Fora da Política Não há Salvação

Um espaço para discutir política, uma dimensão inescapável de nossa existência. Idealizado pelo cientista político Cláudio Couto.

Fora da Política Não há Salvação

O que explica a bipolarização assimétrica entre Lula e Bolsonaro

A disputa entre o petista e o atual presidente é bem mais bipolar que nas eleições precedentes

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O quadro da eleição presidencial ganha contornos cada vez mais definidos, com quase todos os partidos apresentando seus pré-candidatos e, inclusive, no caso dos dois principais postulantes, sinalizando com a chapa completa – presidente e vice.

Afora os favoritos, Lula e Bolsonaro, apenas dois ainda figuravam com algum fôlego em pesquisas recentes. Sergio Moro e Ciro Gomes, ambos com algo entre 7% e 9% das intenções de voto em março (segundo Quaest e Ipespe). Os demais, mal chegam a 3%.

Com a saída definitiva de Moro da corrida, poder-se-ia esperar que Ciro retomasse o patamar que tinha antes da entrada do ex-juiz e ex-ministro de Bolsonaro na disputa. Todavia, isso até agora não ocorreu; os levantamentos de abril indicam que o prejuízo do pré-candidato do PDT dificilmente será revertido: ele permaneceu exatamente onde estava antes que Moro sepultasse de vez sua candidatura, migrando do Podemos para o União Brasil.

Entretanto, Ciro ainda desempenha um papel importante na disputa, menos porque possa acalentar qualquer chance de vitória (salvo algum acontecimento extraordinário) e mais porque os votos que tira de Lula dificultam que a disputa seja resolvida já no primeiro turno. Não se deve, contudo, descartar a possibilidade de que o pedetista perca eleitores na medida em que o dia da eleição se aproximar, com parte dos que hoje preferem Ciro migrando, pragmaticamente, para uma alternativa que tenha reais chances de vitória.

E, se isso ocorrer, aumenta a possibilidade de uma eleição resolvida já no primeiro escrutínio. O que torna esse desfecho possível é a consolidação da bipolarização assimétrica entre Lula e Bolsonaro. A assimetria a que me refiro não diz respeito a um possível desequilíbrio nos percentuais de intenções de voto de ambos (que, aliás, hoje também existe), mas sim ao fato de que – diferentemente do que tola ou falaciosamente afirmam muitos por aí – não há qualquer simetria político-ideológica entre ambos.

Jair Bolsonaro é um extremista de direita, com nítidos traços fascistas. Já Lula é um típico socialdemocrata – isto é, um político de esquerda moderada, ou mesmo de centro-esquerda. Portanto, a polarização diz respeito ao fato de que o antagonismo entre ambos define a principal disputa da eleição, organizando a competição eleitoral.

As razões para isso são várias, inclusive de natureza afetiva (como aponta o cientista político Marcus Melo em sua coluna da Folha de S.Paulo), mas nenhuma elimina o fato de que temos uma situação em que os dois polos não ocupam posições relativamente simétricas na dimensão esquerda-direita – e nem noutras, como secular-religioso ou ambientalismo-antiambientalismo. Também nesses campos Lula é um moderado, ocupando lugares intermediários em seu lado; Bolsonaro é um extremista: está próximo à posição máxima em seu lado. E extremismo em todas essas dimensões têm uma implicação comum: autoritarismo.

Retomemos, porém, a questão central aqui, a polarização da disputa. Na medida em que ela se acirra, aumenta a probabilidade de que eleitores hoje com candidatos fora da polarização migrem para um dos dois polos: direitistas autoritários tendem a seguir para Bolsonaro, democratas de direita e esquerdistas em geral tendem a migrar para Lula. Se essas movimentações forem significativas, as alternativas fora da polarização declinam, aumentando a probabilidade de que um dos contendores vença no primeiro turno.

Há um segundo ponto. Não é só a atratividade das duas candidaturas polares que tende a aumentar a polarização, mas também a falta de apelo dos competidores fora dela. Vejamos como podemos classificá-los.

Um primeiro grupo é o das candidaturas-figurantes. Na extrema esquerda, postulantes de nanopartidos como PSTU, PCB e UP fazem, uma vez mais, aparição insignificante, devendo no melhor dos cenários atingir décimos de percentagem na votação. O mesmo vale para postulações caricatas do campo da direita, que desta feita parecem ser representadas apenas por José Maria Eymael, da DC, um persistente figurante de disputas presidenciais.

Um segundo grupo é dos candidatos-placebo. Apesar de pertencerem a partidos relevantes, são inócuos, apenas simulando portar algo que mereça ser levado a sério, mas sem qualquer efeito real na disputa. Henrique Meirelles desempenhou este papel magistralmente em 2018. Em 2022 é o caso de Luciano Bivar, do União Brasil e, caso venha a existir, da “candidatura conceito” que a deputada Renata Abreu ameaça lançar pelo Podemos – agremiação abandonada no altar por Sergio Moro. O mais provável é que, ao fim e ao cabo, o Podemos opte por apoiar Bolsonaro explícita ou veladamente. Também André Janones (Avante) deverá integrar esse grupo dos placebos, apesar de seu estridente sucesso nas redes sociais.

Um terceiro grupo é o dos fiascos: candidaturas aparentemente promissoras, mas que naufragam desgraçadamente. Em 2018, Marina Silva teve este papel, atingindo mirrado 1% das intenções de voto depois de duas performances significativas na disputa presidencial, quando abocanhou 20% dos votos válidos. Também Geraldo Alckmin, agora reabilitado com a vice de Lula, foi um fiasco, não atingindo 5% dos votos.

Desta vez, o grande fiasco da eleição parecia reservado a João Doria. Digo “parecia” porque o ex-governador deverá ser posto fora da disputa por seu partido antes mesmo que o fiasco se consume. Atuando segundo a lógica partidária do “eu sozinho”, Doria é inclementemente fritado pela alta cúpula e por boa parte do PSDB. É o Dória à Doré. O “gestor” não deverá ter fôlego sequer para ser cristianizado, como manda a tradição brasileira de candidatos desprezados pelos próprios correligionários. O mais provável é que seja substituído por uma candidatura mais promissora de outro partido – ao que parece a de Simone Tebet, do MDB –, não ficando sequer com o lugar de vice.

Tebet encarna o lavajatismo envergonhado: reconhece timidamente os abusos da Operação Lava Jato, mas procura encarnar seu espírito de luta contra a corrupção e, principalmente, contra o PT. Entra no pacote a defesa que a senadora faz da “boa gestão” do governo Michel Temer. É mesmo salutar que o eleitorado seja informado sobre o parâmetro de boa gestão da pré-candidata.

A questão é saber se conseguirá realmente ser candidata, tendo em vista a pouca disposição de lideranças importantes de seu partido para uma postulação própria. Caso dispute mesmo a presidência, pode ter um desempenho suficiente para dificultar a solução da contenda já no primeiro turno, fazendo companhia a Ciro Gomes num quarto grupo: o das candidaturas de meio de tabela, que atrapalham as postulações líderes, tirando-lhes alguns votos, mas nem chegam a ser fiascos, pois delas não se esperava mesmo muita coisa.

Em suma: se essas candidaturas de meio de tabela forem capazes de seguir até o final com uma votação próxima ou levemente superior aos 10%, talvez sejam capazes de garantir um segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Caso contrário, é bem provável que a concentração das escolhas eleitorais nos dois principais contendores resolva a fatura já na primeira volta.

As mudanças recentes do sistema partidário brasileiro, impulsionadas por novas regras eleitorais, pelo ocaso do PSDB, pela emergência de uma extrema direita forte, pela fragilização de forças intermediárias nas disputas presidenciais e pela recuperação da força do PT nesse pleito, torna a disputa bem mais bipolar que nas eleições precedentes. Vejamos em que medida.

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