Justiça

Bloqueio ao Telegram não é inédito; relembre o que motivou outras suspensões de apps de mensagens

Ao tentar proteger possíveis autores de crimes, em razão da política de dados, as plataformas ficam na mira da justiça local

Foto: iStock
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O Telegram foi suspenso pela segunda vez no Brasil nesta quarta-feira 26, sob determinação da Justiça Federal. O motivo: não conceder à Polícia Federal os dados referentes a administradores de grupos neonazistas, suspeitos de influenciar o autor do atentado escolar que deixou 4 mortos, em Aracruz (ES). 

A plataforma ainda não se manifestou sobre o caso e permanece bloqueada pelas linhas de operadoras em todo o território nacional, mas esta não foi a primeira sanção que sofreu no País.

A primeira suspensão ocorreu em março de 2022, também por descumprimento das ordens judiciais. Um mês antes da medida, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a rede suspendesse três perfis ligados ao blogueiro bolsonarista Allan dos Santos por disseminação de notícias falsas.

“Em respeito à decisão judicial proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes, nos autos da PET 9935, o Telegram suspendeu três contas atribuídas a um dos investigados pela suspeita de liderar esquema de financiamento de milícias digitais no Brasil”, afirmou o STF, em nota à imprensa.

Na época, o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, tinha tido as outras contas bloqueadas nas redes sociais e usava o Telegram para infringir o parecer de Moraes. Desde 2021, ele está foragido nos Estados Unidos. 

Além da suspensão das contas, na lista estava previsto que o Telegram indicasse à Polícia Federal todos os dados disponíveis usados para a criação dos perfis, suspendesse o repasse de monetização dos canais e indicasse os ganhos de cada um dos perfis.

E também reforçava dois outros pedidos de 2021. O primeiro que a plataforma excluísse os links no canal oficial de Jair Bolsonaro, que permitiam baixar documentos de um inquérito sigiloso e não concluído da Polícia Federal. Já o segundo pedido versava sobre o bloqueio do canal “Claudio Lessa” junto aos dados cadastrais da conta.

No entanto, apesar do bloqueio dos perfis, a rede não cumpriu com o fornecimento dos dados dos perfis e não excluiu a postagem no canal oficial de Bolsonaro.

“O desprezo à Justiça e a falta total de cooperação da plataforma TELEGRAM com os órgãos judiciais é fato que desrespeita a soberania de diversos países, não sendo circunstância que se verifica exclusivamente no Brasil e vem permitindo que essa plataforma venha sendo reiteradamente utilizada para a prática de inúmeras infrações penais“, argumentou a PF em documento ao STF.

Antes dos pedidos, o Telegram já tinha ignorado um ofício do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral na ocasião, solicitando uma reunião para discutir formas de cooperação para o combate à desinformação.

Pavel Durov, fundador do Telegram, justificou as deficiências da empresa com os e-mails, dizendo: “definitivamente poderíamos ter feito um trabalho melhor”. Em sua conta pessoal do Telegram, pediu a Corte que adiasse sua decisão.

“Tenho certeza de que, uma vez estabelecido um canal de comunicação confiável, poderemos processar com eficiência as solicitações de remoção de canais públicos que são ilegais no Brasil”, escreveu Durov. 

Após esta manifestação, Moraes deu 24h para o cumprimento das ordens. Após atender as exigências, dentro dois dias de suspensão, a decisão foi revogada e a plataforma voltou a operar no Brasil. 

Refúgio de conteúdo extremista 

Como argumentado pela PF, os problemas da rede com a justiça não são uma exclusividade do Brasil. 

Também em 2022, autoridades alemãs não conseguiram contato com a plataforma e somente depois de ameaças de bloqueio e aplicação de multas, a ministra do Interior do governo de Olaf Scholz, Nancy Faeser, conseguiu falar com executivos do app sobre crimes de ódio nos grupos da plataforma. 

A pressão resultou no bloqueio de 64 contas. O próprio Telegram destacou em um post oficial que aquela foi “a primeira vez” que o aplicativo tomou medidas contra a disseminação de “ódio e incitação” em sua plataforma na Alemanha.

No período, alguns grupos de discussão antivacina na rede atraíam até 200 mil pessoas, de acordo com uma contagem da agência de notícias AFP

Além da mobilização do negacionismo científico, a plataforma também foi palco de organização e divulgação de ameaças de morte contra o ministro-presidente alemão do Land. Por conta disso, em dezembro de 2021, a polícia alemã fez uma investigação e apreendeu armas que seriam usadas contra o parlamentar.  

Ao todo, o Telegram já foi bloqueado ou restringido em 11 países. 

No Brasil, o aplicativo também ficou conhecido como uma saída para discussões extremistas sem banimento. A suspensão do aplicativo no país, foi classificada como “inadmissível” por Bolsonaro, um dos perfis políticos brasileiros mais movimentados no app

Criado em 2014, o impulsionamento da plataforma veio após o WhatsApp sofrer cinco suspensões pela justiça por não conceder informações para investigações policiais. Quatro casos aconteceram entre 2015 e 2016, e outro em 2022. 

As novas políticas da plataforma de moderação e restrição/sinalização de compartilhamento de mensagem em massa, contiveram a disseminação de notícias fraudulentas e grupos extremistas, e a partir disso a migração para o Telegram foi contínua.

Em 2022, quando atingiu seu pico, o aplicativo chegou a ser instalado em 65% dos aparelhos no Brasil.

Atualmente, segundo a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box sobre mensageria móvel no Brasil, divulgada em fevereiro deste ano, o Telegram parou de crescer pela primeira vez, após três anos seguidos aumentando sua base de usuários.

O percentual de usuários que participam de canais no aplicativo de mensagens, por exemplo, diminuiu de 66% para 61%.

Entre as razões apontadas pelos pesquisadores está a mudança de governo. 

“Vale lembrar que nos últimos dois anos alguns expoentes do bolsonarismo, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, incentivaram a migração de seus seguidores para o Telegram, aonde criaram canais de conteúdo. O canal de Bolsonaro, por exemplo, tem 2,8 milhões de inscritos e segue publicando diariamente informações sobre a atuação do antigo governo”, aponta o levantamento.

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