Diversidade

O que o movimento negro espera de Anielle Franco e Silvio Almeida como ministros

Ouvidos por CartaCapital, a deputada Benedita da Silva, o co-fundador do Movimento Negro Unificado José Adão e a escritora Juliana Borges analisam os desafios das novas pastas

Foto: Ricardo Stuckert
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A transversalidade e a garantia de orçamento serão essenciais para Anielle Franco e Silvio Almeida reestruturarem a política de direitos humanos e igualdade social no Brasil. Este é o diagnóstico de representantes do movimento negro brasileiro ouvidos por CartaCapital

A manhã de quinta-feira 22 marcou a nomeação de 16 ministros do novo governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Entre os nomes estão a diretora do Instituto Marielle Franco e ativista carioca pelos Direitos Humanos, Anielle Franco como ministra da Igualdade Racial e o advogado, filósofo e escritor Silvio Almeida na chefia do ministério dos Direitos Humanos

Até então todas as demandas de Igualdade Racial eram designadas a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), conectada ao Ministério dos Direitos Humanos, sob a batuta da ex-ministra e atual senadora Damares Alves

O cenário deixado nas mãos do novo governo, segundo o relatório final apresentado pelo grupo técnico de transição, é de graves violações a direitos e desmonte de políticas públicas, que vão da extinção de colegiados para a participação da população à queda de mais da metade do orçamento necessário para os órgãos. 

Após a sociedade civil denunciar estes feitos durante os últimos quatro anos, o anúncio das pastas e suas chefias — prometida durante a campanha, trouxe alívio e foi amplamente celebrado por importantes lideranças dos movimentos sociais. 

“Era o que a gente precisava nesse momento de reconstrução, mudar um pouco essa chave de que a gente tinha que estar só em uma secretaria ou só em cargos secundários”, avalia a pesquisadora e escritora Juliana Borges. “Mas também podendo fazer esse papel de articulação política, que é fundamentalmente o que esses ministérios fazem.”

Borges é pesquisadora em Antropologia na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, integrou como articuladora política a Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas (INNPD) e é autora da obra Encarceramento em Massa.  

“Figuras como a Damares desconfiguraram muito do que essas pastas representavam na estrutura do estado para a sociedade”, salienta. “Então, acho que os dois têm vem com essa missão também de reposicionar essas pautas.”

Para a deputada federal Benedita da Silva (PT)que dedicou mais metade dos 80 anos de vida às lutas políticas dos movimentos sociais —, as nomeações de Anielle e Silvio marcam um novo momento de compromisso com as demandas da população negra. 

Não são políticas temáticas, são ministérios de suma importância e também ao mesmo tempo de grandes desafios, porque não se trata de um sentimento, se trata de direitos de pessoas que são excluídas“, afirma ela, ao citar que dos principais problemas a serem enfrentados pelo novo governo – como a fome, o desemprego e a violência – afetam sobretudo pessoas negras. Logo, são demandas a ser resolvidas, também, por estas novas pastas. 

“É grande o desafio colocado, tanto na igualdade racial quanto na questão da mulher, porque é uma transversalidade constante”, conta.

O compromisso desses ministérios é trabalhar a transversalidade, por isso que nós vamos estar de mãos dadas com esses ministérios, todos eles para que a gente possa fazer valer

A deputada carioca, que foi a primeira senadora negra brasileira em 1995, soma além dos cargos no legislativo, passagem pela Secretária de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio em 2007 e depois no primeiro governo Lula, a condução do Ministério da Assistência e Promoção Social. 

Em sua vasta experiência nas lutas e articulações sociais e políticas desde a Constituinte, ela celebra a importância de se ter uma mulher negra e um homem negro comandando políticas públicas que afetam diretamente a população negra. 

“Por mais que você trabalhe a questão racial, você não sendo uma mulher negra com consciência ou um homem negro, você jamais sabe a dor”, afirma, “Nessas instâncias nós entendemos que [Anielle e Silvio] são pessoas qualificadas que têm compromisso com isso”. 

A opinião é compartilhada pelo co-fundador do Movimento Negro Unificado, José Adão. “Ter uma pessoa negra, íntegra, muito capacitada, especialista é uma contribuição muito grande ao Brasil”, diz ele, mencionando a nomeação de Silvio Almeida. “É uma pessoa íntegra, afetuosa e amante da verdade, diferente de todo esse governo que se encerra.”

Em relação à nomeação de Anielle, Adão se recorda de quando conheceu a irmã dela, Marielle, na campanha do deputado Guilherme Boulos em São Paulo. Na ocasião só se viram de longe, e ali, alguns dias depois “quando veio a notícia do assassinato dela, eu não conseguia associar aquela simpatia aquele sorriso lindo, aquela vivacidade com aquela pessoa que tava ali vítima de um crime”, relata. 

O lançamento da iniciativa Quilombo nos Parlamentos marcou seu encontro com Anielle e sua mãe, Marinete da Silva, “nós nos demos um abraço e a partir daí eu falei que eu estava digamos internamente sendo curado daquele mal estar então eu encaro com uma satisfação particular, a nomeação dela e creio que ela vai fazer um um bom trabalho”. 

Adão aponta que Anielle também marca a quebra de padrões em relação à faixa etária dos profissionais que assumem as pastas. “Ela é uma pessoa bem jovem, comparando no ministério de pessoas digamos na média de pessoas com mais de 50 anos”. 

Além da capacidade de técnica, “ela foi amadurecida na grande dor que foi assassinato da Marielle, então ela acabou, digamos, envelhecendo vários anos nesse período, acaba se revestindo de uma certa maturidade”.

Desafios para a atuação 

Adão relaciona o atual cenário sob os direitos humanos, ao período pré-anistia que apesar de marcar um período de abertura da ditadura militar e avanços, ainda existiam setores interessados em aprofundar a violência do regime. Inclusive, foi neste momento histórico a fundação do Movimento Negro Unificado, que anos depois se tornou marco no resgate e luta da história do povo negro. 

“Por exemplo em 81, foi quando houve lá o atentado ao centro, queriam colocar uma bomba debaixo do palco para matar vários artistas”, relembra. “Em termos comparativos qualquer período de desumanidade é semelhante a esses quatro anos.”

Um caso emblemático citado por ele, é o assassinato do mestre de capoeira Moa do Katendê, de 63 anos, morto a facadas, em outubro de 2018. “Ele participava aqui das reuniões da gente, da marcha da Consciência Negra aqui na Câmara Municipal, chegava e cumprimentava todo mundo, tinha amizades, né? Então ver o Mestre Moa levar várias facadas, entre o primeiro e segundo turno, de graça e depois ele depois dele outras pessoas foram assassinadas por pessoas simpáticas a essa mentalidade que governou o Brasil por quatro anos”. 

“É um legado horrível porque estimula o que é pior em cada pessoa. Somente o fato disto não estar persistindo já é um certo é avanço”, afirma. 

Já para a deputada Benedita da Silva, apesar de existir a continuidade de um Congresso aliado ao presidente derrotado e suas ideias, ela entende que “para combater o bolsonarismo só com democracia, com transparência, com firmeza ideológica”.

“O bolsonarismo continua mas ele deve ser combatido, não é combatido por um, dois ou três ministérios, é pela sociedade brasileira que vai repugnar esses atos de violência e nós vamos estar ajudando no Congresso Nacional, para que essas políticas sejam implementadas”. 

Para isso acontecer e os ministérios terem sucesso em sua atuação, Borges defende que um movimento importante deve ser a garantia de boas condições orçamentárias. 

Uma tarefa do ponto de vista do governo é pensar uma estrutura, que não precisa ser uma estrutura inchada, mas que seja uma estrutura que garanta e que dê tranquilidade para que os dois desempenhem o trabalho“. 

Borges também tem experiência na Secretaria de Políticas para as Mulheres e assessoria da Secretaria do Governo Municipal da Prefeitura de São Paulo na gestão Fernando Haddad em 2013. Logo, segundo ela, “precisa ter orçamento, precisa ter quadro técnico e precisa ter quadro político porque justamente são ministérios de articulação política”. 

Esta foi uma das demanda ressaltadas pelo GT de Racismo, que pretende nos primeiros 100 dias de governo, conseguir revogar medidas que julgam ampliar as desigualdades sociais, raciais e econômicas. Como prioridade, revogar a Emenda do Teto de Gastos, que diminuiu os investimentos em educação e saúde, e a nota técnica que ampliou o investimento em hospitais psiquiátricos e incentivo ao eletrochoque. 

“Silvio e a Anielle são nomes importantes, eles precisam ter as condições, o governo tem que dar as condições para que os dois desempenhem o papel que eles estão designados a cumprir, por que se não você não está levando a sério os anseios do que eles representam e do que os movimentos que apoiam e que estão celebrando essas indicações representa”, reflete Borges.  

Mais espaço

Uma das críticas dos movimentos sociais aos governos Lula e Dilma era o condicionamento de pessoas negras a pastas que tratavam de questões raciais. José Adão avalia que o governo ouviu parcialmente esses apontamentos, segundo ele, uma alternativa futura seria a escuta ativa dos movimentos sociais a partir da indicação de nomes em uma lista tríplice para conduzir a escolha presidencial.

“É uma oportunidade da gente não somente dialogar, mas também a corresponsabilidade pelas indicações e o acompanhamento da política pública”, explica. “Mas não dá para acreditar totalmente ao Lula e ao PT essa responsabilidade. Porque até então negro e índio nem existia nesse país, né? A gente passou a existir a partir de 1988”.

O racismo estrutural reflete nos desafios de igualdade racial a longo prazo. Na composição ministerial anunciada, homens brancos são 10 dos 21 ministros, seis são mulheres e sete sete pessoas negras.

 “Se o Lula e o partido ainda fossem isentos dessa contaminação do racismo, aí teriam condições de fazer uma crítica muito dura”, afirma Adão.

Em comparação aos anos anteriores, de 2003 a 2020 nas gestões Lula, Dilma e Temer, o petista teve sete ministros negros em seus oito anos de mandato enquanto Temer apenas um. 

A avaliação de Borges vai de encontro a de Adão, de que o próximo passo nestes avanços é ter a presença de profissionais negros na condução de pastas como Economia, Justiça e Educação. 

“Mas eu também entendo que tem os desafios do que é compor uma frente amplíssima, que vai ter que pensar no Congresso Nacional que é um Congresso Nacional super conservador. Então também tem essa compreensão de que tem um jogo que precisa ser balanceado”, diz Borges.

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