Economia

Como Massa tenta convencer os argentinos de que derrotará a inflação, um drama sem igual

Resta a dúvida: um programa racional e um chamado à ‘unidade nacional’ serão suficientes contra as ideias incendiárias de Milei?

Propaganda de Sergio Massa em Buenos Aires, em 17 de novembro de 2023. Foto: Juan Mabromata/AFP
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O ministro da Economia e candidato do peronismo à Presidência da Argentina, Sergio Massa, enfrenta o desafio de convencer a população de que é capaz de debelar o mais dramático problema do país: uma inflação estratosférica.

Índices de dois dígitos são a regra no país na última década, mas a situação se agudizou nos últimos sete anos. Ema 12 meses até outubro, a taxa chegou a 143% – muito longe da hiperinflação de 3.000% no fim dos anos 1980, mas ainda assim gravíssima.

A carestia ajuda a explicar o fato de a pobreza alcançar 40% dos argentinos, apesar de a taxa de desemprego ser de apenas 6,2%.

Enquanto o ultradireitista Javier Milei recorre a ideias incendiárias e de difícil execução, como a dolarização da economia e o fim do Banco Central, Massa tenta vencer a eleição mantendo os pés no chão e convocando um governo de unidade nacional.

Mas, na prática, como o peronista espera derrotar a inflação?

Com frequência, ao explicar por que não conseguiu resolver o problema como ministro, Massa cita os efeitos da seca histórica que se abateu sobre a Argentina até o início de 2023, a impactar diretamente as exportações do campo.

Massa planeja cortar a inflação pela metade em 2024 e buscar um superávit fiscal e comercial, aos moldes do que conquistou o ex-presidente Néstor Kirchner no início dos anos 2000.

Em entrevista nesta semana à emissora TN, o ministro-candidato estabeleceu seus três principais objetivos a partir de 10 de dezembro, data em que tomará posse como presidente, caso vença o segundo turno neste domingo:

“Melhorar a renda, reduzir a inflação e alcançar o superávit fiscal”.

A lógica do raciocínio é que a recuperação dos salários está intimamente ligada à queda na inflação. “Teremos uma maior recuperação da renda no ano que vem porque reduziremos a inflação para menos da metade. Vamos fortalecer nossas reservas com o programa de aumento de exportações.”

Questionado diretamente sobre a inflação acima dos 100%, Massa repetiu o peso da seca: “São 5 bilhões de dólares que não foram arrecadados por causa da seca. O ano que vem será uma fortaleza”.

Mas o drama argentino, na avaliação de Massa, vai além de uma contingência meteorológica. Existe um fantasma macroeconômico a assustar o governo há anos: a dívida com o Fundo Monetário Internacional.

De fato, não é possível analisar a eleição de 2023 sem mencionar uma decisão do neoliberal Mauricio Macri que deixou a Argentina de joelhos diante do FMI. Em 2018, o então presidente contraiu um empréstimo de 57 bilhões de dólares com o órgão, uma fatura oferecida como “legado” ao governo de Alberto Fernández, integrado por Massa desde 2022.

A propósito, a disparada na inflação não começou sob o atual governo. A Argentina fechou 2014, ano anterior à eleição de Macri, com uma taxa de 23,9%. 

Confira os índices de cada um dos anos do governo de Mauricio Macri:

  • 2016: 26,5%
  • 2017: 25,7%
  • 2018: 34,3%
  • 2019: 53,5%.

Ariel Goldstein, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires e pesquisador no Instituto de Estudos Latino-Americanos e do Caribe, avalia ser “uma boa ideia” a proposta de construir um acordo de unidade nacional para enfrentar a inflação.

“Não é possível baixar a inflação na Argentina sem fazer um acordo muito amplo, com todas as forças políticas possíveis, para criar condições de estabilidade e de confiança”, disse o especialista a CartaCapital. “Na Argentina, o problema da inflação não é somente econômico, mas político e social, de expectativa das pessoas.”

No país, diz Goldstein, a população sempre parte do pressuposto de que a inflação subirá.

“Se Massa conseguir fazer um acordo nacional, dando espaço no gabinete para figuras de outras forças políticas, será um caminho que pode dar certo. Não consigo imaginar outro caminho para estabilizar a situação na Argentina.”

Outro eixo do plano de Massa para estancar a sangria envolve reduzir os gastos públicos. Ele mencionou recentemente a ideia de promover “uma mudança muito forte na administração pública”, por exemplo, por meio da unificação de empresas, além de outras medidas para “tornar mais eficientes as contratações do Estado”.

A plataforma oficial da coalizão de Massa, Unión por la Patria, também ressalta para o ano que vem a expectativa com a exploração de grandes reservas de lítio. No setor energético, há uma citação aos recursos de Vaca Muerta, com suas reservas de gás xisto.

Nesse intrincado xadrez político, a eleição entre Massa e Milei é uma das mais acirradas desde 1983, quando a Argentina retornou à democracia após uma brutal ditadura militar.

No primeiro turno, o peronista foi o mais votado, com quase sete pontos de vantagem sobre o ultradireitista. O resultado deste domingo, no entanto, tende a ser mais apertado.

Uma pesquisa Atlas Intel divulgada em 10 de novembro apontava Milei com 48,6% das intenções de voto, contra 44,6% de Massa. O levantamento, contudo, foi realizado antes do último debate entre os candidatos, no domingo passado.

Na quinta-feira 16, no encerramento de sua campanha, em uma escola secundária de Buenos Aires, Massa fez um apelo: “O desafio mais importante que temos, e eu pessoalmente, é que, diante de tanta antipolítica, os argentinos voltem a acreditar. É a maior montanha que temos de atravessar. Não se atravessa apenas ganhando uma eleição. A recuperação da confiança é obtida ao cumprirmos cada um dos compromissos que assumimos durante a campanha”.

Faltam poucas horas para descobrir se o chamado à racionalidade contra um salto no vazio surtirá o efeito esperado pelos peronistas.

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