Observatório do Banco Central
Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro
Observatório do Banco Central
Por que o Banco Central vai continuar aumentando os juros?
Não cabe apenas ao Banco Central a tarefa de manter a inflação sob controle. O ideal seria um arcabouço que combinasse a atuação do banco com as demais esferas de política econômica
Na semana passada, o Copom deu continuidade ao processo de elevação da taxa básica de juros, a Selic. O comitê decidiu, por unanimidade, aumentar a Selic em 1 ponto percentual (p.p.), para 12,75% ao ano. Foi a décima alta consecutiva, e a taxa de juros acumula aumento de 10,75 p.p. desde março de 2021.
O ciclo de alta, muito provavelmente, se estenderá para as próximas reuniões (na ata da reunião, a ser divulgada, espera-se que os passos futuros sejam mais bem sinalizados). Com base nas entrelinhas do comunicado divulgado após a decisão, pode-se considerar muito provável uma nova elevação da Selic em junho. A dúvida reside em relação à magnitude.
Por um lado, o colegiado destacou que o aperto das condições monetárias já está em “estágio avançado” e, bem lembrou, que o pleno efeito das decisões de política monetária se dá de forma defasada no tempo – e, portanto, ainda está por vir.
Ao adotar o regime de metas de inflação, Bolsonaro delega exclusivamente ao Banco Central a tarefa de manter a inflação sob controle
Por outro, há não muito tempo atrás, o Banco Central havia sinalizado que o último ajuste seria feito nesta reunião! A mudança se justifica pela surpresa do presidente Roberto Campos Neto com a alta do IPCA de março, que foi de 1,62%.
Para um leigo, Campos Neto pode parecer ter dado uma boa justificativa: diante de uma alta inesperada da inflação, caberia ao Banco Central elevar os juros. Porém, o baixo grau de previsibilidade da inflação é, justamente, uma das principais desvantagens apontadas pelos críticos do regime de metas de inflação.
Por exemplo, o Nobel James Tobin criticou o uso de regras de política monetária (ou de política fiscal) justamente com base nesse argumento. É impossível definir uma regra que contenha todas as possibilidades, por uma razão muito simples: o mundo é incerto. Aliás, essa é uma das grandes contribuições de J.M. Keynes, criador da macroeconomia e um dos maiores economistas de todos os tempos.
Incerteza é diferente de risco. No primeiro caso, estamos tratando do que os físicos chamam de sistema não ergódigo. De forma bem simples, trata-se de algo que gera resultados não passíveis de serem previstos com base na teoria da probabilidade (Clássica ou Bayesiana). É um sistema cujas propriedades fundamentais se alteram impossibilitando, assim, a inferência estatística e o cálculo estocástico.
O risco, por sua vez, é quantificável. Pode ser objeto de ambos, a inferência estatística e o cálculo de probabilidades. O exemplo mais intuitivo é um jogo de dados. Nesse caso a probabilidade de ocorrer um determinado número é igual à 1/6.
A inflação, porém, é um fenômeno complexo, com múltiplas causas. Ela é mais bem caracterizada por um evento que pertence a um sistema não ergódigo. Por isso, Campos Neto tem tido muita dificuldade em prever, de forma acurada, o comportamento do IPCA – a despeito de toda sofisticação teórico-analítica e experiência dos meus colegas do Departamento de Pesquisa, que formulam as previsões do Banco Central..
A baixa previsibilidade da inflação faz com que desvios da meta, como o do ano passado, sejam passíveis de justificativas ad hoc. Ou seja, Campos Neto (quase) sempre terá inúmeras razões para fundamentar o não cumprimento de sua função primordial. Adicionalmente, como já ressaltado nesse espaço, a política monetária é pouco eficaz para combater choques inflacionários de custo.
Por esses motivos, o Banco Central não está sendo capaz de coordenar (ou ancorar) as expectativas de inflação – o que é crucial para os proponentes do regime de metas de inflação. Como não está na pauta de Guedes e de Bolsonaro uma mudança na política de estabilização de preços, o quadro inflacionário é muito preocupante.
Explico. Ao adotar o regime de metas de inflação, o presidente Jair Bolsonaro delega, exclusivamente, ao banco central a tarefa de manter a inflação sob controle. O problema é que nenhum banco central do mundo é capaz de controlar perfeitamente a inflação. Por uma razão simples. Ao contrário do que Milton Friedman, o papa do monetarismo, preconizou no final dos anos 1960, a inflação não é “um fenômeno meramente monetário”.
Assim, não cabe apenas ao banco central a tarefa de manter a inflação sob controle. O BC precisa de aliados. O ideal seria um arcabouço que combinasse a atuação da autoridade monetária com as demais esferas de política econômica. Enquanto os custos de energia (eletricidade e derivados de petróleo) continuarem subindo, a inflação seguirá fora do controle. E, fatalmente, a autoridade monetária dará continuidade ao aperto.
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