Política

Medo e desinformação devem dominar disputa nas redes em 2022

Na busca por votos, analistas afirmam que Bolsonaro poderá não ser único candidato a recorrer à estratégia do medo e questionam capacidade de mobilização dos bolsonaristas para além da própria bolha

Foto: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP
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A supremacia de Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais, que foi decisiva nas eleições de 2018, está sendo ameaçada por adversários.

Análises de dados de consultorias e de centros de pesquisa mostram espaços antes dominados pelo presidente sendo ocupados, principalmente pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os três candidatos da chamada terceira via – Ciro Gomes (PDT), Sérgio Moro (Podemos) e João Doria (PSDB) – tomam posições estratégicas no universo digital, mas ainda são coadjuvantes.

É uma disputa em que regras definidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são ameaçadas por fake news e pela própria limitação do TSE em controlar a corrida eleitoral em ambiente virtual.

Sem representante no Brasil, o aplicativo de mensagens Telegram, sobre o qual a Justiça tem interferência quase nula, é território dominado por Bolsonaro e campo fértil para disseminação de informações falsas.

O presidente é o segundo político com mais seguidores no Telegram. São 1,023 milhão, atrás de Donald Trump, com 1,040 milhão. Se 5% dos seguidores redistribuírem conteúdo a outras plataformas, será difícil controlar”, afirma André Eller, diretor-adjunto da consultoria Bites.

O Telegram é, na opinião de cinco especialistas ouvidos pela DW, um dos trunfos do presidente. “Bolsonaro vai continuar desinformando, criando caos e ampliando o medo. Pulando de uma plataforma à outra. Acho difícil coibir”, prevê Luciana Moherdaui, pesquisadora da Cátedra Oscar Sala, do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Em meados deste mês, o jornal O Globo apontou que TSE estuda banir o Telegram do Brasil para combater a disseminação de fake news nas eleições de 2022. As autoridades eleitorais brasileiras se queixam da falta de cooperação e até mesmo de que os responsáveis não respondem às tentativas de contato.

Bolha bolsonarista

Além do Telegram, ela cita a Gettr, plataforma similar ao Twitter criada por Jason Miller, ex-assessor de Trump, como ambientes abertos à disseminação do discurso bolsonarista.

O exército de seguidores do presidente é expressivo em todas as plataformas. Segundo levantamento da Bites, em janeiro, Bolsonaro tinha 40,98 milhões de seguidores contabilizados no Youtube, Facebook, Instagram e Twitter, seguido por Lula, com 11,58 milhões. Na sequência aparecem Moro (5,95 milhões), Doria (5,2 milhões) e Ciro (3,68 milhões).

Com exceção de Doria, que perdeu 4.329 seguidores (-0,08%) em 30 dias, os outros ampliaram: Lula ganhou 291.646 (+2,58%); Bolsonaro, 153.084 (+0,37%); Ciro,18.360 (+0,50); e Moro, 3.598 (+0,06%).

Ao mesmo tempo, os analistas também concordam que, apesar da robustez em termos de seguidores, o presidente vem perdendo espaço no ambiente digital, seja pelo desgaste de estar no poder e com baixa popularidade, seja pelas ações dos adversários.

“Em abril, as interações de Bolsonaro no Youtube, Twitter, Facebook e Instagram somaram 39 milhões. Em dezembro, ficaram em 25 milhões”, diz Victor Piaia, pesquisador na Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-DAPP).

Piaia vê reduzida a capacidade de mobilização dos bolsonaristas para além da própria bolha. A observação do pesquisador é baseada em dados do Twitter. Uma análise das interações em menções a presidenciáveis feita pela FGV-DAPP em novembro de 2021 apontou um maior alcance do grupo mobilizado por perfis de políticos alinhados ideologicamente à esquerda, jornalistas e canais de mídia e liderado por Lula – com 30,96% dos perfis e 34,95% das interações.

Apesar de ter 29,59% dos perfis e 41,13% das interações, o grupo que orbita em torno do perfil de Bolsonaro e de políticos da sua base de apoio mostrou ter um alcance mais restrito.

Além dos grupos que orbitam em torno dos perfis de Lula e Bolsonaro, foram analisados os liderados pelos perfis de Moro (que conta com o perfil de Dória e políticos de centro-direita e movimentos, jornalistas e canais de mídia conservadores) e Ciro (inclui políticos de centro-esquerda, canais da imprensa tradicional e apoiadores do presidenciável) e um conduzido por perfis de canais de comunicação e usuários comuns, que reporta ações de Lula, Bolsonaro e do PDT (Ciro).

O mesmo alcance restrito foi verificado numa análise do debate sobre a vacina infantil contra covid-19 entre 7 e 14 de janeiro, no qual o grupo de perfis contrários à imunização de crianças (ligados a Bolsonaro) não se relaciona com os demais, favoráveis à vacinação de menores.

“Isso mostra o governo isolado. Apesar de bem ativos, os perfis interagiam muito entre si, enquanto os outros estavam coesos e mobilizavam uma base favorável à vacinação”, diz Piaia.

Estratégia do medo

Na disputa virtual deste ano, a estratégia do medo usada por Bolsonaro contra o PT em 2018 também pode ser trabalhada pelo petista, seguindo a estratégia dos democratas contra os republicanos em 2020.

“[Joe] Biden produziu o medo de um possível segundo mandato de Trump. Mesmo não ampliando organicamente sua rede, venceu as eleições. Agora, no Brasil, tanto Bolsonaro quanto Lula devem usar a estratégia do medo”, calcula o economista Maurício Moura, professor da George Washington University e fundador da empresa Ideia Big Data.

A produção de medo, dizem os analistas, pode vir acompanhada de desinformação com efeito danoso à democracia, apesar de avanços desde 2018.

“A Justiça trabalhou na construção de precedentes, dando sinais de que pode cassar candidaturas; as redes vêm sendo mais pró-ativas removendo conteúdo e suspendendo perfis; e a imprensa está mais atenta a conteúdos que circulam [na web], mas não há como controlar todas as informações nesse ambiente”, diz Amaro Grassi, coordenador de pesquisa da FGV-DAPP.

Contenção de danos

O sociólogo fala em “cenário bem turbulento”, porém, evita o fatalismo. “É seguir a lógica de contenção de danos para manter o processo minimamente razoável. Mas há muito a ser feito.”

Grassi sugere a criação, pelo TSE, de um setor com capacidade de coleta e de análise de dados, além de pressão sobre as plataformas por mais acesso a informações. O objetivo é dar celeridade e aprofundar o processo de compreensão do que acontece nas redes e construir evidências para embasar ações.

Já a proposta de Moura é mais estrutural: incluir no currículo escolar disciplina que ensine a separar informação falsa de notícia. “Uma educação jornalística, do nível pré-escolar à universidade”, diz.

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