Justiça

Poupado pelo corporativismo da Câmara, Daniel Silveira enfrenta julgamento desfavorável no STF

Ação que pode deixar deputado inelegível será julgada nesta quarta; parecer que pede a suspensão de seu mandato no Parlamento está pronto há nove meses sem ser levado ao plenário

O deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). Foto: Reila Maria/Agência Câmara
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O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar hoje a ação que pode deixar inelegível o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ), um dos mais simbólicos exemplos da proteção que a Câmara dos Deputados costuma destinar a seus membros que enfrentam acusações no Conselho de Ética. Desde que passou a responder pelas agressões e incitação à violência contra ministros do Supremo, o deputado chegou a ser preso em flagrante, mas escapou até aqui de punição no Parlamento pelo corporativismo dos deputados: o parecer que pede a suspensão de seu mandato está pronto há nove meses sem ser levado ao plenário. Essa lentidão tem também beneficiado outros colegas acusados de quebra de decoro.

A maioria dos ministros deve votar pela condenação do congressista. Além de mobilizar os ministros do STF, que se articulam para que o julgamento chegue ao fim ainda hoje, o processo também atrai a atenção de aliados do presidente Jair Bolsonaro. Eles têm buscado pressionar os magistrados do tribunal para tentar adiar o desfecho do caso, possivelmente, por meio de um pedido de vista — quando o ministro pede mais tempo para analisar o caso antes de se posicionar sobre ele.

Silveira, que ficou preso por quase um ano, é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de agressões verbais e graves ameaças contra os integrantes do Supremo em três ocasiões; incitar o emprego de violência e grave ameaça para tentar impedir o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário por duas vezes; e estimular a animosidade entre as Forças Armadas e o STF, ao menos uma vez. Ele virou réu em abril de 2021.

A expectativa na PGR é que a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, que vai representar o MPF no julgamento, faça críticas a decisões tomadas pelo relator do caso, Alexandre de Moraes, mas também à postura de Daniel Silveira

A deputada Carla Zambelli (PL-SP), que liderou um movimento de apoio ao deputado, foi às redes sociais para pressionar os ministros na última segunda-feira. “O STF julgará a ação penal contra Daniel Silveira. (…) Será medo dele concorrer ao Senado?”, escreveu.

Investidas como essa e o comportamento de Silveira conflagraram o ambiente nas últimas semanas. O parlamentar desrespeitou decisões do tribunal, como a determinação para que usasse tornozeleira eletrônica, que ele resistiu a obedecer. A tendência é que o ministro relator, Alexandre de Moraes, apresente um voto contundente.

Um ministro diz reservadamente que “o paciente não ajuda”, referindo-se às ofensas de Silveira a integrantes da Corte. Reflexo desses ataques, os magistrados apontam um sentimento de autodefesa do STF na sessão de hoje.

Caso o tribunal condene Silveira, que pretende disputar o Senado pelo Rio, ele deverá ficar inelegível. Por isso, cresce o peso de um eventual pedido de vista. Se o julgamento for interrompido, mesmo que a maioria do plenário já tenha votado, o resultado não é oficializado e, nesse cenário, o nome de Silveira poderá estar nas urnas.

A praxe é que, diante da suspensão do julgamento por um magistrado, os demais aguardem o parecer do colega para continuar votando. No caso de Silveira, porém, se houver um pedido de vista, há uma tendência entre os ministros de antecipar seus votos, deixando claro o posicionamento da maioria a favor da condenação.

A defesa do deputado disse ao GLOBO que pedirá a “absolvição total” de Silveira e que acredita no “encerramento dessa celeuma persecutória”.

Para além do Código Penal, o cenário político é amplamente favorável a Silveira. Embora o Conselho de Ética tenha aprovado em julho do ano passado um parecer que sugere a suspensão do mandato dele por seis meses, até hoje o presidente da Casa, Arthur Lira (PL-AL), não levou o caso ao plenário, que deve referendar ou não a recomendação do colegiado.

A assessoria de Lira informou que não há prazo específico para ele analisar os processos do Conselho de Ética, e que isso depende da complexidade de cada caso.

Diante do fortalecimento da bancada bolsonarista — o PL chegou a 80 deputados com a janela partidária —, aliados de Silveira dizem que não há “clima” para que o assunto seja pautado. Argumentam que Silveira “já pagou” pelas suas atitudes com a prisão de quase um ano determinada por Moraes e autorizada pela Câmara.

O caso de Silveira sintetiza a letargia da Câmara quando precisa analisar processos disciplinares contra seus pares. O Conselho de Ética da Casa está inativo desde o dia 23 de novembro, data da última reunião do colegiado. Na terça-feira da semana passada, a Mesa Diretora da Câmara encaminhou ao Conselho 22 representações apresentadas desde o início do ano.

Presidente do colegiado, Paulo Azi (União-BA), disse que as reuniões vão começar na semana que vem e que os casos serão analisados pela ordem cronológica.

— O Conselho só funciona quando há matéria sob nossa responsabilidade. Precisamos ser provocados. No momento em que chega ao Conselho, começamos — argumentou.

Entre as pouco mais de duas dezenas de representações, há casos de repercussão nacional, como o de Josimar Maranhãozinho (PL-MA), suspeito de participar de um esquema de desvio de emendas parlamentares e flagrado por agentes da Polícia Federal com maços de dinheiro.

Na lista também constam a representação contra Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que debochou em rede social da tortura sofrida pela jornalista Miriam Leitão durante a ditadura militar, e o de Wilson Santiago (Republicanos-PB). Em 2019, ele teve o mandato suspenso por ordem do STF em investigação que tratava de desvio de verba em obras de combate à seca. No mesmo ano, porém, a Câmara derrubou a decisão do tribunal, e Santiago conseguiu retomar o mandato. Só agora o caso chega ao conselho.

Além da letargia, o colegiado ainda foi enfraquecido com manobra patrocinada por Lira, em agosto do ano passado. Durante a sessão de cassação da deputada Flordelis, que perdeu o mandato, o presidente da Casa acolheu um pedido que abriu precedente para que as punições do Conselho sejam alteradas pelo plenário.

No julgamento de hoje, os holofotes estão nos ministros Nunes Marques e André Mendonça, indicados pelo presidente Jair Bolsonaro. Ambos são a esperança de aliados do presidente e de Silveira para que haja um pedido de vista e o julgamento não seja finalizado.

Recentemente, Mendonça suspendeu o julgamento de uma das ações da “pauta verde”, em que a ministra Cármen Lúcia mandava o governo retomar o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia.

Nunes Marques já paralisou a análise de ações que questionam os decretos de armas publicados pelo presidente; o julgamento de ação penal que poderia tornar réu o ex-deputado Roberto Jefferson; e o julgamento da chamada “revisão da vida toda”, que beneficiaria aposentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Em novembro do ano passado, o próprio presidente da República admitiu que Nunes Marques tem pedido vista em processos que envolvem causas conservadoras para evitar derrotas. E que, por causa da indicação do magistrado para a Corte, tinha “10%“ dele dentro do STF. A declaração foi dada antes da ida de Mendonça para o Supremo. Em 18 de fevereiro, um pedido de vista de Nunes Marques paralisou .

Uma representação contra Josimar Maranhãozinho (PL-MA) foi protocolada em 3 de dezembro do ano passado e o caso está parado. Imagens gravadas pela PF flagraram o deputado carregando caixas com dinheiro em seu escritório. Os recursos seriam provenientes de desvios de emendas parlamentares.

Após dois pedidos de cassação não terem efeito na Câmara, Boca Aberta (PROS-PR) acabou perdendo o mandato por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No Congresso, ele era acusado de quebra de decoro por invadir um hospital no Paraná e humilhar um médico que dormia no local.

A Câmara levou um ano e quatro meses para cassar Flordelis (PSD-RJ), acusada de mandar matar o marido. A deputada disse que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), teria descumprido um acordo para preservar seu mandato em troca de apoio na eleição para o comando da Casa.

Em abril de 2021, o Conselho de Ética arquivou representação contra Eduardo Bolsonaro (SP), então no PSL, por declarações sobre a volta do AI-5, ato que cassou as liberdades individuais durante a ditadura militar. Em parecer preliminar, Igor Timo (Podemos-MG) não considerou o caso como quebra de decoro.

O Conselho de Ética arquivou, em novembro do ano passado, processo contra o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR). Ele foi acusado pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) de envolvimento em supostas irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin.

Kim Kataguiri (União-SP) foi alvo de uma representação, em fevereiro deste ano, após afirmar que a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo. O caso está parado. Na representação, o PT diz que a fala de Kataguiri no podcast “Flow” se trata de “escancarada apologia ao nazismo”.

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