Observatório do Banco Central

Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro

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Janeiro de 2023: a redenção, o caos e a ‘independência’

Além de fragilidades teóricas, não há evidências robustas de que um BC independente seja capaz de gerar melhores resultados econômicos

A sede do Banco Central, em Brasília. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
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“Para alcançar o desenvolvimento econômico, o país precisa equacionar as suas dívidas sociais.”

O primeiro mês de 2023 foi marcado por uma sucessão de eventos expressivos. Iniciamos o ano com a posse presidencial mais emblemática da história democrática do País. A potência de se observar a passagem da faixa presidencial (o símbolo representativo da alternância de poder em um regime democrático) sendo realizada por indivíduos que compõem o retrato real do povo brasileiro ficou registrada como um passo importante para a redenção de um projeto de país que privilegie a responsabilidade social.

A força dessa transição não pode ser apagada. No entanto, a vandalização do Palácio do Planalto, da sede do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro se constituiu como uma mancha na história da Nação e como um verdadeiro caos. Este triste episódio serviu como (mais um) sinal de que aqueles que governaram o Brasil nos últimos quatro anos não possuem nenhum grau de civilidade e apreço pelo povo brasileiro, mas sim um desejo irrestrito de destruição, ódio e manipulação de corações e mentes na tentativa de perpetuação no poder.

Os responsáveis por essa tragédia estão sendo punidos com o rigor da lei e espera-se que esses atos de terrorismo não voltem a se repetir.

Além disso, o mês de janeiro também começou a trazer evidências ainda mais robustas do desmonte do Estado e das políticas públicas que vinha sendo empregado nesses últimos anos. Talvez o retrato desse desmonte possa se sintetizar no caso dos Yanomamis. A prática do garimpo (apoiada abertamente pelo último governo) e a destruição das políticas de preservação ambiental levaram ao genocídio do povo indígena Yanomami. As imagens que circularam o mundo mostram cenas de horror e abandono infligidas aos nossos povos originários. Um horror provocado, em grande parte, pela poluição dos rios e disseminação de doenças – levadas para a floresta através dos garimpeiros.

As palavras que resumem o governo brasileiro entre 2018 e 2022 são: negacionismo, incompetência, negligência, irresponsabilidade e desmonte. Esse é o resumo do que se observou no País nestes últimos quatro anos e que seria levado para níveis ainda mais assustadores caso o resultado das eleições presidenciais tivesse sido diferente. Muitos desafios estão postos para o futuro próximo do País e deverão ser enfrentados através de uma capacidade de gestão e reflexão muito amplas. Para a retomada da responsabilidade social é preciso entender a dimensão dos problemas que estão postos e, assim, construir de maneira coletiva as soluções.

No campo econômico, um tema se estendeu do mês de janeiro para o mês de fevereiro: a independência do Banco Central. Desde a década de 1980 os economistas têm debatido o tema através de teorias e evidências. Em 1987, o economista Milton Friedman, expoente da corrente monetarista, argumentou que a política monetária era um instrumento com tamanho poder que não deveria estar concentrado no presidente de um Banco Central. Ele afirmava que é preciso algum nível de controle social para a autoridade monetária.

O economista João Sicsú, expoente da discussão a respeito da economia monetária, vai além e argumenta que a independência do Banco Central tem a sua fragilidade caracterizada pelo comprometimento que ela pode ocasionar em um dos aspectos mais relevantes para  a estabilidade econômica e política de um país, isto é, a coordenação bem sucedida entre as políticas fiscal e monetária.

No mesmo sentido, outro grande pensador dos temas relacionados à condução da política monetária, Fernando Cardim, argumentou que um dos problemas fundamentais existentes na tese de independência do Banco Central reside no seguinte fato: “a noção de um Banco Central independente […] é um resultado muito peculiar de hipóteses muito restritivas”.  A hipótese restritiva apontada por Cardim é a taxa natural de desemprego, tendo como consequência uma suposta neutralidade da moeda e, assim, uma suposta incapacidade que a política monetária teria de afetar variáveis reais (como emprego e PIB).

Além de fragilidades teóricas, não existem evidências empíricas robustas de que um Banco Central independente seja capaz de gerar melhores resultados econômicos. Assim, o que se observa (com mais ênfase no caso brasileiro) é uma lógica de política monetária única (o controle da taxa de juros) tendo como objetivo exclusivo o cumprimento de uma meta de inflação. Nesse sentido, a economia brasileira vem sendo sistematicamente prejudicada, entre outros fatores, por uma política monetária que está centrada em uma hipótese bastante simples: de que é “natural” a existência de desemprego e o governo não pode fazer nada para mudar essa “realidade”.

Passamos por um início de ano agitado. Uma posse presidencial histórica. Uma tentativa de golpe caótica. E uma discussão econômica difícil, mas promissora. Os desafios postos para esse primeiro ano de governo Lula são consideráveis e se espera que a pluralidade de ideias em torno de um projeto político realmente comprometido com o povo seja uma constante, potencializando a nossa democracia  e consolidando a responsabilidade social, uma vez que para alcançar o desenvolvimento econômico o País precisa equacionar as suas dívidas sociais.

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