Política

O saldo dos 7 meses do governo Tarcísio na segurança pública, segundo especialista

O pesquisador do Instituto Sou da Paz, Rafael Rocha, analisa os efeitos das principais ações do governo no cotidiano de São Paulo

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Foto: GOVSP
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Uma das promessas do carioca Tarcísio de Freitas (Republicanos) que cativou o eleitorado paulista foi uma gestão linha-dura da segurança pública. Tanto por este ser um dos motes de seu padrinho, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quanto pela criminalidade ser um antigo problema do estado – que é berço do PCC, a principal facção criminosa do País.

Sete meses depois, o aumento da letalidade policial, as mudanças na carreira dos oficiais, o investimento em armamentos, a mira nos crimes patrimoniais e o corporativismo na Secretaria de Segurança Pública são alguns traços que marcam os primeiros meses da gestão do governador. 

Câmeras deixadas de lado

O primeiro programa revisto por sua gestão foi o Olho Vivo, apontado como responsável por quedas expressivas na letalidades policial no estado. Ainda na eleição, Freitas se disse contra as câmeras corporais da PM, mas recuou após a repercussão negativa da declaração.

Tarcísio, de fato, não encerrou o Olho Vivo. Desde sua chegada ao Bandeirantes, porém, o programa não recebeu nenhum novo investimento. 

“Havia uma previsão de mais compra, de ampliação desse projeto até que ele alcançasse todos os policiais que estão nas ruas, mas isso não aconteceu”, comenta o pesquisador Rafael Rocha, do Instituto Sou Da Paz. “As câmeras estão paradas. É preocupante.” 

O programa, destaca Rocha, envolve também uma estrutura correcional e investimentos em conselhos, saúde mental da Polícia Militar e no uso de armas do tipo taser, que dispensam a necessidade do uso de arma de fogo a depender do contexto

Desde a paralisação de novos investimentos no Olho Vivo, a letalidade policial voltou a crescer em São Paulo – após dois anos em queda. Cresceu 7,4% de janeiro a março de 2023, em comparação com o mesmo período do ano anterior. 

Ao todo, 116 pessoas foram mortas por policiais civis e militares entre janeiro e março de 2023. No ano anterior, no mesmo período, foram 108 vítimas. Na capital paulista, a alta na letalidade policial foi ainda maior – cresceu 46,2%.

O argumento da Secretaria da Segurança Pública, é que “a principal causa da morte não é a atuação da polícia, mas sim a opção do confronto feita pelo infrator”.

No entanto, não é só a população que morre mais neste cenário. “Na capital, quando a gente compara 2021-22, com dois anos antes das câmeras, você teve uma redução drástica da vitimização policial, essa redução foi mais de 40%”, adianta o pesquisador a respeito de um novo estudo do instituto. “Os policiais morreram muito menos em serviço após a doação das câmeras porque, quando sabem que aquela ocorrência vai ser supervisionada por um superior, seguem protocolos operacionais padrão, não se colocando em risco extra.”

As prioridades 

Por outro lado, o governo paulista avançou na compra de armas e equipamentos menos letais para a corporação militar e civil, e na busca pelo aumento da corporação através de novos concursos públicos.  

Desde o fim de março, a Secretaria de Segurança Pública abriu licitações para comprar 2.700 escudos balísticos, 30 mil granadas não letais e 10 mil kits de gás lacrimogêneo para a PM. 

Também investiu mais de 5,2 milhões de reais, na obtenção de 800 espingardas calibre 12 de funcionamento híbrido e 700 submetralhadoras para a Polícia Civil.

Também constavam na lista de compras, 50 mil munições não-letais do modelo “bean bag”, que consiste em um cartucho preenchido por bolinhas de metal em um saco plástico. Um aumento de 35 mil, em comparação com o ano anterior. 

Segundo a SSP, ainda entre janeiro e março de 2023, aumentaram os registros de furtos (4,7%) e roubos de veículos (5,7%). Por outro lado, houve redução em crimes normalmente executados por quadrilhas ligadas ao crime organizado, como roubos a bancos (-60%) e roubos de cargas (-6,8%). O que mostra uma intensificação em inteligência policial, conforme explica o pesquisador.

“[São Paulo] teve um investimento interessante na investigação, que era algo que o Sou da Paz sempre apontava. Não adianta só colocar policial militar na rua se você tem uma cadeia, um sistema, que é o que a gente tem visto no caso dos roubos celulares.”

As trocas de comando da SSP e metodologia

Outro ponto que provocou conflito foram as possíveis trocas no comando da Secretaria de Segurança Pública, responsável por políticas públicas e alinhamento entre Polícia Militar e Civil. 

Freitas escolheu nomear policiais para comandar a Secretaria de Segurança Pública, o capitão da PM Guilherme Derrite, conhecido como deputado Capitão Derrite (PL), para o cargo de secretário, e o “número 2” da pasta escolhido é o delegado Osvaldo Nico, fundador do primeiro Grupo de Operações Especiais (GOE) da Polícia Civil.

A escolha contraria uma tendência de décadas em governos anteriores, que priorizavam juristas para o cargo, em especial membros do Ministério Público. 

“Temos passado por esse processo de militarização na secretaria. O que por si só já é um fenômeno que acende um alerta”, afirma Rocha.

Nesse sentido, uma medida que levantou discussão foi a revisão das estatísticas de 2022 e a fonte de contabilização dos crimes de São Paulo.

Crimes que eram contabilizados a partir do registro digital de ocorrências, preenchido por cada delegacia, agora são contabilizados pelo sistema de polícia judiciária da Polícia Civil. Isto aconteceu com a integração de alguns bancos de dados, o que repercutiu na exclusão de vários crimes no banco de dados, mais de mil, o que coloca em risco uma série histórica acompanhada desde 2001. O caso segue sendo investigado por uma comissão policial.

“Essa comissão tem produzido, já divulgou um relatório na semana passada e vai continuar trabalhando até setembro, mas ele é formado por policiais militares, civis, servidores da secretaria e policiais técnicos incentivos, então é me parece um pouco de tiro no pé, porque você forma uma comissão pra pra fazer uma auditoria gerar mais legitimidade, mas ao mesmo tempo sendo chamado ninguém de fora para olhar como tem sido feito”, comenta Rocha. ˜Se o objetivo é alcançar a maior transparência, que é o objetivo que o governo de São Paulo tem apontado, o ideal seria então chamar o Ministério Público, chamar a sociedade civil, universidade, Instituto de Pesquisa e movimentos sociais para fazer essa discussão”.

Recorde de estupros

Outro dado alarmante nos últimos meses foi o recorde de registros de estupros e feminicídios em São Paulo. Foram 62 mulheres mortas por companheiros ou ex-companheiros, e outras 3.551 foram estupradas em apenas nos três primeiros meses do ano.

O estado segue a lógica nacional, onde o número de vítimas também bateu recorde. Segundo o Anuário da Violência, foram 73 mil mulheres violentadas em 2022.

A taxa total subiu 8,2% em comparação com 2021. O que significa 36,9 casos para cada 100 mil habitantes. A maior alta foi entre os menores de idade, sendo 56,8 mil vítimas. 

“O fato que é muito alarmante sobre os estudos no Estado de São Paulo. É que em média 75% das vítimas são vulneráveis, ou seja, são crianças e adolescentes de até 14 anos ou pessoas que por alguma condição ou algum tipo de deficiência não conseguem discernir que estão sendo vítimas de violência sexual. É muito grave pensar que três a cada quatro estupros são contra crianças ou pessoas nessas condições”, aponta Rocha.

“Isso muda toda a lógica da política pública, porque a gente não tá falando daquele estupro do nosso imaginário, onde geralmente é uma mulher adulta que é agredida na rua por um estranho. Claro que isso acontece, e num estado tão grande como São Paulo acontece bastante, mas não é a maioria dos casos”, comenta. “A grande maioria são violências cometidas no círculo familiar daquela vítima, então é preciso pensar medidas nesse sentido”.

Os atentados nas escolas

São Paulo também foi um dos estados que sediou um dos piores atentados em escola neste ano. O ataque em questão matou a professora Elizabeth Tenreiro e deixou outros 3 feridos. 

A resolução proposta pela gestão Tarcísio passou por colocar policiais reformados de forma permanente nas escolas, mas, de fato, o projeto posto em prática segundo a Secretaria de Educação paulista é o de ampliar a ronda escolar, a contratação de 550 psicólogos e 1.000 seguranças privados para atuar nas escolas estaduais. O investimento no projeto foi de 240 milhões de reais. 

“Me parece uma decisão tomada no calor do momento, porque é um tipo de segurança é que ele não tem o vínculo com a comunidade não tem um vínculo com a escola. [o agente] Não vai revistar mochilas pra saber se tem arma e a gente nem quer que eles façam isso, mas tem que ser [um processo] integrado à comunidade escolar, ele tem que ser quase que um funcionário, alguém que os alunos conhecem e confiam, tem que ser alguém que tá perto e que entende a dinâmica da escola, os horários e os comportamentos dos alunos”, explica Rocha sobre a efetividade da medida de segurança para coibir novos ataques. 

A bala de prata para acabar com a Cracolândia…

Outro tiro que saiu pela culatra nos últimos meses foi a tentativa de colocar fim na Cracolândia, trocando os moradores de ruas e usuários de lugar. O problema, que há décadas acompanha os governos paulistas passa, não apenas pela prefeitura, que estava tentando tirar os moradores à jatos d’água e retirando suas barracas, mas também pelo apoio do Estado, que apostou na mudança das pessoas para o Bom Retiro e depois se arrependeu.

Se a tentativa de tapar o sol com a peneira, era de que os crimes baixassem, a realidade mostrou bem o contrário. Conforme publicado por CartaCapital, os crimes na região triplicaram depois das últimas ações, que passaram, não apenas pelas novas gestões, mas também pelas políticas anteriores que também tomavam o caminho da repressão. 

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