto mais destacado do Brasil no exterior. Amaral não é o que pode se chamar de “petista”: assumiu o posto pouco depois do impeachment, defendeu o veto a Lula nas eleições e vinha mantendo uma boa relação com o novo governo. Mesmo assim, foi limado. E deve ser substituído por um discípulo de Olavo.

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