Observatório do Banco Central

Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro

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Morte ao dinheiro vivo

O fim do papel-moeda, substituído pelo dinheiro digital rastreável, é a solução já encaminhada em países vanguardistas, como a China e a Suécia

Bolsonaro ri enquanto recebe uma das muitas medalhas que distribuiu a aliados e familiares no seu governo. Foto: Carolina Antunes/PR
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Juliana Dal Piva, no livro “O Negócio do Jair: A História Proibida do Clã Bolsonaro” (Zahar; 2022), lembra: o filho 01, ao se candidatar a deputado estadual em 2002, estava no segundo ano de Direito da Universidade Cândido Mendes. Seu único emprego fora de funcionário-fantasma na Câmara dos Deputados: ele lhe rendera ao longo daquele ano um total de R$ 56.548,63. Na lista de bens, um Gol 1.0 turbo, ano 2001, no valor de 25,5 mil reais. Morava com a mãe, em apartamento na Vila Isabel, quitado com dinheiro vivo.

De 2001 para 2020, a vida de todos no clã passou por uma enorme transformação. Depois de quatro mandatos na Alerj, assim como seus irmãos foram eleitos para ser vereador e deputado, o 01 conquistou uma cadeira no Senado pelo RJ e sua lista de bens também era outra, incluindo carros, imóveis, algumas aplicações, além de 50% de uma franquia da loja de chocolates Kopenhagen, suspeita de lavagem de dinheiro. 

Registrava um total de mais de 4 milhões de reais até o início de 2020. Mas, em 23 de novembro de 2020, adquiriu uma luxuosa mansão de 1,1 mil metros quadrados de área construída com valor total de 5,7 milhões de reais no Lago Sul, em Brasília. 

Foi investigado e acusado pelo MP-RJ de liderar uma organização criminosa e desviar 6,1 milhões de reais da ALERJ. Desde 1988, não seria permitido nomear parentes para cargos comissionados, devido à necessidade de impessoalidade no serviço público, como consta da Constituição de 1988, artigo 37. Sem trabalhar ficavam com 10% do recebido.

No entanto, segundo Juliana Dal Piva, o grupo de 102 pessoas fidelizadas ao clã obteve no período no qual esteve nomeado, em algum dos anos entre 1991 e 2018, uma riqueza de 80 milhões de reais, em valores atualizados pela inflação. Já entre os assessores-fantasmas os valores de salários recebidos alcançaram 36 milhões de reais corrigidos.

Por causa do intervencionismo do chefe do clã, em nomeação para o Poder Judiciário, e da servidão voluntária de alguns simpatizantes ideológicos no STJ, por ora, “as rachadinhas terminaram em (pedaços de) pizza”. Nesse caso, para haver justiça, o próximo julgamento eleitoral da opinião pública deve substituir o julgamento judiciário.

Como combater a formação de quadrilha para cometimento dos crimes de peculato (mau uso do dinheiro público) e lavagem de dinheiro (uso da verba desviada em espécie para comprar imóveis, carros, pagar contas pessoais), ocultando sua origem ilegal? Com a morte do dinheiro vivo!

O fim do papel-moeda, substituído pelo dinheiro digital rastreável, é a solução já encaminhada em países vanguardistas como a China e a Suécia contra o “dinheiro sujo” do crime organizado. O Yuan digital, ou eCNY, é uma moeda virtual usada em um aplicativo como carteira digital a substituir o papel-moeda circulante na China. 

Ao contrário de criptomoedas como Bitcoin, ela não é privada nem descentralizada, para servir ao crime, pois o controle de sua emissão é feito pelo Banco do Povo da China. O Yuan digital garante anonimidade para algumas informações das transações, mas permite a Polícia e a Justiça ter mais visibilidade sobre praticantes de atividades ilegais. 

Na Suécia, em fevereiro de 2020, o Riksbank iniciou os testes da primeira moeda digital de um Banco Central no mundo. A e-krona não é uma criptomoeda, mas é sim a chamada CBDC (Central Bank Digital Currency). Representará a moeda fiduciária tradicional, emitida e supervisionada pelo gestor do risco soberano da moeda nacional de um país, em formato digital.

Diferentemente do Pix – uma ordem de transferência de depósitos à vista –, o CBDC será estritamente substituto do papel-moeda. Resta ver como a política monetária administrará a convivência entre ambos: seu “vazamento” controlará o maior potencial do multiplicador endógeno em um sistema monetário-bancário todo digitalizado?

Quem busca “fazer a América” resiste ao seu país se tornar uma sociedade sem dinheiro em espécie, a chamada cashless Society, em nome da privacidade. Na verdade, o sonegador defende a liberdade de negócios escusos. Seu caráter imoral, oculto ou suspeito é revestido com a bandeira ideológica em defesa do livre-mercado. 

É similar à confusão oportunista da liberdade de expressão com o suposto direito de atacar as instituições democráticas e enquadrar os demais Poderes da República. O líder do clã alveja o Tribunal da Justiça Eleitoral ao já justificar sua prevista derrota.

Quem não deve, não teme. Nova riqueza financeira, capaz de multiplicar a economia de escala com crédito, no futuro ocupará o lugar de riqueza imobiliária especulativa sem geração de empregos. Haverá consequência não só sobre o mercado financeiro, mas também sobre o mercado imobiliário ao diminuir a lavagem do dinheiro sujo. 

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