Política

De olho em 2026, ex-líder de Temer usa eventos da Codevasf e do governo de Sergipe como vitrine

Com direito a discurso, André Moura, pré-candidato ao Senado pelo União, tem sido presença recorrente em atos da gestão Fábio Mitidieri e entregas da Codevasf custeadas por emendas da filha

De olho em 2026, ex-líder de Temer usa eventos da Codevasf e do governo de Sergipe como vitrine
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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO
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Um helicóptero do Grupamento Tático Aéreo, ligado à Secretaria de Segurança Pública, rasgou os céus de Poço Redondo na manhã de 8 de agosto. Naquela sexta-feira, a cidade de quase 34 mil habitantes sediaria mais uma edição do Sergipe é Aqui, uma iniciativa do governo estadual criada para aproximar os serviços públicos da sociedade. À primeira vista, quem assistiu à cena imaginou tratar-se apenas de mais uma ação de rotina da SSP diante do número expressivo de autoridades que estariam no local. 

Instantes depois, a aeronave do GTA tocou o solo em um heliponto improvisado, sob o olhar curioso de uma pequena plateia de assessores e políticos locais. Não eram agentes da Polícia Militar que estavam a bordo, mas o governador Fábio Mitidieri (PSD), acompanhado de André Moura (União Brasil). A um ano das eleições de 2026, o ex-deputado federal – que deve agora concorrer ao Senado – tornou-se presença constante em eventos promovidos pela gestão do pessedista, com direito a discursos e posição de destaque nos palanques, mesmo sem cargo público no estado. 

Além disso, aparece com frequência em cerimônias nas quais a Codevasf, estatal responsável por obras hídricas no Nordeste e em áreas da região Norte e Sudeste, entrega maquinários obtidos através de emendas destinadas por Yandra Moura, sua filha. Todas as agendas contaram com a participação do então superintendente do órgão em Sergipe, Thomas Jefferson França da Costa, alçado ao cargo por indicação do clã Moura.

Nos últimos anos, a Codevasf virou alvo de cobiça de parlamentares do Centrão por facilitar a execução de recursos da União enviados a seus redutos eleitorais. A disputa por indicações no órgão é maior entre congressistas nordestinos, principal área de atuação da companhia. A empresa mudou sua vocação histórica de fazer projetos de irrigação no semiárido para se tornar uma grande executora de obras de pavimentação e distribuidora de veículos, máquinas e produtos a redutos de padrinhos de emendas parlamentares.

O chefe da estatal em Sergipe foi demitido pelo governo Lula (PT) em 10 de outubro, em reação ao apoio do União na Câmara contra a medida provisória que criava alternativas ao IOF para equilibrar as contas públicas. Outros superintentendes da Codevasf foram exonerados, e integrantes do Planalto projetam mais demissões em espaços dos segundo e terceiro escalões loteados pelo Centrão.

Sob reserva, especialistas em Direto ouvidos pela reportagem afirmam ver indícios claros de problemas éticos e administrativos na recorrente presença de Moura nesses eventos oficiais, o que pode configurar uso indevido da máquina pública, promoção pessoal com recursos federais (sobretudo em contexto pré-eleitoral) e potencial conflito de interesses.

Procurado por meio de sua assessoria, o ex-deputado não se manifestou. O espaço segue aberto.

À reportagem, o governo de Sergipe alegou que os eventos são públicos e abertos tanto à população quanto às autoridades políticas. Disse também não ver margem para interpretação a respeito de possível beneficiamento e motivação político-eleitoral na presença de Moura, dado seu status de pré-candidato ao Senado. Por sua vez, a Codevasf informou que a lista de convidados das cerimônias é de responsabilidade das prefeituras municipais. Thomas Costa também não respondeu aos questionamentos.

Baiano de Salvador, André Moura não ostenta influência apenas em Sergipe, estado pelo qual elegeu-se deputado em 2011 (ficando na Câmara até 2018) e onde foi prefeito de Pirambu (a 34 km de Aracaju), mas também no Rio de Janeiro. Lá, o ex-líder da gestão Michel Temer é conhecido nos corredores do Palácio da Guanabara como o homem forte do governador Cláudio Castro (PL) por comandar as secretarias de Governo e de Representação do Estado em Brasília. 

Ao longo da semana, Moura despacha da capital fluminense. É geralmente às sextas-feiras que ele embarca para Sergipe, onde cumpre uma sequência de agendas políticas. Desde abril, o ex-deputado participou de ao menos vinte eventos oficiais em diferentes municípios, segundo levantamento feito por CartaCapital com base em registros publicados nas redes sociais. O roteiro combina inaugurações, entregas de maquinário e atos promovidos pelo governo estadual.

O mais recente episódio ocorreu há duas semanas. Moura esteve ao lado da filha em Nossa Senhora do Socorro, na região metropolitana de Aracaju, para a entrega de uma motoniveladora adquirida pela Codevasf ao custo de 650 mil reais. “Essa patrol vai ajudar a avançar na infraestrutura, melhorando a vida de quem precisa trafegar com segurança e qualidade. Esse é o resultado do trabalho conjunto em favor do povo”, discursou.

O maquinário havia sido prometido dias antes, em 15 de setembro, quando os dois foram à cerimônia de entrega de um caminhão-pipa, um trator agrícola e dois implementos à prefeitura — um pacote de investimentos que ultrapassa 700 mil reais.

Em 18 de julho, o ex-deputado integrou a comitiva do governador durante uma visita às obras do Hospital do Câncer em Aracaju. O grupo reuniu também o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macedo (PT), e o empresário Luciano Barreto, da construtora Celi. Poucas semanas depois, esteve na cidade de Nossa Senhora Aparecida, onde participou da entrega de uma caçamba avaliada em 574 mil reais, adquirida com recursos da Codevasf.

Na ocasião, coube a ele – e não à filha parlamentar – o anúncio de novos investimentos para o município. Diante do público, Moura antecipou o repasse de “500 mil de reais alocados no Dnocs e mais 2 milhões destinados por meio da Comissão de Desenvolvimento Regional, presidida por Yandra”. “Não estou com mandato, mas pela minha experiência no Parlamento Federal, sempre que solicitado para auxiliar na obtenção de recursos, estou a postos”, explicou Moura, ao lado da filha.

Em 13 de setembro, uma nova aparição. O ex-deputado foi a Santana do São Francisco, no baixo São Francisco, representar Yandra na cerimônia de doação de uma retroescavadeira de 343 mil reais adquirida via emenda injetada na Codevasf. Ainda naquele dia, esteve em um assentamento rural em Canindé do São Francisco, acompanhado do secretário estadual de Agricultura, Zeca da Silva, e do presidente da Emdagro, Gilson dos Anjos – cujas indicações são atribuídas a Moura nos bastidores.

Na ocasião, o grupo anunciou a previsão de entrega de títulos de propriedade para 36 famílias. A medida, disse Zeca, teve início a partir de uma articulação liderada pelo seu padrinho político e a filha junto ao chefe do Executivo estadual. No Instagram, ao registrar a agenda, Moura escreveu: “Atenção, Alto da Boa Vista, o compromisso já tá marcado! Em novembro eu volto pra, com fé em Deus, entregar títulos de propriedade e ajudar dezenas de famílias de produtores rurais da comunidade a realizar o sonho da terra própria”.

Ao lado da primeira-dama Érica Mitidieri, o ex-deputado participou, em 30 de agosto, da entrega de quase 1.600 títulos de terra a agricultores de Poço Verde (SE). No mês seguinte, foi a uma comunidade com integrantes do governo e prometeu retornar na cerimônia de titulação dos assentados – Divulgação/GOVSE

O ex-deputado também marcou presença no lançamento do CMais Feirante, um programa de transferência de renda destinado a trabalhadores ambulantes, em Itabaiana, no agreste sergipano. Ele usava um boné com os dizeres “André, amigo do povo” e ocupou lugar de destaque no palanque, também ocupado pelo governador e pela primeira-dama Érica Mitidieri (que também chefia a secretaria de Assistência Social).

Em outro ato oficial, participou da entrega de quase 1.600 títulos de terra a agricultores familiares em Poço Verde, em cerimônia organizada pela secretaria comandada por Érica. O prefeito local, Roberto Barracão (União Brasil), exibia um chapéu com o número 44 — símbolo do partido controlado por Moura em Sergipe. No final de setembro, foi à solenidade que tirou do papel a CNH Caminhoneiro, também gestada pela pasta da esposa do governador.

O retorno de André Moura ao xadrez político ocorre após uma sobrevida na Justiça e difere do cenário vivido há quase quatro anos.

Na época, o ex-deputado ainda tentava reverter a condenação por corrupção passiva no Supremo Tribunal Federal – por isso, teve a candidatura ao Senado barrada e, às vésperas do limite para registrar candidaturas, lançou a filha Yandra na disputa pela Câmara. Ela acabou eleita com mais de 131 mil votos naquele pleito.

Em outubro de 2023, o cacique do Centrão assinou um acordo de não-persecução penal com a Procuradoria-Geral da República para se livrar da prisão. Esse arranjo vale para crimes sem violência e com pena baixa. Nesses casos, a PGR entende que a proposta seria suficiente para reprimir as irregularidades nas quais o réu foi enquadrado e cobra uma multa dele, mediante a confissão de culpa.

O relator no STF foi o ministro Gilmar Mendes, e os termos do acordo são mantidos em sigilo até hoje. 

No ano que vem, os eleitores vão às urnas em outubro escolher dois senadores por estado. O cenário em Sergipe ainda está em aberto, com quase metade do eleitorado indeciso e um empate técnico entre os potenciais candidatos à Casa Alta, de acordo com a mais recente pesquisa Real Time Big Data, divulgada em setembro.

Além de Moura, figuram como pretensos candidatos os atuais senadores Alessandro Vieira (MDB) e Rogério Carvalho (PT), que tentarão a reeleição, Eduardo Amorim (PL), Rodrigo Valadares (União), Edvaldo Nogueira (PDT) e Márcio Macêdo.

Com a palavra, os envolvidos

O governo de Sergipe disse a CartaCapital que os eventos nos quais André Moura esteve são “públicos, abertos à população, lideranças políticas, autoridades locais e representantes de diversos segmentos da sociedade”, destacando que parlamentares da oposição também estiveram presentes em algumas dessas agendas.

Sobre o helicóptero do GTA, afirmou que o uso da aeronave “está plenamente amparado pela Lei Estadual nº 8.134/2016 e pelas normas federais da aviação pública”, e pontua que o transporte é realizado de “forma pontual e sem prejuízo às suas atividades operacionais, que somaram mais de 800 missões no último ano, incluindo ações aeromédicas e de segurança pública”. Também pontuou que, “mesmo durante deslocamentos de autoridades, a aeronave permanece disponível para atender a emergências”.

Além do chefe do Executivo estadual, diz o comunicado, ministros de Estado e outros governadores também foram contemplados pelo serviço. “O Governo do Estado reitera que atua com total transparência e respeito à legislação vigente. A presença de cidadãos em eventos públicos não configura qualquer tipo de beneficiamento. Cabe destacar, ainda, que a legislação eleitoral não prevê a figura jurídica de “pré-candidato” nem veda a participação de pessoas em atos de natureza pública e institucional”, conclui o comunicado.

Por sua vez, a Codevasf afirmou que a responsabilidade sobre a lista de convidados das cerimônias é das prefeituras. “Nas cerimônias realizadas por prefeituras municipais para recepcionar bens doados pela Codevasf, os participantes são convidados pelas próprias prefeituras. Parlamentares e bancadas responsáveis por emendas que geraram determinado benefício comparecem aos eventos de entrega acompanhados de equipes e convidados”, informou a estatal.

André Moura, procurado através de sua assessoria, e Thomas Costa não responderam até o fechamento da reportagem. O espaço segue aberto.

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