Economia

De cashback a cesta básica, o que diz o 1º projeto de Haddad para regulamentar a reforma tributária

O Congresso promulgou a PEC em dezembro, mas diversos pontos têm de ser regulamentados por leis complementares

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, recebeu do ministro Fernando Haddad a regulamentação da reforma tributária em 24 de abril de 2024. Foto Lula Marques/Agência Brasil
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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), entregou pessoalmente nesta quarta-feira 24 aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o primeiro projeto para regulamentar a reforma tributária. O texto tem 306 páginas e cerca de 500 artigos.

O Congresso Nacional promulgou a PEC da reforma em dezembro de 2023, mas há uma série de pontos a serem regulamentados por leis complementares. Além de definirem as alíquotas, deputados e senadores terão de balizar os regimes especiais e os tratamentos diferenciados a setores e produtos.

O principal efeito da proposta é a unificação, a partir de 2033, de cinco tributos — ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins — em uma cobrança única, dividida entre os níveis federal (com a Contribuição sobre Bens e Serviços, CBS) e estadual/municipal (com o Imposto sobre Bens e Serviços, IBS).

A projeção divulgada pela Fazenda no ano passado é que a alíquota final da CBS e do IBS ficaria em torno de 27,5%. Os dois serão tributos do tipo Imposto sobre Valor Agregado. Nesta quarta, porém, o secretário extaordinário do ministério para a reforma tributária, Bernard Appy, estimou que a alíquota média será de 26,5%.

A CBS será completamente instituída a partir de 2027. Antes, em 2026, haverá um período de teste em que as alíquotas da CBS e do IBS, somadas, serão de 1%. O IBS só será definitivamente adotado em 2033, após um período de seis anos em que conviverá com ICMS e ISS.

“Não tenho dúvida de que haverá uma combinação virtuosa entre dois elementos dessa reforma: a adoção do IVA dual, que substitui vários impostos, e o sistema tributário totalmente digital, com o objetivo de que, com a ampliação da base de contribuintes, possamos ter uma alíquota mais razoável”, disse Haddad, nesta quarta, ao entregar o projeto ao Congresso.

Segundo o ministro, a nova alíquota tende a ser mais baixa que a cobrada atualmente, mesmo com as exceções e os regimes específicos aprovados por deputados e senadores na PEC da reforma tributária.

Cesta básica e cashback

Um dos exemplos de exceção envolve a Cesta Básica Nacional de Alimentos, cujos produtos serão definidos em lei complementar, que será livre de impostos.

Segundo a PEC promulgada em dezembro, a Cesta Básica Nacional de Alimentos deve considerar a diversidade regional e cultural e garantir alimentação saudável e nutricionalmente adequada.

Diz o novo projeto da Fazenda: “um dos princípios norteadores para a seleção dos alimentos a serem beneficiados por alíquotas favorecidas foi a priorização dos alimentos in natura ou minimamente processados e dos ingredientes culinários, seguindo-se as recomendações de alimentação saudável e nutricionalmente adequada do Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde”.

A cesta básica com alíquota zero contemplaria:

  • Arroz;
  • Leite fluido pasteurizado ou industrializado, na forma de ultrapasteurizado, leite em pó, integral, semidesnatado ou desnatado; e fórmulas infantis definidas por previsão legal específica;
  • Manteiga
  • Margarina
  • Feijões
  • Raízes e tubérculos
  • Cocos
  • Café
  • Óleo de soja
  • Farinha de mandioca
  • Farinha, grumos e sêmolas, de milho, e grãos esmagados ou em flocos, de milho
  • Farinha de trigo
  • Açúcar
  • Massas alimentícias
  • Pão do tipo comum (contendo apenas farinha de cereais, fermento biológico, água e sal).

Os seguintes produtos, por sua vez, teriam uma redução de 60% nos tributos:

  • Carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e produtos de origem animal (exceto foies gras) e miudezas comestíveis de ovinos e caprinos
  • Peixes e carnes de peixes (exceto salmonídeos, atuns; bacalhaus, hadoque, saithe e ovas e outros subprodutos)
  • Crustáceos (exceto lagostas e lagostim)
  • Leite fermentado, bebidas e compostos lácteos;
  • Queijos tipo mozarela, minas, prato, queijo de coalho, ricota, requeijão, queijo provolone, queijo parmesão, queijo fresco não maturado e queijo do reino;
  • Mel natural
  • Mate
  • Farinha, grumos e sêmolas, de cerais; grãos esmagados ou em flocos, de cereais
  • Tapioca e seus sucedâneos
  • Massas alimentícias
  • Sal de mesa iodado
  • Sucos naturais de fruta ou de produtos hortícolas sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes e sem conservantes
  • Polpas de frutas sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes e sem conservantes.

A reforma tributária também prevê a criação de um mecanismo chamado de cashback, por meio do qual o Estado devolverá parte do imposto pago por famílias de baixa renda.

Conforme o projeto encaminhado nesta quarta, haverá uma devolução de no mínimo:

  • 100% para o valor pago no CBS (IVA federal)  20% no IBS (IVA estadual e municipal), no caso do gás de cozinha
  • 50% para a CBS e 20% para o IBS no caso de energia elétrica, água e esgoto
  • 20% para a CBS e para o IBS, nos demais casos.

“A autonomia federativa é preservada ao se prever que os entes poderão, por lei específica, fixar percentuais superiores de devolução da sua parcela da CBS ou do IBS (não podendo exceder 100%)”, diz o novo texto.

A devolução dos tributos se destina às famílias com renda per capita de até meio salário-mínimo e tomará como base praticamente todo o consumo de bens e serviços realizado por essas famílias.

‘Imposto do pecado’

O texto também detalha o chamado Imposto Seletivo, a ser aplicado a partir de 2027 sobre a produção, a extração, a comercialização ou a importação de produtos e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Confira sobre quais itens incidirá o “imposto do pecado” e leia a justificativa do Ministério da Fazenda:

  • Veículos, embarcações e aeronaves: “justifica-se por serem emissores de poluentes que causam danos ao meio ambiente e ao homem. Em relação aos veículos, a proposta é que as alíquotas do Imposto Seletivo incidam sobre veículos automotores classificados como automóveis e veículos comerciais leves e variem a partir de uma alíquota base, de acordo com os atributos de cada veículo”.
  • Tributação sobre a comercialização dos produtos fumígenos: “a tributação incidente sobre esses produtos é um instrumento estatal notoriamente efetivo para desestimular o tabagismo, conforme indicam inúmeros estudos relacionados ao tema”.
  • Tributação sobre bebidas alcoólicas: “o consumo de bebidas alcoólicas representa grave problema de saúde pública no Brasil e no mundo. Estudos da Organização Mundial da Saúde indicam que este consumo está associado a ampla gama de Doenças Crônicas Não Transmissíveis – DCNT, como doenças cardiovasculares, neoplasias e doenças hepáticas. Além disso, o uso excessivo de álcool está relacionado a problemas de saúde mental, bem como a ocorrência de violência e acidentes de trânsito”.
  • Tributação sobre bebidas açucaradas: “há consistentes evidências de que o consumo de bebidas açucaradas prejudica a saúde e aumenta as chances de obesidade e diabetes em diversos estudos realizados pela Organização Mundial da Saúde – OMS. E a tributação foi considerada pela OMS como um dos principais instrumentos para conter a demanda deste tipo de produto. Neste sentido, segundo a OMS, oitenta e três países membros da organização já tributam bebidas açucaradas, principalmente refrigerantes”.
  • Tributação sobre bens minerais extraídos: “o projeto propõe a incidência do IS sobre a extração de minério de ferro, de petróleo e de gás natural. A proposta prevê a incidência do IS na primeira comercialização pela empresa extrativista, ainda que o minério tenha como finalidade a exportação. Há também hipótese de incidência na transferência não onerosa de bem mineral extraído ou produzido”.

A Fazenda pondera, no entanto, que o projeto apresentado nesta quarta apenas especifica sobre quais produtos incidirá o Imposto Seletivo e a forma como ocorrerá a tributação sobre cada categoria. As alíquotas a serem aplicadas, porém, serão definidas posteriormente, por meio de lei ordinária.

Leia a íntegra do projeto:

Lei Geral do IBS, da CBS e do Imposto_com EM_Versão Final 24.04.2024

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