Observatório do Banco Central

Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro

Observatório do Banco Central

cadastre-se e leia

Dívida pública, convenções e taxa de juros

Lula parece ter constatado que, sem perspectiva de crescimento da demanda, a economia não reage

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo. Palácio do Planalto. Foto: Ricardo Stuckert/PR
Apoie Siga-nos no

O presidente Lula tem pressionado o Banco Central pela queda da taxa de juros, necessária para o crescimento econômico. Lula parece ter constatado que, sem perspectiva de crescimento da demanda, a economia não reage. O lucro é resultado desejado, mas, incerto, depende do nível da demanda. O empresário tem que estar confiante no alcance do lucro para abrir mão da liquidez e investir, gerando emprego e renda – o mesmo vale para bancos na sua atividade de concessão de crédito.

No Brasil, os elevados níveis de endividamento das famílias e o desemprego dificultam a tomada de crédito para consumo, enquanto os gastos do governo estão limitados pelo Teto dos Gastos e o investimento público encontra-se em piso histórico. As exportações geram um empuxo limitado para a economia e o investimento privado é volátil e depende da confiança dos empresários na sua lucratividade, que é afetada pela própria política econômica.

Apenas quando há perspectiva de crescimento da demanda é que a confiança empresarial sobe para o investimento privado reagir. O fim do Teto dos Gastos e a nova regra fiscal prometida para março são bem-vindos para melhorar a situação econômica do país.

Portanto, além do aumento do consumo por meio dos programas de transferência de renda e do aumento real do salário-mínimo, propostos pelo governo Lula, o aumento do crédito e do investimento público são centrais para a retomada do crescimento. O aumento do crédito depende da redução da taxa de juros. O programa Desenrola, para endividados, poderá contribuir para impulsionar o crédito.

Contudo, programas de transferência de renda, aumentos do salário-mínimo e do investimento público dependem da situação fiscal do governo que, por sua vez, é afetada pela política monetária.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Foto: Raphael Ribeiro/BCB

Os déficits fiscais são financiados pelo aumento da dívida pública. Quando ela cresce em relação ao PIB, aumenta a desconfiança sobre a capacidade do governo em honrá-la e o mercado reage, aumentando a taxa de câmbio, impulsionando a inflação e a curva de juros, deteriorando as contas públicas. Logo, as expectativas são centrais: na dúvida, os agentes buscam ativos líquidos para proteger sua riqueza, causando efeitos indesejados na economia.

Por que o mercado desconfia que o governo honrará sua dívida (principal e juros)? Países menos desenvolvidos possuem uma relação dívida/PIB superior à nossa. Citando alguns, ela está em 182% no Sudão, 193% na Grécia, 123% na Zâmbia, 124% no Suriname, 101% em Moçambique, 89% na Jordânia, segundo a Trade Economics. No Brasil, ela está em 73,5%.

A questão não é o patamar da dívida/PIB, mas sua estabilidade. A perspectiva do seu descontrole causa pânico. Entra em cena, então, outra variável-chave: a confiança.

O principal economista do século XX, Keynes, chamou a atenção para as convenções, crenças compartilhadas, cuja importância nem sempre é percebida. Elas influenciam a confiança dos agentes. Mais ainda, servem para ancorar expectativas e ampliar a eficácia das políticas econômicas quando a convenção dominante corrobora o acerto na formulação das políticas econômicas.

Se o governo souber se comunicar e mostrar que sua dívida irá crescer para financiar o aumento do investimento público, do salário-mínimo real, os programas de transferência de renda, etc, e que em seguida a relação dívida/PIB se estabilizará, em patamar mais elevado, a política econômica terá êxito em estimular o crescimento da economia. Ademais, a crença na estabilização da dívida/PIB faz cair o custo da dívida (juros), reforçando sua tendência de estabilização.

Já o descontrole da dívida/PIB estimula uma convenção negativa. Por isso, Keynes defendia o equilíbrio orçamentário, mas sem abrir mão da política fiscal contracíclica. Superávits públicos nas fases de crescimento compensariam os déficits nas fases de desaceleração econômica, sem pressionar a dívida pública. Afinal, convenções importam. Não foi à toa que Keynes (2013, p.352) argumentou que o déficit público deve ser admitido em último caso.

Cabe ao governo construir uma convenção otimista e a política fiscal contracíclica é parte do arsenal de estímulo da confiança em um futuro lucrativo. Obviamente, tal convenção não emergirá sem a adequada coordenação da política fiscal com as demais políticas econômicas, em particular as políticas cambial e monetária.

O financiamento das medidas para retomada do crescimento pode ser feito pelo aumento da dívida pública, desde que seja demonstrado que a dívida/PIB crescerá, mas se estabilizará no futuro. Caso contrário, haverá deterioração das expectativas, fuga para a liquidez, esmorecimento do investimento privado e queda do crescimento e arrecadação do governo, elevando a dívida/PIB e gerando o ciclo vicioso ao qual estamos presos.

A taxa de crescimento da dívida pública depende da taxa de juros real. Havendo equilíbrio orçamentário, quando esta taxa é igual à taxa de crescimento do PIB, a dívida/PIB estará estabilizada e as expectativas otimistas poderão emergir. No Brasil, a taxa de juros real está em 7,9%.

Para reduzir a Selic, é necessário combater a inflação, ainda elevada. Alguns fatores facilitam seu controle: a inflação está caindo no Brasil e no mundo, os preços do petróleo se reduziram, houve apreciação do câmbio, a atividade econômica do país está fraca. Ademais, o governo adotou medidas para reduzir o déficit esperado e apresentará nova regra fiscal e reforma tributária progressiva.

Os recursos obtidos com a reforma tributária podem ser somados aos dos Fundos Constitucionais de Financiamento visando a melhora das contas públicas. Se as políticas estiverem bem desenhadas e comunicadas, as expectativas de inflação cederão, abrindo espaço para a queda da Selic, a estabilização da dívida/PIB e o crescimento da economia.

Leia essa matéria gratuitamente

Tenha acesso a conteúdos exclusivos, faça parte da newsletter gratuita de CartaCapital, salve suas matérias e artigos favoritos para ler quando quiser e leia esta matéria na integra. Cadastre-se!

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo