Justiça

STF adia mais uma vez julgamento sobre abordagens policiais com filtragem racial

O ministro Luiz Fux pediu vista até 15 de março. Quatro ministros são contrários à anulação de provas no caso analisado

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal - STF. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Apoie Siga-nos no

O Supremo Tribunal Federal adiou novamente a análise sobre um caso de abordagem policial em que um homem negro aponta “filtragem racial” por parte dos agentes de segurança. A Corte havia iniciado a votação na última quarta-feira 1º, prosseguiu com o julgamento na quinta 2 e reiniciou o debate nesta quarta 8. A nova interrupção ocorreu por iniciativa do ministro Luiz Fux, que pediu vista até a quarta-feira 15.

A defesa de Francisco Cícero dos Santos Júnior, de 37 anos, reivindica a anulação das provas colhidas a partir de uma abordagem policial contra ele em maio de 2020, no município de Bauru, em São Paulo.

Na ocasião, policiais coletaram 1,53 grama de cocaína. Em depoimento, os agentes explicaram o motivo da suspeita e mencionaram a cor da pele de Francisco. Para entidades que acompanham o processo, há evidência de “perfilamento racial” no ato dos policiais, ou seja, a cor da pele teria sustentado a suspeita.

Relator do processo no STF, o ministro Edson Fachin já declarou o voto em favor da nulidade das provas obtidas na abordagem em questão. No entanto, quatro ministros divergiram e argumentaram não haver indicativos de filtragem racial: André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e, nesta quarta, Kassio Nunes Marques.

Em seu voto, Kassio Nunes considerou que “o suporte probatório demonstra a existência de diversos elementos fáticos dotados de consistência que convergiram para justificar a busca pessoal realizada no paciente e a apreensão da droga encontrada em seu poder”.

Na mesma sessão, Moraes também se manifestou. O ministro disse ter verificado a informação de “dezenas de abordagens” registradas na mesma semana, a negros e a brancos, no mesmo local em que o homem estava. Segundo ele, o ponto é um dos cinco com mais apreensões de drogas no varejo em Bauru.

“O perfilamento racial lamentavelmente existe, faz parte de uma chaga, que é o racismo estrutural no País, deve ser combatido e, quando verificado, deve acarretar a ilicitude da prova e o crime de racismo”, declarou o ministro. “Agora, esse caso é muito ruim para se reconhecer isso.”

Em entrevista a CartaCapital, o defensor público Pedro Henrique Pedretti Lima, que atua em favor de Francisco Cícero, diz observar, a partir dos votos dos ministros, uma equiparação do perfilamento racial ao crime de racismo, enquanto são questões diferentes.

Pedretti Lima nega que esteja acusando os policiais de praticar crime de racismo, embora tenham agido, segundo ele, a partir de um “viés racista”. O defensor afirma que os votos dos ministros estão exigindo um nível probatório extremamente elevado para que se aponte o perfilamento racial.

O argumento é de que essa prática é corrente, mas que dificilmente é documentada nos autos dos processos. Esse caso teria como diferencial a referência direta à cor da pele do alvo.

“Estão exigindo, praticamente, uma declaração expressa da Polícia de que a abordagem foi em razão da cor da pele, mas isso não vai existir”, avalia. “Nenhum policial vai dar essa declaração expressa, porque sabe que, se fizesse isso, iria ser sancionado. O racismo estrutural é sutil, e o perfilamento racial também.”

Uma das entidades designadas como amicus curiae, a Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas também reivindica uma regulamentação mais rígida para as abordagens policiais, a fim de evitar o perfilamento racial.

Segundo uma pesquisa do Instituto de Defesa do Direito de Defesa divulgada em 2022, 46% dos entrevistados negros relataram já ter vivido alguma experiência de abordagem policial com referências expressas à cor da pele ou à raça. Entre os brancos, apenas 7% disseram o mesmo.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo