Observatório do Banco Central
Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro
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Uma oportunidade regional alternativa à dominância financeira
O Estado de Desenvolvimento Local é uma proposta de política econômica que aponta possíveis alternativas institucionais aos gestores locais frente às restrições impostas por políticas de austeridade fiscal concernentes à agenda neoliberal

A arquitetura institucional constituída no período pós-2ª Guerra Mundial correspondeu ao denominado “regime de acumulação industrial-fordista”. Os ganhos de produtividade estiveram relacionados diretamente aos salários, em função da acumulação intensiva de capitais sob o consumo de massa. Tal regime era compatível com a atuação mais direta do Estado na economia, através de políticas econômicas de administração da demanda agregada e de projetos de planejamento do desenvolvimento nacional.
A partir do final dos anos 1960, a queda nos ganhos de produtividade atingiu diretamente a centralidade da relação salarial fordista, dando início a um período de grandes dificuldades e mudanças estruturais. A acumulação de capitais passa, então, a concentrar-se na esfera financeira. Inaugura-se uma nova arquitetura institucional, cujo regime de acumulação correspondente é regido pelas finanças.
Sob a dominância do padrão financeiro de produção e acumulação de riqueza, as economias norteiam-se pela lógica financeira de retornos rápidos e elevados. Nessa linha, os estados nacionais perdem autonomia de atuação, as políticas ditas “neoliberais” ganham força e noções como orçamento público equilibrado entre receitas e despesas e ajuste fiscal tornam-se a regra a ser seguida.¹
Diante das restrições à definição do orçamento público, principalmente no caso de países em desenvolvimento como o Brasil, a promoção de políticas públicas em prol da inclusão social é enfraquecida e as estratégias de planejamento nacional-desenvolvimentistas esvaziadas. Tal conjunção de fatores passa a exigir um esforço de adaptação e reinvenção dos governantes e gestores públicos comprometidos com uma agenda de desenvolvimento e com a sustentação das condições de vida das populações.
A busca por alternativas de políticas que zelem pelo bem-estar coletivo, em meio à captura da ação do Estado por interesses rentistas, faz surgir a proposição do desenvolvimento local ou endógeno. Regiões subnacionais passam a definir estratégias autônomas ou semiautônomas de crescimento e desenvolvimento a fim de dinamizar suas economias locais. No caso do Brasil, a ênfase no desenvolvimento local ganha ímpeto nos anos 1990.
Nesse contexto, a descoberta de grandes reservas de recursos naturais em seus territórios é um fator que confere a alguns estados e municípios, beneficiados com reforço em seus orçamentos de receitas de royalties e participações especiais, uma oportunidade singular para a promoção de políticas públicas e a definição de projetos de desenvolvimento local. Em busca de gerir tais receitas de maneira intertemporal, atualmente, uma parcela delas é tornada ativos financeiros e gestada sob a institucionalidade dos fundos soberanos de riqueza.
No Brasil, quatro entes subnacionais possuem seus fundos soberanos próprios, são eles: os municípios de Niterói e Maricá (no Estado do Rio de Janeiro), o município de Ilhabela (no Estado de São Paulo) e o próprio Estado do Espírito Santo.
Esses recursos são dirigidos tanto para compensar oscilações de receitas tributárias, sustentar e promover políticas públicas, como também podem estimular potencialidades para o futuro, com a formação de poupanças intergeracionais, o financiamento de atividades estratégicas – por exemplo, pesquisa e tecnologia – e a preservação ambiental e artístico-cultural.
Um aspecto fundamental e estratégico, nesse sentido, é o fomento a mudanças nas estruturas de produção e consumo locais. A criação de riqueza no território deve servir à substituição de riqueza finita por riqueza que compense gerações futuras por meio da substituição, a longo prazo, de fontes de receitas fiscais.
O Estado de Desenvolvimento Local (EDL) é uma proposta de política econômica que aponta possíveis alternativas institucionais aos gestores locais visando à transformação estrutural de economias locais/regionais e sustentação das condições de vida de suas populações frente às restrições impostas por políticas de austeridade fiscal concernentes à agenda neoliberal.
O modelo de política proposto por um EDL prevê a constituição de estruturas institucionais de suporte. Tais estruturas têm por atribuições: 1) estimular e dar suporte às micro e médias empresas locais, provendo o funding nos termos adequados aos projetos de investimento ensejados, conferindo funcionalidade, estabilidade e confiança ao processo de investimento produtivo; 2) planejar e coordenar os ramos empresariais locais, conectando e articulando os encadeamentos dentro da atividade econômica (backward e forward linkages).
Apesar das dificuldades envolvidas em um processo de desenvolvimento endógeno, os entes subnacionais teriam maior flexibilidade do que governos centrais para promover mudanças de mercado e estimular os empreendimentos mais adequados à diversificação e transformação estrutural de suas economias.²
A construção de estruturas institucionais locais visando ao planejamento da economia local/regional, sua dinamização e crescimento sustentado não deve sinalizar na direção de uma alternativa político-partidária autônoma, mas a uma concepção de resistência frente à estabelecida configuração estrutural do capitalismo rentista que impõe severas restrições ao bem-estar coletivo em realidades marcadas por elevada desigualdade de renda e riqueza.
A questão central que justifica esse esforço de reflexão no momento atual diz respeito à compreensão da relevância fundamental da formatação de alternativas institucionais de âmbito local para a sustentação econômica de um universo de cidadania e direitos sociais que possibilitem restaurar aspectos civilizatórios e humanitários essenciais.
Em suma, é de extrema importância que locais com acesso a recursos extraordinários de royalties e participações especiais não desperdicem a janela de oportunidades oferecida e busquem viabilizar a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.
¹ Para maiores detalhes, ver: Capítulo 2 (“Regimes de política econômica e acumulação de capital: configurações pró e antidesenvolvimento”) do livro “Macroeconomia Moderna: lições de Keynes para economias em desenvolvimento” (2019).
² Para maiores detalhes, ver: Capítulo 1 (“Como construir um arcabouço institucional eficiente para gestão de recursos finitos: recomendações para o desenvolvimento econômico de Maricá”) do livro “Estudos Maricaenses: o município de Maricá em debate” (2021).
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