Entrevistas

O que espera da eleição na Argentina o CEO do instituto que acertou o resultado do 1º turno

Em conversa com CartaCapital, Andrei Roman, da Atlas Intel, destaca o papel de indecisos e chama a atenção para a estrutura de mobilização peronista

Javier Milei e Sergio Massa, ex-ministro da Economia, em debate na Argentina. Foto: Luis Robayo/Pool/AFP
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Responsável pelo Atlas Intel, um dos poucos institutos de pesquisa que previram a liderança do candidato Sergio Massa sobre Javier Milei no primeiro turno da eleição presidencial na Argentina, Andrei Roman acredita que o segundo turno, neste domingo 19, será acirrado.

Os eleitores indecisos – entre 5% e 6%, de acordo com Roman -, tendem a escolher o “mal menor”. Segundo ele, porém, a maneira como o peronismo usará sua estrutura de mobilização poderá ser decisiva na balança eleitoral.

Atlas Intel vem acompanhando de perto o pleito argentino. De acordo com a pesquisa mais recente do instituto, divulgada em 10 de novembro, Milei aparece à frente de Massa na preferência dos eleitores: 48,6% para o ultradireitista, contra 44,6% para o ministro da Economia. Nesse cenário, 2,8% disseram que votarão em branco, 2,6% afirmaram que não votarão e 1,6% dos eleitores projetam anular o voto.

Nesta última semana eleitoral, os institutos não podem divulgar levantamentos, por determinação legal. Isso não significa que as intenções de voto não oscilem, especialmente em uma disputa tão acirrada.

O último debate entre os dois candidatos foi realizado no domingo 10, mas a impossibilidade de publicar pesquisas não permite saber o impacto real da atração televisionada sobre os eleitores.

Para esclarecer esses e outros pontos relevantes na reta final da eleição na Argentina, CartaCapital conversou com o chefe do Atlas Intel. Leia os destaques da entrevista:

CartaCapital: Como o debate do último domingo pode ter impactado os eleitores indecisos?

Andrei Roman: O impacto do debate foi quase irrelevante. Isso é muito surpreendente, visto que Sergio Massa ganhou de maneira bem contundente. Dominou o debate do começo ao fim. Em certas partes do debate, parecia mais que era uma espécie de entrevista que o Massa estava fazendo do Milei, que apenas estava respondendo mecanicamente às perguntas do ministro da Economia.

Mesmo Milei tendo perdido de forma categórica o debate, isso parece ter impactado pouco, olhando as nossas pesquisas de alta frequência. Talvez a razão disso seja, de um lado, a grande polarização do eleitorado, além do fato de que o eleitorado mais vulnerável ao debate tem um perfil mais moderado. 

Para esse último eleitorado, o principal risco para Milei era que ele se apresentasse como um candidato que gera medo. Mas, no contexto do debate, a gente viu uma versão completamente nova de Milei: acuado, defensivo e pedindo desculpas por ofensas ao Papa. Ele explicou, por exemplo, que o corte nos subsídios, caso seja feito, será apenas de maneira gradual.

CC: Quais motivos fazem o voto estar tão cristalizado na Argentina? 

AR: De um lado, tem uma sedimentação muito clara do apoio e da rejeição ao atual governo. Há, por exemplo, a sedimentação da base peronista. Mesmo em um contexto de desaprovação gigante do governo – 80% de desaprovação -, há apoio ao peronismo. O resultado de Massa no primeiro turno (quase 37% dos votos), comparado com o dado de desaprovação, quer dizer que uma grande parte do eleitorado que rejeita o governo adere a Massa simplesmente por causa da identidade política, enquanto peronista.

A mesma coisa acontece com o antiperonismo e o antikirchnerismo. Em termos de cristalização, uma parte do eleitorado, em torno de 20% a 25%, tem uma imagem negativa tanto de Milei quanto de Massa. Nesse segmento, também existe uma cristalização. A grande maioria desses eleitores já optou por um ou pelo outro, mas eventuais mudanças de intenção de voto podem acontecer, à medida que os eleitores busquem um “mal menor” entre os candidatos de que não gostam. 

Nisso, cabe a avaliação do que é mais perigoso: a continuação de uma política econômica que deu muito errado, com inflação, desvalorização do peso e aumento da pobreza; ou o perfil de Milei, com o seu estilo agressivo e suas propostas polêmicas. 

As propostas de Milei não são aprovadas pela maioria do eleitorado, a exemplo do porte de armas e da flexibilização sobre a venda de órgãos. A dolarização também não é um tema com apoio majoritário na Argentina. 

Toda essa equação pode ser volátil até a última hora. Eu diria que vamos ter, provavelmente, uma eleição bastante acirrada, com uma margem estreita, seja quem for ganhar. É difícil que isso mude, porque o universo de eleitores indecisos é relativamente pequeno. Eu diria que é um universo de não mais que 5% ou 6% do eleitorado.

CC: Desde o primeiro turno, há uma dúvida sobre como os eleitores da ex-candidata Patricia Bullrich se dividirão. Como você enxerga esse cenário?

AR: A imensa maioria votará em Milei. O perfil é muito claro: antikirchnerista, antiperonista, de direita. Mesmo sem o apoio de Bullrich, a grande maioria já votaria em Milei. Com o apoio explícito dela e do ex-presidente Mauricio Macri, esse cenário se define com uma clareza ainda maior.

Pelas nossas estimativas, mais de 70% dos eleitores de Bullrich no primeiro turno votarão em Milei. Menos de 15% votarão em Massa. Entre os outros 15% que não têm uma opção clara nas nossas pesquisas, tudo indica que eles, provavelmente, vão definir o voto pró-Milei. 

CC: De que forma as últimas horas podem definir a eleição? Quais fatores podem contribuir para uma mudança de voto?

AR: Um aspecto muito importante do comportamento eleitoral na Argentina tem a ver com máquinas políticas. Principalmente, a máquina política do peronismo e do kirchnerismo. É uma máquina altamente resiliente, construída ao longo de quase um século, e que não tem rival na direita, ainda mais no movimento La Libertad Avanza, de Milei, que é recente e algo amador.

Eu diria que a mobilização do peronismo, em termos de transportar eleitores para os locais de votação, para distribuir bens, serviços e favores, é uma prática clientelista que os peronistas usaram ao longo do tempo. Não necessariamente para comprar votos. É, principalmente, compra de mobilização e de participação. Isso está documentado na literatura acadêmica.

Isso faz com que um dado que não está bem refletido nas pesquisas possa impactar no dia da eleição: a força da estrutura peronista. Esse é, talvez, o elemento mais importante que pode contribuir para uma surpresa no resultado da eleição.

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