Justiça

A nova vitória de quilombolas da Bahia em tribunal da Inglaterra

O caso envolve a queda de braço entre as comunidades Bocaína e Mocó, localizadas em Piatã (BA), e a mineradora Brazil Iron

A nova vitória de quilombolas da Bahia em tribunal da Inglaterra
A nova vitória de quilombolas da Bahia em tribunal da Inglaterra
Felipe Abreu/Associação Quilombola Bocaina/Divulgação
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A Justiça da Inglaterra entendeu que comunidades quilombolas brasileiras podem acionar a Corte em busca de reparação por danos morais e ambientais causados por empresas britânicas. Uma sentença do tribunal proferida nesta sexta-feira 14, à qual CartaCapital teve acesso, abre caminho para a análise de ações movidas por mais de 100 quilombolas.

O caso envolve a queda de braço entre as comunidades Bocaína e Mocó, localizadas em Piatã (BA), na parte mais alta da Chapada Diamantina, e a mineradora Brazil Iron. Os povoados são vizinhos às minas de extração de ferro da empresa britânica, instaladas em 2011. Em nota, a empresa disse que recorrerá (veja a íntegra abaixo).

Desde a chegada do empreendimento, moradores denunciam os impactos socioambientais provocados pela atividade e, em setembro do ano passado, acionaram a Justiça da Inglaterra em busca de reparação, já que a sede da mineradora está em Londres. Os quilombolas contam com o apoio do escritório de advocacia Leigh Day.

Na ação, eles relataram que o som das dinamites utilizadas para extrair o minério de ferro passou a embalar o cotidiano da comunidade e que o impacto das bombas formou rachaduras nas casinhas de barro. A poeira levantada pela explosão das minas também provocou danos à sáude, argumentam. Há ainda queixas de que, ao desviar um córrego, a empresa teria privado os quilombolas do acesso a água.

Uma vistoria da Secretaria de Saúde da Bahia confirmou que, devido à mineração, as duas comunidades corriam risco de doenças físicas e mentais e que a água na área ficou imprópria para consumo humano. O Inema, órgão fiscalizador do governo baiano, constatou ao menos 15 infrações no empreendimento, cujas atividades foram suspensas em 2023.

À Justiça britânica, a Brazil Iron alegou que o foro mais apropriado para o caso seria um tribunal brasileiro. Os quilombolas argumentaram, contudo, que havia risco real de não serem capazes de obter representação legal e acesso à Justiça no Brasil.

O juiz concordou e decidiu que o caso deveria ser ouvido em um tribunal inglês. Em decisão anterior, ele havia proibido que representantes da mineradora mantivessem contato com os quilombolas. A determinação decorreu de relatos de intimidação para recuar no processo na Inglaterra.

“Lutamos por anos para que as reclamações contra a mina fossem tratadas localmente, sem sucesso. Estamos felizes que o direito de prosseguir com suas reivindicações na Inglaterra tenha prevalecido. É essencial que as empresas britânicas sejam responsabilizadas por danos ambientais causados ​​por suas operações”, celebrou Richard Meeran, sócio da Leigh Day.

Leia nota divulgada pela Brazil Iron sobre o tema:

A Brazil Iron reafirma sua convicção de que a jurisdição brasileira é legítima e adequada para avaliar a questão em sua totalidade. A empresa irá recorrer da decisão proferida pela corte inglesa.

Em sua decisão, o próprio juiz do caso reconhece o risco de decisões conflitantes com os processos em andamento no Brasil e afirma que: “como as questões centrais do caso (operação da mina, regulamentação e impacto ambiental) estão diretamente ligadas ao Brasil, a maioria das evidências relevantes estará lá. Isso fortalece o argumento de que o caso deveria ser julgado no Brasil.”

A decisão também destaca que: “A aplicação da lei brasileira, a necessidade de especialistas brasileiros, as diferenças entre os sistemas jurídicos e as questões culturais específicas (como o status Quilombola) favorecem fortemente a jurisdição dos tribunais brasileiros.”

O sistema jurídico brasileiro tem plena competência para analisar e julgar este caso, com um ordenamento jurídico robusto para questões de responsabilidade ambiental. As instituições brasileiras, incluindo o Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Defensoria Pública, o Ministério Público e outros órgãos de proteção, detêm as ferramentas necessárias para assegurar a aplicação da lei.

É preocupante que uma questão envolvendo brasileiros, sobre um empreendimento localizado em território nacional, contra empresa regularmente instalada e registrada no Brasil, seja julgada por um tribunal inglês. Esse tipo de decisão desmerece a advocacia brasileira.

A Brazil Iron segue firme em seu propósito de liderar soluções inovadoras e socioambientalmente responsáveis para a mineração, reforçando o papel da Bahia e do Brasil na cadeia global de fornecimento de aço verde por meio de seu multiprojeto na Bahia, que receberá investimentos de mais de US$ 5 bilhões para gerar empregos e prosperidade para o povo baiano.

A empresa mantém sua posição de que não causou danos às comunidades locais, refutando veementemente as alegações. A Brazil Iron reitera seu compromisso com a saúde e o bem-estar da população, evidenciado pela disponibilização de equipes médicas e tratamento integral gratuito para qualquer pessoa que apresentasse problemas de saúde. Essa medida proativa demonstra a responsabilidade da companhia e seu respeito pelas comunidades em que opera, reforçando a confiança na lisura e nas boas práticas de suas atividades.

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