Sociedade

Desmatamento da Mata Atlântica supera 20 mil hectares em 2022

Esse é o segundo maior desmatamento anual em seis anos; Mata Atlântica corresponde, atualmente, a cerca de 12% da área original

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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Nos últimos anos, a crise climática global e a deterioração dos biomas sinalizam a governos, entidades da sociedade civil e às populações os riscos humanitários da degradação do meio ambiente. No caso do Brasil, o desmatamento da Mata Atlântica segue em patamares elevados. É o que constata a nova edição do Atlas da Mata Atlântica, realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O relatório apontou que, entre os meses de outubro de 2021 e 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), 20.075 mil hectares da Mata Atlântica foram desflorestados no país.

Para que seja possível ter uma ideia do tamanho do desflorestamento, é como se mais de 20 mil campos de futebol tivessem sido desflorestados no período. Ou como se, a cada três dias, um Parque Ibirapuera (SP) inteiro fosse desflorestado. Como resultado, segundo o estudo, 9,6 milhões de toneladas de CO2 foram lançadas na atmosfera.

Na comparação com o período anterior (outubro de 2020 a 2021, com 21.634 hectares desmatados), o número representa uma redução de 7%. 

Isso não exclui, porém – como aponta a SOS Mata Atlântica -, a gravidade do problema: os números da nova edição do Atlas mostram que 2021-2022 registrou, em área desmatada da Mata Atlântica, o segundo maior volume dos últimos seis anos, estando 76% acima do valor mais baixo da série histórica (11.399 hectares, entre 2018 e 2018).

“Temos um quadro de desmatamento estável, porém inaceitável para um bioma fortemente ameaçado e fundamental para garantir serviços ecossistêmicos, entre eles a conservação da água, e evitar grandes tragédias, como a que tivemos recentemente no litoral norte de São Paulo”, observou Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da SOS Mata Atlântica e coordenador do Atlas.

A secular destruição da Mata Atlântica brasileira

Entre os seis biomas brasileiros – Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal -, a Mata Atlântica é, historicamente, o mais devastado. O seu processo de destruição remete ao início da colonização brasileira, avançou pelos séculos e persiste, sob os mais diferentes governos e legislaturas. Um ponto em comum, porém, é encontrado por estudiosos: o fato do desmatamento da Mata Atlântica estar ligado, diretamente, a um modelo de produção baseado na exploração severa do bioma. 

Estima-se que, originalmente, a Mata Atlântica cobria 15% do que, atualmente, é considerado o território brasileiro, cobrindo 1,3 milhão de quilômetros quadrados, especialmente na faixa próxima ao litoral. Um marco histórico da degradação da Mata Atlântica foi, por exemplo, a exploração de café durante o século XIX e início do século XX. O Atlas da Mata Atlântica aponta que, atualmente, o bioma tenha apenas 12% da sua área original.

Uma característica importante da Mata Atlântica é que ela está presente, fundamentalmente, em grandes áreas urbanas. Segundo o Atlas, quase 70% da população do país vive no bioma e, nele, 50% de todos os alimentos e 80% da economia inteira é produzida.

“Se por um momento pareceu que havíamos virado o jogo, agora o desmatamento está novamente vencendo. E o mundo inteiro sai perdendo”, aponta o coordenador do Atlas.

Nesse cenário, é na Mata Atlântica que, hoje, está a maior quantidade de espécies extintas e ameaçadas de extinção. Segundo a pesquisa “Contas de ecossistemas: espécies ameaçadas de extinção no Brasil”, divulgada na quarta-feira 24 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o cenário não mudou, entre 2014 e 2022. Antes, eram 2.016 espécies ameaçadas; agora, são 2.845. Se, em 2014, sete espécies no bioma tinham sido consideradas extintas, agora, o número passou para oito.

De acordo com o Atlas, somente 0,9% das perdas entre outubro de 2021 e 2022 ocorreram nas chamadas áreas protegidas. Por outro lado, 73% de todo o desmatamento se deu em terras privadas. A responsabilidade pelo fenômeno destrutivo é apontada pela pesquisa: as florestas da Mata Atlântica vêm sendo derrubadas para dar lugar a pastagens e culturas agrícolas. Outro elemento relevante é a especulação imobiliária, destacando, como dito, a expressiva presença do bioma em áreas urbanas.

O estudo concluiu que 91% do desflorestamento aconteceu em cinco estados: Minas Gerais (7.456 hectares), Bahia (5.719 hectares), Paraná (2.883 hectares), Mato Grosso do Sul (1.115 hectares) e Santa Catarina (1.041 hectares).

Legislação enfraquecida

Apesar do desmatamento histórico, a Mata Atlântica recebe proteção legal no Brasil. Ela, como os demais biomas, é protegida pela Constituição Federal de 1988, em um capítulo específico sobre o meio ambiente. Algo, aliás, considerado avançado à época da promulgação da Carta. 

Desde 2006, vigora no ordenamento jurídico brasileiro a Lei da Mata Atlântica (Lei n.11.428), que busca criar as ferramentas para a recuperação de regiões em extinção, entre outros pontos.

Entretanto, recentemente, o Congresso Nacional vem tentando alterar a lei. Ontem, a Câmara dos Deputados rejeitou um conjunto de emendas aprovadas pelo Senado em uma Medida Provisória, editada no final do governo Bolsonaro, que modifica a Lei da Mata Atlântica. Com isso, voltou a vigorar o texto que enfraquece a proteção legal. Na Câmara, votação foi de 364 votos a favor e 66 contra.

O Senado tinha proibido, por exemplo, emendas que possibilitavam o desmatamento em caso de implantação de linhas de transmissão de energia elétrica, gasoduto ou sistemas de abastecimento público de água, sem estudo prévio de impacto ambiental.

A federação formada por PT, PCdoB e PV, por exemplo, liberou a bancada na votação. PSOL e Rede, por outro lado, mantiveram-se fechados a favor das mudanças aprovadas anteriormente pelo Senado. O texto será assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que poderá vetar trechos.

Na Câmara, o relator do texto foi o deputado federal Sérgio Souza (MDB-PR), ex-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA). Considerando Câmara e Senado, a bancada ruralista possui, atualmente, 347 parlamentares.

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