Observatório do Banco Central
Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro
Observatório do Banco Central
Dívida pública, convenções e taxa de juros
Lula parece ter constatado que, sem perspectiva de crescimento da demanda, a economia não reage

O presidente Lula tem pressionado o Banco Central pela queda da taxa de juros, necessária para o crescimento econômico. Lula parece ter constatado que, sem perspectiva de crescimento da demanda, a economia não reage. O lucro é resultado desejado, mas, incerto, depende do nível da demanda. O empresário tem que estar confiante no alcance do lucro para abrir mão da liquidez e investir, gerando emprego e renda – o mesmo vale para bancos na sua atividade de concessão de crédito.
No Brasil, os elevados níveis de endividamento das famílias e o desemprego dificultam a tomada de crédito para consumo, enquanto os gastos do governo estão limitados pelo Teto dos Gastos e o investimento público encontra-se em piso histórico. As exportações geram um empuxo limitado para a economia e o investimento privado é volátil e depende da confiança dos empresários na sua lucratividade, que é afetada pela própria política econômica.
Apenas quando há perspectiva de crescimento da demanda é que a confiança empresarial sobe para o investimento privado reagir. O fim do Teto dos Gastos e a nova regra fiscal prometida para março são bem-vindos para melhorar a situação econômica do país.
Portanto, além do aumento do consumo por meio dos programas de transferência de renda e do aumento real do salário-mínimo, propostos pelo governo Lula, o aumento do crédito e do investimento público são centrais para a retomada do crescimento. O aumento do crédito depende da redução da taxa de juros. O programa Desenrola, para endividados, poderá contribuir para impulsionar o crédito.
Contudo, programas de transferência de renda, aumentos do salário-mínimo e do investimento público dependem da situação fiscal do governo que, por sua vez, é afetada pela política monetária.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Foto: Raphael Ribeiro/BCB
Os déficits fiscais são financiados pelo aumento da dívida pública. Quando ela cresce em relação ao PIB, aumenta a desconfiança sobre a capacidade do governo em honrá-la e o mercado reage, aumentando a taxa de câmbio, impulsionando a inflação e a curva de juros, deteriorando as contas públicas. Logo, as expectativas são centrais: na dúvida, os agentes buscam ativos líquidos para proteger sua riqueza, causando efeitos indesejados na economia.
Por que o mercado desconfia que o governo honrará sua dívida (principal e juros)? Países menos desenvolvidos possuem uma relação dívida/PIB superior à nossa. Citando alguns, ela está em 182% no Sudão, 193% na Grécia, 123% na Zâmbia, 124% no Suriname, 101% em Moçambique, 89% na Jordânia, segundo a Trade Economics. No Brasil, ela está em 73,5%.
A questão não é o patamar da dívida/PIB, mas sua estabilidade. A perspectiva do seu descontrole causa pânico. Entra em cena, então, outra variável-chave: a confiança.
O principal economista do século XX, Keynes, chamou a atenção para as convenções, crenças compartilhadas, cuja importância nem sempre é percebida. Elas influenciam a confiança dos agentes. Mais ainda, servem para ancorar expectativas e ampliar a eficácia das políticas econômicas quando a convenção dominante corrobora o acerto na formulação das políticas econômicas.
Se o governo souber se comunicar e mostrar que sua dívida irá crescer para financiar o aumento do investimento público, do salário-mínimo real, os programas de transferência de renda, etc, e que em seguida a relação dívida/PIB se estabilizará, em patamar mais elevado, a política econômica terá êxito em estimular o crescimento da economia. Ademais, a crença na estabilização da dívida/PIB faz cair o custo da dívida (juros), reforçando sua tendência de estabilização.
Já o descontrole da dívida/PIB estimula uma convenção negativa. Por isso, Keynes defendia o equilíbrio orçamentário, mas sem abrir mão da política fiscal contracíclica. Superávits públicos nas fases de crescimento compensariam os déficits nas fases de desaceleração econômica, sem pressionar a dívida pública. Afinal, convenções importam. Não foi à toa que Keynes (2013, p.352) argumentou que o déficit público deve ser admitido em último caso.
Cabe ao governo construir uma convenção otimista e a política fiscal contracíclica é parte do arsenal de estímulo da confiança em um futuro lucrativo. Obviamente, tal convenção não emergirá sem a adequada coordenação da política fiscal com as demais políticas econômicas, em particular as políticas cambial e monetária.
O financiamento das medidas para retomada do crescimento pode ser feito pelo aumento da dívida pública, desde que seja demonstrado que a dívida/PIB crescerá, mas se estabilizará no futuro. Caso contrário, haverá deterioração das expectativas, fuga para a liquidez, esmorecimento do investimento privado e queda do crescimento e arrecadação do governo, elevando a dívida/PIB e gerando o ciclo vicioso ao qual estamos presos.
A taxa de crescimento da dívida pública depende da taxa de juros real. Havendo equilíbrio orçamentário, quando esta taxa é igual à taxa de crescimento do PIB, a dívida/PIB estará estabilizada e as expectativas otimistas poderão emergir. No Brasil, a taxa de juros real está em 7,9%.
Para reduzir a Selic, é necessário combater a inflação, ainda elevada. Alguns fatores facilitam seu controle: a inflação está caindo no Brasil e no mundo, os preços do petróleo se reduziram, houve apreciação do câmbio, a atividade econômica do país está fraca. Ademais, o governo adotou medidas para reduzir o déficit esperado e apresentará nova regra fiscal e reforma tributária progressiva.
Os recursos obtidos com a reforma tributária podem ser somados aos dos Fundos Constitucionais de Financiamento visando a melhora das contas públicas. Se as políticas estiverem bem desenhadas e comunicadas, as expectativas de inflação cederão, abrindo espaço para a queda da Selic, a estabilização da dívida/PIB e o crescimento da economia.
Leia essa matéria gratuitamente
Tenha acesso a conteúdos exclusivos, faça parte da newsletter gratuita de CartaCapital, salve suas matérias e artigos favoritos para ler quando quiser e leia esta matéria na integra. Cadastre-se!
Leia também

Presidenta do PT retoma críticas ao Banco Central e diz que juros do rotativo são ‘o maior escândalo’
Por CartaCapital
Lula retoma ofensiva contra taxa de juros e manda ‘recado’ sobre autonomia do Banco Central
Por CartaCapital
PT publica documento contra autonomia do Banco Central horas antes de reunião do CMN
Por CartaCapitalUm minuto, por favor…
O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.
Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.
Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.
Assine a edição semanal da revista;
Ou contribua, com o quanto puder.