Política

Brasil chega aos 60 anos do golpe com avanço em investigação sobre a conspiração de 2022

O governo Lula, porém, não deve promover uma campanha institucional sobre a ditadura militar

Jair Bolsonaro e Walter Braga Netto, em agosto de 2022. Foto: Mauro Pimentel/AFP
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Sessenta anos atrás, militares encabeçaram um golpe de Estado, derrubaram o presidente João Goulart e deram inicío ao período mais sombrio da República brasileira: a ditadura militar, que durou 21 anos e transformou a tortura e a censura em políticas de Estado.

A data, contudo, não deve ser objeto de manifestações institucionais do governo federal por orientação do presidente Lula (PT), que tenta amainar a relação com a caserna. No ano passado, o Ministério dos Direitos Humanos, comandado por Silvio Almeida, promoveu uma campanha em alusão ao aniversário do golpe.

Em fevereiro, Lula evitou fazer críticas contundentes à atuação das Forças Armadas e disse que prefere não remoer as consequências do golpe de 1964 porque isso “faz parte do passado” e ele deseja “tocar o País para frente”.

Seis décadas depois, porém, o Brasil não se livrou das ameaças de ruptura institucional. Segundo as investigações da Polícia Federal, por pouco uma conspiração no governo de Jair Bolsonaro (PL), com militares de alta patente envolvidos, não foi adiante. O objetivo era reverter o resultado da eleição de 2022, vencida por Lula (PT), e manter o ex-capitão no poder.

Os principais elementos dessa trama vieram à tona na Operação Tempus Veritatis, deflagrada pela PF em fevereiro com aval do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Ao todo, 33 pessoas foram alvo de mandados de prisão, busca e apreensão, entre os quais estavam coronéis e generais do Exército.

Em outra frente, mas relacionada àquela que levou à operação de fevereiro, o ex-presidente é alvo de um inquérito sobre os ataques de 8 de Janeiro de 2023, dia em que bolsonaristas depredaram parte das sedes dos Três Poderes. Ele entrou na mira do Ministério Público Federal como um dos possíveis autores intelectuais dos atos de violência.

A avaliação prevalente no STF e no MPF é que, ao pedir intervenção militar, o grupo tinha a intenção de derrubar o governo democraticamente eleito em 2022. Não à toa, seus executores têm sido condenados, entre outros crimes, pelo que se encaixa na definição de golpe de Estado e por abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

Cercado pelas investigações, Bolsonaro sofreu um novo revés na última sexta-feira 28, quando Moraes rejeitou seu pedido para recuperar o passaporte. A negativa veio acompanhada de um parecer da Procuradoria-Geral da República que recomenda a retenção do documento, a fim de evitar que o ex-capitão saia do País e escape de eventuais punições.

Os investigadores indicam ter reunido elementos que colocam Bolsonaro e alguns de seus principais auxiliares no centro da conspiração golpista – a expectativa é que o inquérito que levou à Operação Tempus Veritatis termine ainda no primeiro semestre.

A trama ganhou tração após a vitória de Lula. À época, Bolsonaro participou de reuniões no Palácio da Alvorada com a presença dos comandantes das Forças e de Paulo Sérgio Nogueira, então ministro da Defesa.

Nos encontros, segundo a apuração da PF, apresentou uma minuta com previsão de declarar estado de sítio e decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem. O documento também projetava a prisão de autoridades, como Moraes, e a realização de novas eleições.

Os comandantes da Aeronaútica, brigadeiro do Ar Carlos Almeida Baptista Júnior, e do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, teriam reagido ao plano, enquanto o ministro da Defesa e o chefe da Marinha, almirante Almir Garnier, teriam dado aval à ofensiva.

Segundo o inquérito da PF, essa minuta foi “objeto de uma série de reuniões realizada no Palácio do Planalto, para debates e ajustes do texto bem como apresentação aos comandantes das Forças Militares, mostrando-se irrefutável sua posição de destaque quanto aos aspectos jurídicos das medidas voltadas à ruptura institucional”.

Outro documento, encontrado no gabinete de Bolsonaro na sede do PL, em Brasília, insere-se na intentona golpista pós-eleição. O texto trazia expressões usadas pelo ex-capitão, como “quatro linhas da Constituição”, e oferecia “argumentos” para declarar estado de sítio e decretar uma GLO.

O vídeo da reunião de julho de 2022 em que Bolsonaro e seus ministros discutem o que fazer para impedir a eleição de Lula é mais um elemento a reforçar a investigação. Na gravação, encontrada no computador do tenente-coronel Mauro Cid, o então presidente projetava uma derrota no pleito e cobrava dos auxiliares que partissem para um “plano B”.

“Nós sabemos que, se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira no Brasil. Agora, alguém tem dúvida que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições?”, questionou. “Não adianta eu ter 80% dos votos. Eles vão ganhar as eleições.”

Para a PF, aquela reunião “revela o arranjo de dinâmica golpista, no âmbito da alta cúpula do governo, manifestando-se todos os investigados que dela tomaram parte no sentido de validar e amplificar a massiva desinformação e as narrativas fraudulentas” sobre as eleições e as instituições.

As investigações da PF também miram integrantes da caserna que participaram do primeiro escalão do governo Bolsonaro. É o caso do general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente em 2022.

Contra ele pesa a acusação de incitar contra membros das Forças Armadas que não aderiram ao plano de golpe. Mensagens revelam que ele ordenou críticas aos então comandantes do Exército e da Aeronáutica por recusarem colocar as tropas à disposição da trama.

Em conversas, Braga Netto aparece orientando o ex-capitão Ailton Barros, cinco dias após a diplomação de Lula, a “viralizar” ataques ao general Tomás Paiva, que desde o ano passado é o comandante do Exército. Outro alvo foi Freire Gomes, que comandou a Força nos dois últimos anos da gestão Bolsonaro, a quem o ex-ministro se referiu como “cagão”.

Outro personagem diretamente implicado nas investigações é Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa. Segundo a PF, ele teria manipulado o relatório da pasta sobre o sistema eleitoral, adiando a divulgação depois de não identificar vulnerabilidades nas urnas eletrônicas.

Após o fim das apurações, um relatório será apresentado ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, que poderá protocolar ou não denúncias no STF contra os envolvidos no caso.

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