Justiça

Por 9 a 2, STF rejeita o Marco Temporal, mas ainda terá de discutir indenização

Após a maioria rechaçar a tese ruralista, a Corte deve voltar a se debruçar sobre o tema na semana que vem

Foto: Carlos Moura/SCO/STF
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O Supremo Tribunal Federal rejeitou nesta quinta-feira 21, por 9 votos a 2, o Marco Temporal para a demarcação de territórios no Brasil.

Segundo a proposta, defendida por ruralistas, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A decisão da Corte terá repercussão geral, ou seja, deverá ser seguida por todas as instâncias do Judiciário em processos semelhantes.

Votaram contra a tese:

  • Edson Fachin (relator);
  • Alexandre de Moraes;
  • Cristiano Zanin;
  • Luís Roberto Barroso;
  • Dias Toffoli;
  • Luiz Fux;
  • Cármen Lúcia;
  • Gilmar Mendes; e
  • Rosa Weber.

Manifestaram-se a favor da aplicação do Marco Temporal:

  • Kassio Nunes Marques; e
  • André Mendonça.

Nesta quinta, o último voto foi proferido pela presidente do Supremo, Rosa Weber, que acompanhou integralmente o relator.

A Corte, apesar de formar uma maioria contra a tese, ainda deve buscar um consenso sobre as indenizações a serem pagas. O assunto deve voltar à pauta na semana que vem.

Segundo Dias Toffoli, por exemplo, nos casos em que a demarcação envolva a retirada de não indígenas que ocupem a área de boa-fé, deve-se buscar o reassentamento. Caso isso não seja possível, a indenização deverá abranger, além das benfeitorias, o valor da terra nua, calculado em processo paralelo ao demarcatório e sem direito à retenção das terras.

Gilmar Mendes acompanhou o voto de Toffoli, mas fez uma sustentação crítica aos termos da discussão.

“Daqui a pouco vamos ter que buscar aquela antropóloga portuguesa que prestava serviços no sul da Bahia e dizer: ‘isso tudo é área indígena e, portanto, é tudo uma República indígena e uma província indígena’. É disso que se cuida”, reclamou Gilmar nesta quinta.

Ele disse não ter “dificuldade” para aceitar a rejeição do Marco Temporal. “Mas continuo a entender que, juridicamente, o que está no texto constitucional não dá liberdade para chegarem ao seu apartamento lá em Curitiba, ministro Fachin, se uma antropológa decidir que é assim.”

Na quarta-feira 20, apenas Toffoli se manifestou, por meio de um longo voto contra o Marco Temporal.

“A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um Marco Temporal, em 5 de outubro de 1988, ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição”, afirmou.

O ministro considera que a Constituição, ao assegurar aos indígenas o direito às terras tradicionais, partiu da concepção dos próprios povos sobre seu território, para permitir que a ocupação se estabeleça conforme seus usos, seus costumes e suas tradições.

Toffoli defendeu a possibilidade de redimensionamento de terra indígena, mas apenas se for comprovado que o processo demarcatório não seguiu as normas constitucionais e legais. Segundo o ministro, esta hipótese é excepcional.

Os outros votos

Antes de Toffoli, o último a se manifestar havia sido o ministro Luís Roberto Barroso, em 31 de agosto, proferindo o quarto voto contra o Marco Temporal.

“Eu extraio da decisão de Raposa Serra do Sol a visão de que não existe um Marco Temporal fixo e inexorável e que a ocupação tradicional também pode ser demonstrada pela persistência na reivindicação de permanência na área, por mecanismos diversos”, disse o magistrado.

Nas primeiras fases do julgamento, Edson FachinAlexandre de Moraes votaram pela rejeição da tese, enquanto Kassio Nunes Marques e André Mendonça defenderam reconhecê-la.

O primeiro voto, o de Fachin, foi proferido ainda em 2021. Segundo o relator, a tese desconsidera a classificação dos direitos indígenas como fundamentais, ou seja, cláusulas pétreas que não podem ser retiradas por emendas à Constituição.

“A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988, porquanto não há fundamento no estabelecimento de qualquer marco temporal“, argumentou.

O segundo voto veio ainda em 2021. Ao abrir divergência, Kassio Nunes – indicado ao STF pelo ex-presidente Jair Bolsonaro – argumentou que a tese do Marco Temporal “pondera valores constitucionais relevantes”.

“De um lado, a proteção, o incentivo à cultura indígena; de outro, a segurança jurídica do desenvolvimento regional, o direito à propriedade privada e o direito ao sustento de outros integrantes da sociedade brasileira”, afirmou.

Em junho deste ano, Moraes proferiu o segundo voto contra a tese. Na avaliação do ministro, “a ideia do Marco Temporal não pode ser uma radiografia”. Ele disse que “afastaria” a possibilidade de aplicar a tese.

Moraes, porém, entende haver cenários em que a União tem de recompensar os donos de áreas desapropriadas. Por exemplo: nos casos em que se reconhecer que uma terra é tradicionalmente indígena sem que tenha havido litígio, o não-indígena que a ocupa merecerá uma indenização completa, pelas benfeitorias e pela terra nua.

Já o segundo o voto a favor do Marco Temporal veio de Mendonça, em 30 de agosto. Ele relatou um longo histórico de conflitos indígenas desde a colonização portuguesa e alegou que a adoção da tese traria segurança jurídica para indígenas e ruralistas.

“Não se trata de negar as atrocidades cometidas, mas antes de compreender que o olhar do passado deve ter como perspectiva a possibilidade de uma reconstrução do presente e do futuro”, justificou. “Entendo eu que essa solução é encontrada a partir da leitura que faço do que foi o texto e a intenção do constituinte originário, de trazer uma força estabilizadora a partir da sua promulgação.”

Cristiano Zanin desempatou o julgamento àquela altura, proferindo o terceiro vota contra o Marco Temporal.

“Verifica-se a impossibilidade de se impor qualquer tipo de Marco Temporal em desfavor dos povos indígenas, que possuem a proteção da posse exclusiva desde o Império e, em sede constitucional, a partir de 1934”, sustentou.

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