Política

Tática ou ignorância? Por que Bolsonaro dobra a aposta em maluquices

Para socióloga e cientista político, presidente tenta trazer o jogo para o campo onde atua melhor

Bolsonaro durante transmissão de live sobre o direitos dos povos indígenas(Foto: Carolina Antunes/PR)
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Na última semana, as batatadas do presidente Jair Bolsonaro foram de câncer de pênis até cursos de humanas. Em um cenário de desemprego em marcha, dólar beirando os quatro reais e caneladas mil com o Congresso, porque será ele têm dedicado tanto tempo a temas tão distantes do cotidiano presidencial?

Na visão de especialistas ouvidos por CartaCapital, o princípio é simples: o presidente está tentando deslocar a política para o campo que lhe é mais auspicioso.

“Num momento de fraqueza institucional, é natural dar mais atenção às pautas nas quais ele sabe fazer política. Mas acho importante destacar: não é cortina de fumaça, é o que o presidente pensa que é governar”, avalia a socióloga Esther Solano, doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Madri e professora da Unifesp.

Bolsonaro e seus rebentos estão unidos como nunca. Cada um atua em um front para manter coesa a maçaroca de interesses que os levou ao poder, e para demonstrar poder. Vale, para isso, fustigar inimigos e aliados — sobrou até para o general Mourão e ultimamente para o discreto Santos Cruz.

O pano de fundo é o duelo tácito entre militares e olavistas por influência dentro no Planalto. Os militares são vistos como técnicos e pragmáticos, os “adultos na sala”. Já os olavistas querem que o presidente aplique a agenda ideológica que o ajudou a chegar lá — se as maluquices incomodam, a solução é dobrar a aposta.

Mas essa estratégia não deve funcionar por muito tempo, avalia o cientista político Rui Tavares Maluf. Em sua opinião, Bolsonaro erra ao tratar o núcleo duro da direta e a maioria que lhe deu o governo como se fossem a mesma coisa. “Esse campo é rigorosamente diminuto. Parece crescer, mas foram maiorias circunstanciais que os levaram ao poder aqui e no mundo.”

Fato é que, ultimamente, o cabo de guerra anda pendendo para o lado do astrólogo. Nos últimos trinta dias, a ala psiquiátrica faturou o Ministério da Educação com o economista Abraham Weintraub, que já prometeu estrangular o orçamento da pasta para Filosofia e Sociologia e incentivou alunos a filmar professores em sala. 

O grupo também sitiou a Apex desde o golpe branco que culminou na saída do diplomata de carreira Mario Vilalva. No Itamaraty, está em curso uma dança das cadeiras que deve favorecer indicados por Olavo.

Popularidade em queda

As altas expectativas antes da posse se converteram no pior desempenho de um presidente estreante desde a redemocratização. A pesquisa mais recente, do Ibope/CNI, mostra que 27% dos brasileiros consideram o governo ruim ou péssimo. Esse número cresceu especialmente entre nordestinos e nas periferias das grandes cidade.

Esther pesquisa como, a partir de 2013, a política brasileira se converteu em terreno para a ascensão de um político como Bolsonaro. Nas entrevistas em profundidade que faz com esses simpatizantes, ela notou que a relação com o ‘mito’ mudou desde a posse.

“Os bolsonaristas mais moderados estão descontentes com a reforma da Previdência, é natural de uma população mais pobre”, explica. Mas esse desconforto não significa que eles tenham abandonado o presidente. “Essas mudanças são encaradas sob uma lógica cristã, como um sacrifício incontornável.”

Outro ponto crítico é a governabilidade. Cada vez mais eleitores têm notado que o governo é confuso e despreparado. Sob esse cenário, aponta a pesquisadora, a disputa ideológica se torna ainda mais vital. “Bolsonaro se elegeu sob esse tom de enfrentamento, e o diálogo entre ele quem o elegeu ainda se mantém sob essa perspectiva.”

Um resumo da novela

Os ataques ao vice começaram depois que o perfil de Jair Bolsonaro — administrado pelo filho Carlos — publicou um vídeo de Olavo de Carvalho destilando críticas aos militares.

Entre uma puxada no gatilho e outra, Olavo dizia que a única contribuição dos militares ao país desde a República Velha eram cabelo pintado e voz empostada. Afirmou também “os milicos só fizeram cagada” e entregaram o país aos “comunistas”.

Nos porões virtuais bolsonaristas, Mourão é tão comunista quando Marx, Engels e Lenin (Reprodução/WhatsApp)

O vídeo sumiu depois de algumas horas, mas logo reapareceu no perfil do filho 02. No dia seguinte, Carlos alardeou uma ‘nova fase’ longe do poder. Não aconteceu. Desde a despedida, ele atacou Mourão na internet mais de uma dezena de vezes, sob o aplauso de Olavo de Carvalho e outros aliados.

Mais recentemente, vem criticando a condução da equipe de comunicação do presidente, oficialmente comandada por Santos Cruz.

De sua parte, Jair deu novo vigor ao moralismo, que andava meio em baixa desde o vexame do golden shower. Vetou um comercial do Banco do Brasil por excesso de diversidade racial e sexual, prometendo acompanhar com lupa a publicidade estatal daqui pra frente. Também ajudou a espalhar na internet a “denúncia” de uma estudante contra uma professora que criticou Olavo de Carvalho (sempre ele).

Esse tipo de disputa caminha para ser o novo normal na política — a onda contra Rodrigo Maia parece ter refluído, e Mourão e Bolsonaro têm mantido o mesmo tom em declarações recentes à imprensa. Mas os riscos são enormes.

Se o clima não arrefecer, avalia Maluf, caberá aos líderes do Congresso manter as pontas do governo. “Essa tensão tem muito para crescer. Sem a maturidade dos parlamentares para conduzir temas de interesse, como as reformas, fico preocupado se o governo vai adiante.”

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