Justiça
‘Sofremos racismo em todos os lugares, não é um privilégio aqui no Brasil’, diz vice-PGR no STF
Lindôra Araújo concedeu a declaração durante julgamento sobre abordagem racial com base na cor da pele
A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, afirmou que o racismo não é um “privilégio” no Brasil e disse sofrer esse tipo de opressão em outros países, como nos Estados Unidos e em Portugal.
A declaração ocorreu nesta quarta-feira 1º, durante sessão no Supremo Tribunal Federal. Os magistrados da Corte realizam um julgamento sobre o chamado “perfilamento racial” durante abordagens policiais.
O STF analisa se deve determinar que as provas colhidas em uma abordagem policial sejam invalidadas caso a busca ocorra com base na cor, na raça, na descendência, na nacionalidade ou na etnicidade do alvo.
O julgamento ocorre como desdobramento de um caso registrado no município de Bauru, em São Paulo, em maio de 2020. Na ocasião, a Polícia Militar prendeu Francisco Cícero dos Santos Júnior com 1,53 grama de cocaína.
O homem foi condenado a quase oito anos de prisão. Conforme o acórdão do julgamento de um habeas corpus sobre o caso no Superior Tribunal de Justiça, “a cor da pele do paciente foi o que, considerando o depoimento dos policiais responsáveis pelo flagrante, despertou a suspeita que justificou a busca pessoal no paciente”.
O defensor público Pedro Henrique Pedretti Lima, que atua no caso em favor de Francisco, argumenta que as provas são ilícitas porque a abordagem foi baseada em “filtragem racial”.
A vice-procuradora-geral, porém, sinalizou discordância. Ao se manifestar, afirmou que não é competência do julgamento examinar um “problema social” e disse que o racismo ocorre “em todos os lugares”.
“Nós não, aqui, nem vossas excelências estão a julgar neste momento um problema social, infelizmente. O racismo é uma coisa, como nós ouvimos, que existe”, declarou. “Nos Estados Unidos, nós sofremos também racismo. Todos nós chegamos em outros países, Portugal, sofremos racismo em todos os lugares, não é um privilégio aqui no Brasil.”
Na sequência, defendeu a abordagem policial e rejeitou a argumentação de filtragem racial.
“Não podemos esquecer que a droga é droga”, ressaltou. “Estava com droga e vendia a droga. E ela não foi parada porque estava do lado de um carro e era preta. Era um local que a polícia fazia e já sabia que era um local de venda de drogas. Não foi assim: ‘eu passei por um negro e aí eu parei aquele negro’. Não. Ele estava num ponto de droga.”
O STF também ouviu a opinião de advogados de seis grupos de juristas.
Um deles foi Rodrigo Mesquita, da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, que considerou a abordagem “ilegal” e a quantidade portada por Francisco como “ínfima”.
Priscila Cesário dos Santos, do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, argumentou que o julgamento não trata de posse de drogas para consumo, nem de tráfico ou princípio da insignificância, mas de racismo.
“Nesse caso, é patente que a fundada suspeita se deu única e exclusivamente pela cor da pele do paciente. Os policiais foram claros a todo o tempo ao dizer que a suspeita se deu porque era um homem preto parado ao lado de um veículo. Aqui, pleiteio que coloquem essa questão no centro do debate”, declarou.
O relator do caso é o ministro Edson Fachin. Os magistrados ainda não votaram. O julgamento terá prosseguimento nesta quinta-feira 2.
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