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As principais instituições públicas que Javier Milei promete fechar na Argentina

De órgãos estatais a empresas e instituições educacionais públicas, o rival ultralibertário do peronismo bravateia reviravoltas no setor

O ultradireitista argentino Javier Milei. Foto: Luis Robayo/AFP
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Principal nome da oposição nas eleições presidenciais da Argentina, o ultralibertário Javier Milei já prometeu que, caso as vença, fará valer seus ideais. Órgãos públicos, empresas e universidades públicas estão na mira do candidato, que medirá forças com o peronista Sergio Massa no próximo domingo 19.

As promessas de Milei têm ligado o alerta, especialmente, no funcionalismo público argentino. Nas ruas de Buenos Aires, capital do país, os prédios dos principais órgãos administrativos vêm sendo tomados de cartazes e manifestações em apoio a Sergio Massa. 

Os protestos acontecem, principalmente, no centro portenho, onde se concentra a maioria das sedes dos ministérios e dos órgãos estatais. Nessa mesma região, que circunda a Casa Rosada e vai até o Congresso, quase não é possível encontrar material da campanha de Milei.

Milei, sempre quando questionado, parte da premissa de que o Estado argentino é um problema, e que, para resolver a perene crise econômica, é preciso reduzir o seu papel e o seu tamanho. Analistas políticos, principalmente na Argentina, cruzam opiniões para tentar medir quais poderiam ser os reais efeitos da implementação práticas das ideias de Milei, caso ele venha ser o próximo presidente.

No final das contas, o que Milei realmente pretende acabar na Argentina? 

Banco Central

O órgão mais importante que Javier Milei já prometeu que vai acabar é o Banco Central. Nesta semana, um vídeo divulgado nas redes sociais mostrou o libertário, literalmente, destruindo, com machado à mão, a sede fictícia da principal entidade monetária da Argentina. O vídeo é de 2021, mas foi requentado nesta última semana de campanha presidencial. 

O Banco Central da Argentina é responsável pela política monetária do país. Ele foi criado ainda na década de 1930, mas seu horizonte de atuação só foi elevado ao nível nacional nos anos 1940. O BCRA, como é conhecido, é uma entidade autárquica e, basicamente, trabalha para tentar fornecer estabilidade monetária à Argentina. 

O fato de ser “autárquico” não significa que o BC argentino seja totalmente “autônomo”. Essa dubiedade é um fator importante nas funções do órgão argentino. Com uma particularidade: o Banco Central argentino financia o Tesouro Nacional e emite títulos próprios, chamados de Leliqs.

Ato final da campanha de Sergio Massa à Presidência da Argentina, em 16 de novembro de 2023. Foto: Maximiliano Vernazza/Ministério da Economia da Argentina/AFP

Conhecido como o “banco dos bancos”, o BC deve buscar valorizar a moeda nacional. Como o peso argentino, nos últimos anos, vem perdendo muito valor – especialmente, frente ao dólar -, as críticas de Milei se referem à função. 

De acordo com dados do próprio BC, o órgão público conta, atualmente, com 17.403 empregados no âmbito nacional. Outras 182 pessoas trabalham para o BC argentino no exterior. Para que se possa ter uma medida de  comparação com o Brasil, o BC brasileiro tem, atualmente, pouco mais de 3 mil servidores ativos, embora exista previsão de que esse número possa aumentar nos próximos anos.

Na última quinta-feira 16, os funcionários da entidade argentina fizeram um ato contra a proposta de fechamento. A ação foi realizada em frente à sede do BC, no centro de Buenos Aires. Segundo o secretário do organismo que representa os funcionários, Sergio Palazzo, a ideia de fechamento é uma renúncia “à soberania monetária e financeira e à soberania em matéria de comércio exterior e interno”, além de que poderia facilitar “operações de lavagem de dinheiro”.

Há poucos países no mundo, de fato, que não possuem a figura do Banco Central. Andorra, Micronésia, Mônaco, San Marino e Zimbábue são alguns deles. 

Venda de empresas públicas 

Cumprindo a cartilha do seu plano de reformar o Estado por meio de uma guinada liberal, Milei já disse que pretende privatizar as empresas que considera “deficitárias”. Não é possível, ainda, precisar a lista exata de empresas públicas que Milei, caso eleito, tentará passar à iniciativa privada. Ainda assim, o candidato já sinalizou como pretende tratar algumas das principais empresas públicas.

A primeira delas é a Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), a maior petroleira do país. A YPF explora, refina e comercializa petróleo, gás natural e derivados. Ela é uma sociedade mista, sobre a qual o Estado argentino participa com 51% das ações. A empresa completou um século no ano passado.

“Primeiro tem que racionalizar. E, depois, se vende”, já disse Milei sobre a YPF. A questão é complexa: como grande empresa estatal, a YPF já abarcou, ao longo da história, aliados dos governos de ocasião, já passou por períodos de bonança e de números em queda, e sempre foi alvo de disputas sobre se deveria se manter estatizada ou ser entregue à iniciativa privada.

O encerramento da campanha de Javier Milei, em 16 de novembro de 2023. Foto: Diego Lima/AFP

Acontece que a YPF é a responsável pela exploração de petróleo em uma região conhecida como Vaca Muerta, na Patagônia. A descoberta de petróleo na região é recente (2010) e, desde então, a produção vem aumentando. No último mês de setembro, por exemplo, foram pouco mais de 300 mil barris de petróleo por dia.

Pese sobre Vaca Muerta o problema de que, para privatizar, Milei teria que encontrar uma brecha legal que o permita levar o projeto ao fim. Existe, nesse caso, uma questão de competência, uma vez que o território atravessa quatro províncias argentinas, de modo que o governo nacional não poderia, por decisão própria, privatizá-la.

Ainda sobre as principais empresas públicas argentinas, Milei já afirmou que pretende privatizar a maior companhia aérea do país, a Aerolíneas Argentinas. Nesta semana, o presidente da companhia, Pablo Ceriani, já se manifestou contra a ideia do libertário.

TV Pública e organismo de fomento ao cinema

Outro importante ator público que Milei já disse que pretende fechar é a Televisión Pública (TN). Fundada em 1951, ela é, por essência, a rede pública de televisão na Argentina. Os debates eleitorais para presidência nesta eleição, por exemplo, foram promovidos pela TV Pública. O órgão tem, atualmente, pouco mais de mil funcionários.

A ameaça de fechamento não vem só de Milei. Nesta semana, Lilia Lemoine, deputada eleita pela coalizão de Milei, La Libertad Avanza, ameaçou publicamente uma jornalista da TV Pública, dizendo que Milei iria fechar o órgão e que ela (a jornalista) deveria “procurar ser uma boa trabalhadora” para buscar emprego em outro órgão de imprensa. A Confederação General do Trabalho (CGT), principal agremiação de trabalhadores da Argentina, manifestou repúdio à fala da deputada. 

Ainda no campo da produção audiovisual, Milei já afirmou que pretende fechar o Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales (INCAA), que é o principal responsável por fomentar as produções cinematográficas da Argentina. 

A CartaCapital, Juan Landaburu e Guillermo Garma, gerentes do órgão, explicaram que essa é a primeira vez que um candidato presidencial com chances de chegar à Casa Rosada ameaça diretamente o INCAA, que, segundo eles, não possui problemas de receita e de financiamento.

Mudanças em universidades públicas e no sistema de educação

O discurso pró-mercado de Milei também recai sobre as universidades públicas. Até o momento, o presidenciável não indicou que deseja, caso eleito, fechar universidades públicas, mas as suas ideias podem levar a uma mudança sem precedente na dinâmica das instituições.

Basicamente, Milei defende que a educação a nível superior seja financiada, principalmente, por um sistema de “vouchers“. Em outros termos, o dinheiro do Estado deixaria de ir para as instituições e passaria diretamente para os alunos. Essa seria uma forma de fazer com que os próprios alunos possam escolher onde gostariam de estudar. O tema já chegou a ser discutido no Brasil, anos atrás.

“Um voucher é um elemento pelo qual cada aluno pode pagar a educação onde quiser. Só podem ser usados para educação e para a inscrição no colégio ou na universidade que o aluno preferir”, já indicou o libertário. Segundo ele, esse sistema seria capaz de promover uma lógica de mercado na educação, fazendo com que cada universidade possa “competir para ser a melhor e, assim, atrair os alunos”. 

Milei já admitiu que não pretende acabar com a educação pública, como mencionado, mas, segundo ele, a diferença é que o seu plano impediria a “doutrinação do Estado”. Acontece que, para remodelar a educação de uma forma tão grande, Milei precisaria, caso presidente, ser capaz de aprovar uma profunda reforma constitucional.

Segundo os dados mais recentes do Ministério da Educação da Argentina, referentes a 2022, o país tem 132 instituições universitárias. Do total, 66 são estatais (60 a nível nacional, 6 a nível estadual). 

Em junho deste ano, um informe do Ministério da Educação mostrou que o país possui cerca de 2,5 milhões de estudantes universitários, tanto a nível de graduação como de pós-graduação. O volume coloca a Argentina como o país com mais estudantes universitários por parcela da população da região: 557 estudantes para cada 10 mil habitantes, contra 408 do Brasil e 355 do Chile, de acordo com um estudo do Centro de Estudos da Educação Argentina (CEA), da Universidad de Belgrano, publicado em agosto.

Na última semana da campanha presidencial, o tema ganhou força após a Universidade de Buenos Aires (UBA) entrar em cena. Na última quinta-feira, o Conselho Superior da instituição aprovou e divulgou uma resolução que diz que “se essas políticas [de Milei] forem levadas à frente, a UBA teria que fechar suas portas”. 

Segundo a UBA, “essas propostas, expressas durante a atual campanha presidencial, atacam diretamente os princípios e convicções mais basilares” da instituição, que frisou que a educação deve ser “pública, gratuita e de qualidade”. 

A mudança de panorama sobre a educação poderá ser ainda mais ampla, uma vez que Milei já afirmou que pretende acabar com o Ministério da Educação. Segundo ele, a pasta, assim como os ministérios da Saúde, do Desenvolvimento Social e do Trabalho seriam convertidos em um só ministério, o de Capital Humano.

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