Política

Sem ‘exclusividade’ da PGR, processos contra Bolsonaro devem voltar a caminhar; entenda

O ex-capitão nunca escondeu o receio da Justiça. ‘Só saio preso, morto ou com vitória. Direi que eu nunca serei preso’, afirmou, em 2021

O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Sergio Lima/Poder360/AFP
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A preocupação de ser preso ou, ao menos, de enfrentar longas batalhas judiciais parece ter envolvido Jair Bolsonaro (PL) muito antes de sua derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno da eleição. No 7 de Setembro do ano passado, no auge de sua retórica golpista, o ex-capitão já havia se comprometido a não cumprir decisões do Supremo Tribunal Federal e vociferou a seus apoiadores na Avenida Paulista, em São Paulo: “Só saio preso, morto ou com vitória. Direi aos canalhas que eu nunca serei preso”.

Apesar das bravatas, ele deixará o Palácio da Alvorada derrotado. A alegação de que não será preso, ademais, está fora de suas mãos, uma vez que, ao deixar o cargo de presidente, ele perde o direito de poder ser denunciado somente pelo procurador-geral da República, posto hoje ocupado por Augusto Aras, cujo mandato se encerra em setembro de 2023.

No Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro responde a quatro inquéritos:

Há também duas ações penais em que Bolsonaro é réu por incitação ao estupro e injúria contra a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS). Os processos não avançaram nos últimos anos porque a Constituição veda a responsabilização do presidente por fatos anteriores ao mandato. A partir de janeiro, os casos poderão voltar a tramitar, na Justiça comum.

Bolsonaro também pode ser obrigado a lidar com a consequência do negacionismo que pautou sua resposta à pandemia. Em outubro de 2021, a CPI da Covid aprovou um relatório que inclui o ainda presidente em nove tipos penais. Na relação, há crimes comuns, previstos no Código Penal; crimes de responsabilidade, conforme a Lei de Impeachment; e crimes contra a humanidade, de acordo com o Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional.

Os senadores imputaram a Bolsonaro os crimes comuns de epidemia com resultado de morte, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas e prevaricação; crimes contra a humanidade nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumano; e crimes de responsabilidade por violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo.

Nos últimos meses, a PGR pediu o arquivamento da maioria das apurações decorrentes da CPI. A decisão, porém, cabe ao STF. Antes de uma definição da Corte, os processos também podem ser reabertos, explicou a CartaCapital o advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.

“Depois de um arquivamento, só se pode voltar à investigação se houver um fato novo. Mas penso que muitos dos casos que foram arquivados poderão ser revigorados, tendo em vista uma análise dos fatos como um todo”, afirmou.

O advogado projeta que o candidato derrotado à reeleição poderá ter “uma série de problemas” com a Justiça a partir de janeiro, em especial por perder a primazia de ser denunciado apenas pelo chefe do Ministério Público Federal.

“Ele é quase um serial killer em matéria de crimes – não só de responsabilidade, que poderiam ensejar o impeachment, mas especialmente os inúmeros crimes apontados pela CPI na pandemia”, resumiu Kakay. “A partir do momento em que Bolsonaro não terá essa proteção constitucional, ele vai estar sujeito à investigação da grande maioria dos procuradores do País inteiro, que são pessoas seriíssimas, comprometidas com o Estado Democrático de Direito e a Constituição.”

Em suma, Bolsonaro poderá ser responsabilizado por um procurador da República de primeira instância em qualquer ponto do Brasil. Por exemplo: se houver um crime imputado a ele no Amazonas, será investigado no estado. Em São Paulo, em Brasília ou em qualquer outra unidade da Federação, idem.

Lenio Streck, jurista, pós-doutor em Direito e professor de Direito Constitucional, declarou à reportagem que Bolsonaro também pode ter de responder por sua conduta após o revés eleitoral para Lula. Nas poucas vezes em que rompeu o silêncio desde 30 de outubro, incentivou atos golpistas e promoveu uma investida derradeira contra as Forças Armadas. Em 9 de dezembro, dirigindo-se a seus apoiadores em Brasília, afirmou: “Nada está perdido. O final, somente com a morte. Quem decide meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês”.

Segundo Streck, há punições previstas para esse tipo de incitação.

“Haverá um conjunto grande de investigações, e agora não terá mais o comando do PGR, que antes era o único promotor da vida dele. Isso termina em 1º de janeiro e pode complicar muito a vida do Bolsonaro, como a de qualquer deputado que já não tem mais mandato”, afirmou. “Perdendo o foro, volta para a instância normal, dos mortais.”

O jurista também não acredita na possibilidade de se formar um grande acordo, uma anistia extraoficial a livrar Bolsonaro das consequências de seus atos em nome de uma suposta pacificação do País – ou, nas palavras de Lenio Streck, “a tese do passapanismo”.

“Para fazer essa afirmação, teria de haver um Judiciário e um MPF todo orgânicos, com uma voz só. E não. O Judiciário e o MP são independentes. Diferente de quando o presidente está no poder, quando só existe uma voz de acusação, a do PGR”, avaliou. “Quando fragmenta, o PGR não manda nos procuradores. E com novo governo, a Polícia Federal estará sob comando do novo governo.”

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