Política

Bolsonaro volta a deturpar OMS para justificar foco econômico durante pandemia

Presidente da República fez mais um pronunciamento em cadeia nacional sobre a crise do coronavírus

Presidente Jair Bolsonaro, em pronunciamento na TV, no dia 31 de março de 2020. Foto: Reprodução
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Em novo pronunciamento em cadeia nacional, o presidente Jair Bolsonaro insistiu em citar o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, para se referir aos trabalhadores informais. Mais cedo, Bolsonaro distorceu uma declaração de Ghebreyesus para defender que os autônomos voltem à normalidade.

Apesar de a OMS já ter rebatido a distorção e esclarecido que defende o isolamento, Bolsonaro voltou a citar a entidade para validar sua preocupação com trabalhadores informais.

“Minha preocupação sempre foi salvar vidas, tanto as que perderemos pela pandemia, quanto aquelas que serão atingidas pelo desemprego, violência e fome. Me coloco no lugar das pessoas e entendo as suas angústias. As medidas protetivas devem ser implementadas de forma racional, responsável e coordenada. Nesse sentido, o doutor Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, disse saber que ‘muitas pessoas, de fato, têm que trabalhar todos os dias para ganhar seu pão diário'”, disse.

Bolsonaro prosseguiu citando o apelo de Ghebreyesus em “levar essa população em conta”.

“Continua ainda: ‘Se fecharmos ou limitarmos movimentações, o que acontecerá com estas pessoas, que têm que trabalhar todos os dias e que têm que ganhar o pão de cada dia todos os dias?'”, disse. “Ele prossegue: ‘Então, cada país, baseado em sua situação, deveria responder a esta questão.”

O presidente afirmou que não se vale para “negar a importância das medidas de prevenção e controle da epidemia”, mas para mostrar que da mesma forma precisamos pensar nas mais vulneráveis”.

“O que será do camelô, do ambulante, do vendedor de churrasquinho, da diarista, do ajudante de pedreiro, do caminhoneiro, e outros trabalhadores autônomos com quem venho tendo contato durante toda a minha vida pública?”, indagou Bolsonaro.

Em seguida, o presidente citou medidas como o auxílio de 600 reais para informais, que, apesar de já aprovado, ainda não há previsão para entrar em vigor. Ele pediu para que haja cuidado com os mais idosos, mas que é preciso, por outro lado, “combater o desemprego, que cresce rapidamente, em especial, entre os mais pobres”.

“Vamos cumprir esta missão, ao mesmo tempo em que cuidamos da saúde das pessoas. O vírus é uma realidade, ainda não existe vacina contra ele ou remédio com eficiência cientificamente comprovada, apesar da hidroxicloroquina parecer bastante eficaz. O coronavírus veio e um dia irá embora, e infelizmente teremos perdas neste caminho”, afirmou.

 

Em publicação no Twitter, nesta terça-feira 31, Ghebreyesus deixou bem claro que defende o isolamento social para trabalhadores informais. Esta declaração, em especial, não foi citada por Bolsonaro durante o pronunciamento. Em sua rede social, o diretor da OMS defendeu que haja assistência financeira a essas pessoas.

“As pessoas sem renda regular ou qualquer colchão financeiro merecem políticas sociais que garantam a dignidade e lhes permitam cumprir as medidas de saúde pública recomendadas pelas autoridades nacionais de saúde e pela OMS”, escreveu Ghebreyesus.

Em uma segunda publicação, o diretor da OMS, que é africano, diz que cresceu pobre e entende a realidade dos trabalhadores sem renda formal.

“Exorto os países a desenvolver políticas que forneçam proteção econômica para pessoas que não podem ganhar ou trabalhar em meio à pandemia de covid-19. Solidariedade!”, postou.

É o quarto pronunciamento de Bolsonaro em rede nacional. Na aparição televisiva mais recente, em 24 de março, o presidente chamou o coronavírus de “gripezinha”, defendeu o fim da quarentena e afirmou que não há razão para “confinamento em massa”, já que o grupo de risco compreende principalmente os idosos e as pessoas com doenças pré-existentes. A declaração foi amplamente criticada por autoridades públicas, como os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), governadores e demais parlamentares.

A conduta de Bolsonaro também desencadeou uma série de pedidos de impeachment, protocolados por parlamentares da Rede Sustentabilidade, do PSOL e do PSDB. No Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Marco Aurélio Mello encaminhou à Procuradoria-Geral da República (PGR) uma notícia-crime que pede o afastamento do chefe do Palácio do Planalto. O presidente da República também é alvo de ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na Corte para que seja obrigado a cumprir as recomendações da OMS.

Nem ministros de Bolsonaro sustentam o discurso presidencial. Luiz Henrique Mandetta voltou a ajustar seu discurso: se antes acusara de “precipitação” os decretos de quarentena lançados pelos governadores, agora volta a fazer apelo aberto por isolamento social. A maior celebridade da equipe, o ministro da Justiça, Sergio Moro, também tem se eximido de abraçar o presidente e publicou no Twitter: “A Segurança Pública não pode parar, mas muita gente pode. Quem puder, fique em casa”. Até o ministro da Economia, Paulo Guedes, está no bloco pró-isolamento.

Mas como a própria OAB diz em sua representação no Supremo, nenhum dado da realidade ou do conhecimento científico parece pautar a atuação de Bolsonaro. No domingo 29, o presidente saiu a passeio pelo comércio de Brasília e cumprimentou transeuntes. Em declarações posteriores, seguiu em defesa de que trabalhadores informais voltem às atividades.

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