Justiça
Juristas veem como temerária a decisão do STJ de afastar Witzel
Na visão de especialistas ouvidos por CartaCapital, é perigoso que um ministro, sozinho, possa afastar um governador
O ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ordenou nesta sexta-feira 28 o afastamento do governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel (PSC).
A decisão ocorre no bojo da operação Favorito, que apura desvios na saúde e mira também a alta cúpula do estado.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) chegou a pedir a prisão preventiva do governador, mas o STJ não acatou. Como medida alternativa, o ministro Benedito Gonçalves suspendeu o mandato de Witzel por 180 dias.
Os termos do afastamento têm sido criticados por advogados e juristas. Na visão de especialistas ouvidos por CartaCapital, é temerário que um ministro, sozinho, possa afastar um governador.
“Governadores são afastados por impeachment e não por cautelar substitutiva de prisão preventiva”, avalia Lenio Streck, procurador aposentado e professor de Direito Constitucional.
A Constituição estadual do Rio prevê que, em caso de crimes de responsabilidade, o afastamento do governador só pode ocorrer após a abertura de um processo pela Alerj. Em 2017, contudo, o STF derrubou a necessidade dessa autorização prévia.
Um dos mais atuantes defensores das garantias penais, o advogado Marco Aurélio de Carvalho avalia que a decisão da Corte sem receber a denúncia pode ser um precedente perigoso.
“Afastar um governador sem uma denúncia recebida é ignorar completamente o rito correto. Hoje, é com o Witzel. Amanhã, pode ser com qualquer governador ou prefeito. Não se pode ser garantista só para uns “, diz Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas.
Os ministros do STJ podem, porém, decidir monocraticamente. O regimento interno do tribunal dá ao relator o poder de determinar cautelares antes de passar pelo colegiado. “Embora previsto na lei, é um precedente muito negativo”, critica Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.
Segundo ele, medidas como prisão e afastamento de cargo deveriam ser submetidas ao colegiado do STJ. “Temos que revisar e repensar esses poderes. Tenho feito essa crítica junto ao Supremo. Estamos começando a ter não onze ministros, mas onze tribunais”, completa.
A Corte Especial do tribunal vai analisar o caso na próxima quarta-feira 2.
Witzel é acusado pelos procuradores de “liderar uma sofisticada organização criminosa“. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), quatro entidades de saúde “ligadas a membros da organização criminosa” fizeram pagamentos suspeitos ao escritório de advocacia de Helena Witzel, esposa do governador. Em nove meses, o montante somou 554 mil reais. Para os investigadores, a empresa da primeira-dama foi contratada para “operacionalizar a prática de corrupção e posterior lavagem de capitais”.
Além do casal Witzel, outras oito pessoas foram denunciadas por corrupção. Também foi preso hoje o pastor Everaldo Pereira, presidente do PSC.
Witzel atribuiu o afastamento a intenções políticas e prometeu recorrer ao STF. O governador se disse perseguido pela procuradora Lindora Araújo, próxima dos Bolsonaro, e sugeriu que seu afastamento pode estar ligado à indicação, em dezembro, do novo Procurador-Geral de Justiça.
“O processo penal brasileiro está se transformando em um circo”, disse, em coletiva na manhã desta sexta.
Witzel citou Michel Temer e o ex-governador petista Fernando Pimentel (MG) como alvos de processos políticos sem provas. Mencionou também o caso do ex-presidente Lula. “Não sou a favor ou contra Lula, mas o STF está concluindo que Moro foi parcial. Evitou que Lula disputasse a Presidência. Estou preocupado com caminhos do {aís.”
Consequências políticas
Eleito sob o tsunami bolsonarista e com a alcunha de ex-juiz federal, o governador se converteu em arqui-inimigo do presidente conforme se projetava como possível rival em 2022.
Em meio à pandemia e ao processo e impeachment, Witzel baixou o tom e passou a concentrar esforços em salvar o próprio mandato.
Para Ricardo Ismael, cientista político e professor da PUC-Rio, Witzel cometeu um erro grave ao, ainda sem consolidar uma marca na politica carioca, ensaiar voos nacionais. “Se confirmado o impeachment, a carreira política dele acaba”, diz.
Caso não consiga voltar ao cargo, as chances de evitar a queda são pequenas. “A reforma na secretaria [de Saúde] foi feita justamente para conseguir votos para impedir o processo. Fora do governo, a posição dele na Alerj [Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro] fica muito enfraquecida.”
Há uma outra questão: a linha sucessória. O vice-governador Cláudio Castro (PSC), substituto de Witzel, foi alvo de busca na operação de hoje. E o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), também.
Em caso de afastamento simultâneo do governador e do vice antes do segundo ano de mandato, a constituição estadual prevê novas eleições diretas.
A partir de 2021, indiretas, via assembleia. “As condições para escolha indireta são péssimas. Somente uma eleição direta poderia reestabelecer uma confiança mínima entre a sociedade”, afirma Ismael.
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