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Por que apostar todas as fichas no STF contra o bolsonarismo é um erro

Os movimentos de Moraes, Barroso e do STF têm a política no comando. E isso não é um problema. O problema é acreditar que não existe política no judiciário

O ministro Alexandre de Moraes, do STF. Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
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Em dezembro, o governo federal lançou oficialmente um programa que destinará um bilhão de reais para políticas voltadas à população em situação de rua, regulamentando oficialmente a Lei Julio Lancelotti. Onde seria óbvia a aclamação do padre, contudo, outra pessoa acabou roubando os holofotes: o ministro Alexandre de Moraes.

Assim que mencionado pelo cerimonial, Moraes foi recebido com status de popstar, com gritos de “Xandão” e “Sem Anistia”. Foi convidado a comparecer por ser o relator de uma ação no STF sobre o tema. Em julho, o ministro ordenou o governo federal a criar um plano de ação e monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua, instituída em 2009. Além disso, proibiu o recolhimento forçado de bens e pertences, prática corriqueira das forças de segurança contra esses cidadãos.

Em seu discurso, Moraes falou de habitação, emprego e renda para a população de rua. Foi copiosamente aplaudido. Disse que o STF tem como mais importante missão “garantir dignidade da pessoa humana para todas as pessoas”. Também fez questão de realçar que estava entre amigos.

Moraes, um neófito no progressismo, tem o DNA da Ponte para o Futuro de Michel Temer

Na mesma semana, o ministro foi indagado em entrevista sobre sua posição ideológica: teria o bolsonarismo o arrastado para a esquerda? Respondeu que sempre esteve no mesmo lugar. A prova disso seria a relação que tem com o padre Júlio Lancelotti desde 2004, quando assumiu a presidência da extinta Febem sob o governo Alckmin.

Moraes, como se sabe, tornou-se o alvo preferido do bolsonarismo junto com o STF, o que levou os demais ministros a uma admirável coesão para enfrentá-lo, referendando no colegiado todas as suas decisões. Recentemente, ele divulgou o resultado de investigações que apontaram que um dos planos da horda bolsonarista era prendê-lo e enforcá-lo quando consumado o golpe no 8 de Janeiro.

No final do ano, Luís Roberto Barroso, seu colega de Corte, deu sinais de que tal coesão continua forte. Segundo ele, os atos golpistas “aproximaram as pessoas no STF, que conta hoje com um ambiente mais harmonioso e preocupado em termos de sinergia”. Disse também que, se o STF tivesse sido tolerante, na próxima eleição o lado que perdeu poderia se achar no direito de atentar contra a democracia. Barroso, portanto, “não tem lado”, ou, mais vulgarmente, está “do lado da democracia”.

Os movimentos de Moraes, Barroso e do STF têm a política no comando. E isso não é um problema. Nunca foi. O problema estaria em acreditar que não existe – e nem deve existir – política no judiciário. Foi a política que empurrou o STF para o protagonismo na contenção do bolsonarismo. É a política que indica e nomeia ministros. Moraes, um neófito no progressismo, tem o DNA da Ponte para o Futuro de Michel Temer, inspiração maior de Paulo Guedes, avalista das políticas anti-pobre que têm Lancelotti, hoje fustigado por vereadores de São Paulo, como um de seus principais adversários. Barroso, por sua vez, foi um dos que pavimentaram a estrada para o golpe de 2016, contribuindo para a abertura de um bueiro que ainda não foi fechado.

É inegável que o STF é um aliado circunstancial contra o bolsonarismo. O risco está em deixar de vê-lo como tal, levando-o a protagonizar um embate na arena do Judiciário – que não é a mais adequada para uma vitória sustentável contra um neofascismo sempre à espreita. A disposição do STF em condenar as piabas do 8 de Janeiro contrasta com o corpo mole em responsabilizar seus peixes graúdos: a cúpula das Forças Armadas, envolvida até o talo nas maquinações e na execução do golpismo.

O motivo parece ser óbvio: o bolsonarismo continua sendo uma força política relevante. Fustigar generais pode fechar janelas na hipótese de seu fortalecimento e retorno  a postos chaves do poder político. Importa agora fechar apenas as portas, deixando as janelas abertas.

Um dos assuntos de 2023 foi a adoção do sistema “semipresidencialista”, movimento que ganha força no Congresso Nacional e, no fim, serve para dar sustância ao centrão – um guarda-chuva do bolsonarismo – e tirar poder do Executivo, enfraquecendo a esquerda. Barroso e Gilmar Mendes, bastião do antilavajatismo, apoiam a ideia, uma mão na roda para a oposição de direita e para o golpismo que o STF se esforça tanto em combater.

Serve também de alerta para os que jogam as fichas na Suprema Corte.

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