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A causa de Lula

O ex-presidente dá início à mais decisiva campanha presidencial da sua história

Imagem: Denis Ferreira/AFP
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Quando Eurídice Ferreira de Melo morreu de câncer em 1980, aos 65 anos, seu sétimo filho, entre oito, estava na cadeia. Encarcerado pela ditadura por liderar uma greve no ABC paulista, o filho decidiu que dali em diante sonharia com a mãe sempre que dormisse à noite. Nunca conseguiu. ­Lula só viria a sonhar com Dona Lindu 38 anos depois, ao retornar à prisão por ­ordem do então magistrado ­Sergio Moro, em razão de uma pena imposta no curso da Operação Lava Jato. Anulada pelo Supremo ­Tribunal Federal em março de 2021, a condenação acaba de ser considerada obra de um “juiz parcial” pelo Comitê de Direitos Humanos das ­Nações Unidas. O comitê deu 180 dias para o Brasil informar as providências que adotará ­para reparar os danos ao injustiçado.

Os danos foram dois, basicamente. O primeiro: Lula foi impedido de concorrer à Presidência da República na eleição de 2018. Uma semana após a detenção, em abril daquele ano, liderava com 31% as intenções de voto em pesquisa do Datafolha, com o dobro de Jair Bolsonaro. Mesmo aprisionado, quatro meses depois subiria para 39% em outro levantamento do mesmo instituto, 20 pontos à frente do capitão. Foi quando a Justiça Eleitoral sepultou sua chapa, com base na Lei da Ficha Limpa, apesar de o comitê da ONU ter emitido uma liminar favorável à candidatura. Aquela eleição será anulada? Não é o que o petista quer, até pelas circunstâncias. O mandato de Bolsonaro aproxima-se do fim, e o capitão busca um pretexto qualquer para não entregar a faixa.

“NÃO QUERO ESTAR NA PRAIA, NA RUA COM O NETINHO”, REPETE O PETISTA, PRONTO PARA MAIS UMA DISPUTA FERRENHA

O que não significa que Lula não deseje reavê-la. O ex-presidente diz e repete que está com “76 anos, energia de 30 e tesão de 20”. Em abril, participou em São Paulo de um debate com representantes da Fundação Friedrich Ebert, ligada ao Partido Social-Democrata da Alemanha, e comentou com Martin Schulz, ­ex-presidente do Parlamento Europeu e um dos líderes estrangeiros a visitá-lo no cárcere: uma pessoa envelhece quando deixa de ter uma causa. “Não me sinto velho, apesar de ter 76 anos. Não quero estar na praia, na rua com o netinho.”

A causa de Lula é, nas palavras do próprio, “salvar” o Brasil do que Bolsonaro representa. Era com esse espírito que subiria ao palco no sábado 7, em um centro de convenções em São Paulo, para apresentar-se como candidato. A seu lado, o ex-tucano e ex-governador paulista Geraldo Alckmin, agora no PSB, único vice definido entre os presidenciáveis, a simbolizar (é o que o ex-presidente espera) uma união nacional. União reforçada no nome do evento, “Vamos Juntos Pelo Brasil”. Lula faria um pronunciamento escrito previamente, a destacar as duras condições de vida dos brasileiros, marcadas por salário baixo, inflação e desemprego altos, um contraste com os tempos dele no poder. Destacaria a importância da “soberania” nacional, convencido, como disse a petroleiros em março, “que o povo precisa saber o que é soberania”. E, também, da democracia. “Nessa eleição, a palavra-chave é democracia”, afirmou a youtubers em 26 de abril.

As intenções de voto em Lula andam pela casa dos 40%, parecidas com aquelas que tinha ao ser barrado em 2018. “O PT estava nas cordas em 2018, éramos hostilizados nas ruas. Agora dá para sair com mais confiança e cabeça erguida”, diz Ricardo Berzoini, ex-presidente do partido e um dos coordenadores da campanha de Fernando Haddad na eleição passada. “Um erro que cometemos em 2018 e que não pode se repetir é subestimar o Bolsonaro.”

A entrevista abriu mais uma polêmica – Imagem: Luisa Dörr/TIME

Do lançamento da chapa em diante, petistas pregam uma caça ao eleitor moderado. O que se vê por ora é uma rara reunião de forças progressistas em torno de um presidenciável. Dos sete partidos neste momento aliados a Lula, seis estão mais à esquerda: PT, PCdoB, PSB, PSOL, PV e Rede. A exceção é o Solidariedade, de Paulinho da Força Sindical. “A gente tá juntando todas as pessoas de esquerda deste País, todas as pessoas de bem deste País, todas as pessoas que acreditam que é possível construir um outro país”, afirmou Lula no ato em que o PSOL, de Guilherme Boulos, anunciou-lhe apoio, em 30 de abril. O PSOL nasceu das costelas do PT no primeiro mandato de Lula, por achar que o então presidente estava meio neoliberal, e nas eleições de 2006 a 2018 teve chapa própria. Pela primeira vez, não terá.

O consórcio partidário em torno de Lula é resultado de um esforço de dois anos da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, para manter proximidade com as siglas progressistas. A deputada do Paraná é uma das cabeças da campanha petista, embora alguns correligionários se queixem de, digamos, excesso de disciplina da companheira diante de Lula. Gleisi não costuma contrariá-lo. Há quem aposte que será ministra, se Lula vencer. É um exemplo das voltas da vida. Chefiou a Casa Civil no primeiro mandato de Dilma Rousseff e era muito criticada por lulistas à época. Um companheiro antigo de Lula acredita que Gleisi, de 56 anos, ganhou musculatura política após ter assumido o comando do PT, em 2017, e a convivência no Senado, no abortado segundo mandato de Dilma e no governo Michel Temer, com Roberto Requião, do Paraná, e com Lindbergh Farias, do Rio de Janeiro.

Só a deputada mudou? “O Lula de agora não é o de 2003 e de 2010”, diz um petista que volta e meia conversa com o ex-presidente. Se mudou, a explicação não é difícil. Lula passou 580 dias preso por motivos que considerava injustos, e decisões do STF e das Nações Unidas deram-lhe razão. O tempo no cárcere é o segundo dano causado ao ex-presidente que o Brasil tem seis meses para informar como vai reparar. A decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU quanto ao “juiz parcial” surgiu de um processo movido pelos advogados de Lula em 2016. Uma forma de compensar o petista seria financeira, mas não é esse o seu desejo. “Indenização não é prioridade, e sim o reconhecimento de que ele teve direitos violados”, disse publicamente o advogado Cristiano Zanin, que, ao lado do ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, será defensor do ex-presidente na eleição.

BERZOINI: “UM ERRO QUE COMETEMOS EM 2018 E QUE NÃO PODE SE REPETIR É SUBESTIMAR O BOLSONARO”

Na cadeia, Lula devorou livros, eis uma explicação para ser outro, mais consciente, seguro das intuições e dos sentimentos diante da vida. Leu as biografias de Tiradentes, Nelson Mandela, Fidel Castro, Hugo Chávez, Luís Carlos Prestes, Carlos Marighella. Leu livros sobre fome, petróleo, um clássico nacional (Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa) e outro latino-americano (O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez). Sentiu-se marcado particularmente por duas obras sobre escravidão (Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves, e Escravidão, de Laurentino Gomes).

“A elite brasileira é escravista. Eles podem ser avançados em um debate em Nova York, visitando Paris, mas aqui no Brasil a mentalidade deles é escravista e nós temos de ter coragem de dizer isso. Eu até que não conhecia muito, mas, quando fiquei preso, eu li muito sobre escravidão, e é muito pior do que aquilo que eu achava que já era ruim”, comentou Lula no debate da Fundação Friederich Ebert. “E o que é mais grave é que ainda hoje é assim. Você não tem um negro no pelourinho sofrendo, mas você tem ele dormindo na sarjeta da rua, sendo chamado de vagabundo, dizendo que ele não quis estudar, que não se preparou, que ele é drogado.”

O Solidariedade, de Paulinho da Força, e o PSOL, de Boulos e companhia, acertaram o apoio à chapa Lula-Alckmin. Palmeira engrossa a lista de marqueteiros baianos – Imagem: Ricardo Stuckert, Redes sociais e Suamy Beydoun/Agif/AFP

No debate, o ex-presidente defendeu encarar o aborto como questão de saúde pública. “Temos de assumir essa discussão, tentando fazer a sociedade evoluir, e não compartilhando do retrocesso. Este é um desafio para nós durante um processo de campanha, mas não é só na campanha, é durante a nossa trajetória de vida. A sociedade evoluiu muito, os costumes evoluíram e nós temos de ter coragem de fazer esse debate.” Trata-se de um tema delicado, dado o reacionarismo brasileiro. Sobretudo, porque Bolsonaro tem forte apoio evangélico. Lula, aliás, tem citado “Deus” e “cristianismo” com frequência em público e colocado em dúvida a religiosidade do capitão, a quem tacha de “fariseu”. “Eu sou cristão, eu acredito em Deus. O Deus em que eu acredito não pode ser o mesmo que essa gente mentirosa acredita”, disse recentemente.

Um dia após o comentário sobre aborto no evento, o ex-presidente falou a uma rádio cearense ser pessoalmente contra. Muitos petistas haviam ficado assustados com a declaração original, por medo de Lula perder votos. Houve quem chamasse de “gafe”. Terá sido mesmo? O raciocínio exposto por Lula aos alemães tinha começo, meio e fim, e não nasceu de uma pergunta, mas da própria cabeça. “Acho que não foi gafe, ele falou porque quis”, diz aquele interlocutor que vê um Lula mudado. Um colega de partido acha necessário o ex-presidente ter cuidado com as palavras, pois agora elas têm alcance imediato e mundial, graças às redes sociais, ao contrário de 2002. Essa avaliação foi feita à reportagem na terça-feira 3, véspera de o ex-presidente despontar na capa da revista semanal norte-americana Time. À publicação, Lula disse, entre outras coisas, que a culpa da guerra da Ucrânia também é do presidente daquele país, Volodymyr Zelensky, não só de Vladimir Putin, da Rússia. Outra declaração tida como imprópria por petistas.

EXISTEM CHANCES REAIS DE LULA VENCER NO PRIMEIRO TURNO, ALGO INÉDITO EM RELAÇÃO ÀS QUATRO CAMPANHAS ANTERIORES

O curioso é que a aflição dos petistas não se reflete nos números. Nos últimos dias, Lula e aliados debruçaram-se sobre uma análise de dezenas de pesquisas feitas de um ano para cá. O relatório havia sido encomendado ao sociólogo Marcos Coimbra, do instituto Vox Populi e colunista desta Carta. O retrato é animador para o ex-presidente. Indica uma incrível estabilidade. Bolsonaro até cresceu uns pontos nos últimos dois meses, mas não à custa da intenção de voto no ex-presidente, mas em cima dos órfãos da “terceira via”, mais especificamente de Moro. Existem chances reais de Lula vencer no primeiro turno, algo inédito nos quatro triunfos anteriores do PT. E, caso haja um duelo final contra Bolsonaro, o petista largaria com uma vantagem de, no mínimo, 10 pontos porcentuais.

O relatório distingue pesquisas realizadas com entrevistador e entrevistado frente a frente e aquelas por telefone. Em uma disputa com acentuado recorte de classe social, faz diferença. Aquelas do primeiro tipo são uma amostra melhor em um país tão desigual. Muito miserável, eleitor mais propenso a votar em Lula, não possui telefone. Na média dos levantamentos tête-à-tête, Lula tinha em abril 44% e Bolsonaro, 30%. Em maio de 2021, dava 44% a 23%. Em votos válidos, o petista empata em 50% a 50% com a soma dos adversários. Um ano atrás, batia-os por 52% a 48%. Na média de levantamentos por telefone, o ex-presidente exibia em abril 43% e o atual, 32%. Há um ano, dava 34% a 31%. Em votos válidos, Lula passou de 38% para 47% e Bolsonaro, de 35% para 36%. No caso de um segundo turno, o petista ganha, nas pesquisas presenciais, por 53% a 31% (63% a 37% nos votos válidos) e, nas feitas por telefone, por 51% a 36% (58% a 42%, nos votos válidos).

Na disputa entre lulistas e bolsonaristas, a terceira via permanece interditada – Imagem: Bruno Rocha/Enquadar/Estadão Conteúdo e Rodrigo Paiva/Getty Images/AFP

Na segunda-feira 2, Lula e os petistas conheceram uma pesquisa Vox Populi ainda mais animadora. Por não ter sido registrada na Justiça Eleitoral, seus números não podem ser divulgados. Segundo CartaCapital apurou, Lula vence no primeiro turno fora da margem de erro. Só perde de Bolsonaro no Centro-Oeste e em Santa Catarina. “O clima é muito ruim no País a cinco meses da eleição. O custo de vida é alto, o desemprego é alto. E o caso Daniel Silveira assusta os setores médios da população, mostrou que a operação de amansamento do Bolsonaro tem prazo de validade”, diz o deputado paulista Paulo Teixeira, que, em companhia de Gleisi Hoffmann, encabeça a negociação com os partidos.

Apesar da aparente situação favorável a Lula, há inquietação em petistas. Um deles diz que Lula tem “retardado” a montagem de um QG de campanha. O atraso contribuiria, por exemplo, para a indefinição sobre o papel de Alckmin. O ex-tucano tem sido discreto, não dá entrevistas. Uma de suas raras aparições foi em um debate da ONG Todos pela Educação, em 26 de abril. Duas semanas antes, tinha comparecido ao lado do ex-presidente a um encontro com sindicalistas e dito que “a luta sindical deu ao Brasil o maior líder popular deste País, Lula”, comentário repetido na terça-feira 3, no anúncio de apoio do partido Solidariedade ao petista. Com esse tipo de declaração, deve ter espantado antigos eleitores tucanos, teoriza um colega de PSB. Assombro certamente reforçado após participar, em 28 de abril, de um congresso do PSB e lá ter ouvido e aplaudido o hino da “Internacional Socialista”. No voo que o levou de São Paulo a Brasília para o evento, Alckmin estava quase a cochilar, quando uma menina, Valentina, sentada do outro lado do corredor, deu-lhe uma carta que dizia: “Você e o Lula são nossa esperança para o Brasil. Boa sorte, que Deus esteja com vocês”.

O que se espera do ex-tucano, diz o colega pessebista, é que simbolize a união de diferentes, não que pareça ter pulado o muro e se entregado a rivais. A função dele deveria ser complementar àquela do PT. Isso significa buscar votos e apoios em conversas com ruralistas, na Fiesp, na Avenida Faria Lima, na Igreja. O colega dá, no entanto, um desconto para Alckmin: o ex-governador entrou em um terreno político novo para ele e ainda precisa entendê-lo.

Fonte: Vox Populi

Segundo colaboradores, Alckmin logo será mais ativo, terá atividades próprias. Quer contribuir com o programa de governo em áreas como emprego, reforma política, desburocratização e simplificação do sistema tributário. É possível que tenha um papel efetivo em um governo Lula, como o finado José Alencar, que foi ministro da Defesa. “Vou montar uma mesa de negociação com a presença de representantes dos trabalhadores e dos empresários. Não vamos deixar ninguém de fora. Uma mesa como essa pode ser coordenada pelo vice-presidente, não precisa ser pelo presidente”, afirmou o ex-presidente aos sindicalistas em 14 de abril.

A falta de um programa de governo é outro motivo de queixas petistas. O ex-presidente, diz um desses, “tem orgulho do legado”, é apegado a isso, não parece disposto a discutir propostas para o futuro. A matéria-prima para o plano de governo tem sido elaborada em um grupo de cerca de cem economistas coordenado pelo ex-ministro Aloizio Mercadante, presidente da Fundação Perseu Abramo, o órgão de estudos do PT. É outro com boas chances de ser ministro, embora, a exemplo de Gleisi, ter sido chefe da Casa Civil de Dilma e alvo de muitas críticas de lulistas.

A política econômica é um ponto central em um plano e, nesse tema, Lula tem despistado. Não há quem fale por ele. Interlocutores diferentes já cumpriram a função de representá-lo. O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega escreveu um artigo encomendado em janeiro a presidenciáveis pela Folha. Em abril, o deputado Alexandre Padilha, ex-ministro da Coordenação Política de Lula, foi a Washington conversar com investidores internacionais, enquanto o senador Jaques Wagner esteve em Harvard. O “banqueiro” Gabriel Galípolo, rosto novo no entorno de Lula, acompanhou Gleisi em reuniões com empresários.

ALCKMIN PRECISA SIMBOLIZAR A UNIÃO DOS DIFERENTES, AVALIA UM LÍDER DO PSB

Lula decidiu esperar pelo resultado das urnas para, caso vença, definir a pressão no acelerador. Qual será o tamanho das forças políticas no País? Quantos aliados terá no Congresso e nos estados? O petista está decidido a pedir votos para deputados como nunca, em comícios e na propaganda eleitoral na tevê, que irá de 26 de agosto a 29 de setembro. Tem dito ser preciso acabar com “a excrescência do orçamento secreto” e critica publicamente o presidente da Câmara, o bolsonarizado Arthur Lira, do PP, o mentor da “excrescência”, a quem acusa de querer tomar o poder do presidente da República por meio da proposta de semipresidencialismo, eufemismo para parlamentarismo. Detalhe: Lira é inimigo em Alagoas do senador Renan Calheiros, líder da bancada lulista do MDB, região Nordeste à frente.

“O Lula é o mesmo de sempre, com obsessão pelo combate à fome e à pobreza. O que mudam são as circunstâncias, o Lula está mais amadurecido”, diz o economista Guilherme Mello, que auxilia Mercadante a coordenar o grupo de economistas. “Me perguntam muito se a política econômica seria a do primeiro mandato do Lula ou a do segundo. Não dá para ser igual a 2003, nem a 2007, porque o Brasil mudou e o mundo também.”

Fux recebe o comandante do Exército: golpismo no ar – Imagem: Nelson Jr./STF

É possível, no entanto, identificar algumas propostas. É o caso da volta da política de ganhos reais do salário mínimo. Em manifestações recentes, o ex-presidente tem lembrado os tempos em que os brasileiros comiam e consumiam mais, no seu governo. A inclusão pelo consumo com Lula é criticada por setores mais à esquerda como despolitizante. Um estudo de abril da antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, feita por anos numa comunidade pobre de Porto Alegre, sustenta, porém, que a desigualdade social é tão gritante no Brasil que aquele consumismo tinha traços politizantes, ao fazer com que os pobres se sentissem “gente”.

Lula também quer criar um Ministério dos Indígenas e um comitê de artistas em paralelo a um Ministério da Cultura redivivo. Ideias capazes de atrair eleitores de classe média. Com esse mesmo objetivo, no entorno do ex-presidente há quem se esforce para reaproximá-lo de Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente. “A Marina só quer um telefonema dele”, diz um ex-marinista, que entende haver mágoas de parte a parte. O petista, que não é de pedir “desculpas”, como anota um correligionário, esperava que a ex-ministra tivesse ido ao ato de apoio do partido dela, a Rede, a Lula, no fim de abril. Ela não foi.

“NÃO DÁ PARA SER IGUAL A 2003 OU 2007, POIS O BRASIL MUDOU E O MUNDO TAMBÉM”, DIZ GUILHERME MELLO, QUE AUXILIA NO PROGRAMA DE GOVERNO

Se eleito, o ex-presidente pretende reunir, em janeiro, os 27 governadores para definir obras prioritárias. Quer que o BNDES financie micros e pequenas empresas, o empreendedorismo em geral. Está admirado com uma experiência de Araraquara, no interior paulista, em que a prefeitura estimulou, por meio de uma incubadora, uma cooperativa de motoristas a tirar do papel um “Uber”, em que 90% dos ganhos são repartidos entre os cooperados, sem mordida de um dono. O prefeito da cidade é Edinho Silva, ex-secretário de Comunicação de Dilma e nome cotado para comandar a comunicação da campanha lulista, caso haja um. A área está acéfala desde a saída, em abril, do jornalista Franklin Martins. Ministro da Comunicação Social de Lula de 2007 a 2010, responsável pela comunicação nas eleições de 2014 e 2018, Martins foi derrubado por petistas, desfecho de uma disputa de poder. O jornalista tinha relação direta com Lula, sem passar pelo partido. Além disso, na legenda, há quem o considere antipetista e assertivo demais quando debate.

O pivô da derrubada foi a contratação da agência de publicidade que tocará a campanha. Aquela escolhida por Martins queria pagamentos adiantados, para se financiar. A nova tem mais estrutura. Pertence ao publicitário Sidônio Palmeira, colaborador antigo do governo petista da Bahia. Em 2002 e 2006, Lula também tinha marqueteiros baianos, Duda Mendonça e João Santana. Com a chegada de Palmeira, o PT espera mais “emoção” na publicidade. “A campanha precisa ter mobilização, emoção e engajamento, para garantir a vitória, a posse e o governo do Lula. O Bolsonaro não quer aceitar a derrota”, diz o deputado federal por São Paulo Rui Falcão, ex-presidente do partido.

À frente da Fundação Perseu Abramo, Mercadante toca o programa de governo – Imagem: Ricardo Stuckert

Está cada vez mais claro que Bolsonaro não aceitará, a julgar por acontecimentos recentes. O capitão parece decidido a seguir a cartilha de Donald Trump. Com uma diferença: nos Estados Unidos, os quartéis se negaram a entrar em campo pelo presidente, aqui as cúpulas hierárquicas militares estão doidas para tanto. “O papel dos militares não é ficar puxando saco do Bolsonaro. Os militares são uma instituição do povo brasileiro para defender o povo brasileiro de inimigos externos. Não tem que ficar puxando saco do presidente, seja Lula, seja Bolsonaro”, disse o petista em março em um debate com convidados estrangeiros na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Há tempos, comenta-se que o ex-presidente tem uma ponte com os fardados em Nelson Jobim, seu ex-ministro da Defesa. Um petista jura, porém, ter ouvido nos últimos dias Lula criticar Jobim, por achar que o ex-ministro tenta apaziguar com a caserna. “O cenário será muito difícil em caso de vitória, mas confio na capacidade de conciliação do Lula”, diz o senador Humberto Costa, do PT de Pernambuco. “Ele tem legitimidade internacional construída quando era presidente e conhece como funciona a máquina administrativa, saberá o que fazer desde o primeiro dia.”

Que comece a campanha. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1207 DE CARTACAPITAL, EM 11 DE MAIO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A causa de Lula”

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