Justiça

Lenio Streck: ‘Fosse Bolsonaro qualquer outro cidadão, seria conduzido coercitivamente’

A CartaCapital, o jurista afirma que o ex-capitão tenta ‘esticar a corda institucional’ e ‘fazer um risco no chão’, em desafio às autoridades

O jurista Lenio Streck. Foto: Divulgação
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O presidente Jair Bolsonaro criou um fato político inédito na história do Brasil ao decidir ignorar a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que o obrigava a prestar depoimento à Polícia Federal nesta sexta-feira 28 sobre o vazamento de um inquérito. A ação do ex-capitão seria passível, inclusive, de uma condução coercitiva. A avaliação é de Lenio Streck, jurista, pós-doutor em Direito e professor de Direito Constitucional.

“Qualquer cidadão que não comparece, devidamente intimado, a um ato na polícia pode ser conduzido coercitivamente. O Supremo não proibiu condução coercitiva, disse somente que não se pode fazer condução coercitiva diretamente – ou seja, primeiro tem que intimar, como foi o caso do Bolsonaro”, explicou Streck em entrevista a CartaCapital.

Para o jurista, “fosse qualquer cidadão ele seria levado coercitivamente” a prestar depoimento. Segundo ele, no entanto, há duas correntes no Direito capazes de explicar os próximos passos. “A ‘ultraliberal’, que diz que se o sujeito tem direito ao silêncio, não precisa comparecer; e outra, mais ‘ortodoxa’, como no meu caso, que diz que ninguém pode se furtar a comparecer, devidamente intimado, à Justiça ou à Polícia, mesmo que lá possa permanecer em silêncio.”

De acordo com Streck, se vingar a tese “ultraliberal”, Bolsonaro pode ganhar um habeas corpus do STF – embora a Corte “devesse negá-lo, porque o presidente não tem esse direito”.

Acima de tudo, o jurista aponta que Bolsonaro deseja “esticar a corda institucional”, de forma deliberada. “Porque, se ele mesmo marcou e estava tudo nos conformes, jamais poderia desrespeitar a data. Isso é desrespeitar as instituições. Bolsonaro está fazendo um risco no chão, e isso é ruim para a democracia.”

Entenda o caso

Alexandre de Moraes negou o recurso apresentado pela Advocacia-Geral da União e manteve a data-limite para que Jair Bolsonaro (PL) preste depoimento à Polícia Federal sobre o vazamento de inquérito sigiloso da corporação.

A decisão responde a um recurso submetido pela AGU ao STF nesta sexta-feira 28, contra a ordem de que Bolsonaro prestasse depoimento à PF nesta tarde.

Em decisão na quinta-feira 27, o ministro do STF havia mandado Bolsonaro depor na Superintendência da PF no Distrito Federal para esclarecer o vazamento de um inquérito que apurava uma invasão hacker no sistema eleitoral em 2018.

Bolsonaro divulgou o inquérito em uma entrevista à Jovem Pan, no ano passado, para levantar suspeitas de que as urnas eletrônicas não seriam confiáveis, mas não apresentou comprovações de que o resultado do pleito foi alterado. O Tribunal Superior Eleitoral também negou ocorrências de fraude.

A AGU declarou na quinta-feira 27 que o vazamento da data-limite para o depoimento “repercute em constrangimentos” a Bolsonaro, “uma vez que cria expectativa e interesse da imprensa, que já lhe aborda com perguntas para maiores detalhes sobre a aludida oitiva e aspectos correlatos do inquérito”.

O ministro do STF, no entanto, considerou que houve concessão de “oportunidade de prévio ajuste de local, dia e hora”, mas que o investigado “não interpôs qualquer recurso no prazo processual adequado”.

Moraes argumenta que, segundo a Constituição Federal, não está consagrado o “direito de recusa prévia e genérica à observância de determinações legais” ao investigado ou réu, e que a mudança de posição pela AGU “não tem o condão de restituir o prazo processual para interposição de recurso.

A Polícia Federal já afirmou que Bolsonaro teve “atuação direta, voluntária e consciente” na prática do crime de violação de sigilo funcional, que é a divulgação de documentos sigilosos aos quais teve acesso em razão de seu cargo, em conjunto com o deputado bolsonarista Filipe Barros (PSL-PR).

O relatório parcial foi enviado em novembro pela PF a Moraes. No documento, que estava sob sigilo até a quinta 27, a corporação pediu autorização para tomar o depoimento do ex-capitão.

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