Observatório do Banco Central

Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro

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As luzes das ciências humanas hão de clarear os propósitos de um povo

Inspiraremos toda a nossa esperança na força da resistência democrática-popular

Foto: Sergio Lima / AFP
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Há dúvidas quanto ao futuro que muitas vezes parecem se desvelar pela simples observação do passado. Certas circunstâncias e condições históricas, por vezes, parecem revelar trilhas já percorridas. Nesse sentido, cumpre às ciências humanas papel crucial na explicação de fenômenos e processos sociais que nos fazem compreender o presente e nos fornecem algumas pistas sobre o futuro. Ao contrário do que se tem buscado fazer acreditar ultimamente no País, nós, cientistas sociais, não somos inúteis e muito menos idiotas. Talvez, o nosso faro, sempre atento aos sinais de fumaça, possa em muito incomodar àqueles que têm, por natureza ou devoção, um caráter incendiário. 

Há um pouco mais de um mês, no dia 27 de setembro deste ano, o Conselho Universitário da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) concedeu o título de professor emérito ao professor Luiz Gonzaga Belluzzo. Reconhecidamente um grande pensador da sociedade moderna e da economia mundial, as linhas subsequentes seguem a sua inspiração e referência. Na contraposição às recentes homenagens prestadas a capitães do mato e torturadores, presta-se aqui uma humilde reverência às luzes de um ilustre cientista.

No ano de 1990, o professor Belluzzo publicou um relevante artigo para o periódico acadêmico Economia e Sociedade, intitulado “O declínio de Bretton Woods e a emergência dos mercados globalizados”. Neste, o autor buscou conectar o passado ao presente que se apresentava, através da linha mestra do liberalismo econômico.

Introduziu-se, assim, a grande crise do capitalismo liberal dos anos 1930 e suas terríveis consequências para a vida de boa parte da humanidade como circunstâncias limítrofes ao caos social. O descompasso das leis econômicas de livre determinação dos mercados arrastou uma enorme massa ao desemprego, à pobreza e à fome. A incapacidade das democracias liberais europeias em gerar alternativas à urgência do que se vivia provocou enorme sensação de insegurança, servindo de substrato para a escalada da “brutalidade”, do “voluntarismo político” e da “centralização das decisões”.  

Assim, constatou o autor que, na grande crise mundial dos anos 1930, a sociedade europeia rebelou-se contra “a objetividade das leis econômicas” e “suas consequências funestas sobre as condições de vida dos indivíduos”, submetendo as normas econômicas às vontades do Fuhrer, com plenos poderes para supostamente atender às necessidades do povo. Nesse sentido, segundo Belluzzo, o nazifascismo foi um “monstruoso movimento populista” que representou, em sua essência, a “vingança do político contra as pretensões de autonomia do econômico”. 

Das circunstâncias elencadas, para Belluzzo, lição essencial deveria ser extraída da experiência negativa dos anos 1930, qual seja: “o capitalismo da grande empresa e do capital financeiro levaria inexoravelmente a sociedade ao limiar de outras aventuras totalitárias”. 

A era neoliberal iniciada nos anos 1970, após o interregno dos “anos dourados” de Bretton Woods e do Estado de Bem-Estar Social, avançou sobre os últimos decênios do século XX provocando enormes concentrações de renda e riqueza e desigualdade social. Novamente, os descompassos provocados pela norma da eficiência de mercado e da competição culminaram em outra grande crise estrutural do capitalismo, em 2007, que lançou milhões de vidas à miséria. A sanha provocada pelo desalento retornou, assim, às mentes e corações humanos.

Em artigo recente, tratando das circunstâncias provocadas pela crise do neoliberalismo, o professor Belluzzo denominou tal sentimento de “nostalgia do futuro”. Conforme o autor, esse sentimento “reflete as angústias que povoam as almas de homens e mulheres, pasmos diante de uma situação econômica e social que ronda ameaçadoramente suas vidas e as de seus filhos”. 

As “vítimas da miséria no mundo” buscam, assim, algum refúgio para suas frustrações. Em seu estado de incompreensão e cólera, para além de propostas e evidências científicas, torna-se essencial a reafirmação de suas “crenças, ideologias, visões do mundo, valores”. A sensação do medo, que segundo a psicologia, remete a mente humana à raiva passa a ser incorporada pela narrativa política de extrema direita. 

A fabricação de artifícios ideológicos, a preencher o desalento da razão humana, estabelece basilares anacrônicos e radicais sobre uma estrutura social desprotegida e frágil, sob a “nostalgia do futuro”. A antipolítica, o anticientificismo, o nacionalismo exacerbado e o moralismo são alguns dos componentes de um caldo de cultura reacionário que se expõe intolerante e violento. 

No Brasil, o fenômeno bolsonarista pouco tem de autêntico. Sua expressão básica nada mais é do que a importação de um método de cooptação de massas que se alimenta da angústia e do medo, e que busca incessantemente perverter a ordem institucional com a disseminação, em rede, de mentiras grosseiras e calúnias escabrosas, no feitio de teorias da conspiração. 

Enquanto isso, a pauta ultraneoliberal de retiradas de direitos sociais no Brasil, conformada na esteira da fricção econômico-política e do golpe das forças políticas sobre a ex-presidenta Dilma Rousseff, segue avançando. Tentando proteger-se em sua retórica demagógica “de costumes”, o governo Bolsonaro “passa a boiada” e, por sua essência belicosa e destrutiva, ainda se retroalimenta do próprio caos que causa.

Neste domingo, teremos a definição formal das eleições presidenciais de 2022. Novamente, inspiraremos toda a nossa esperança na força da resistência democrática-popular. As luzes das ciências humanas hão de clarear os propósitos de um povo sob a iminente ameaça da escalada autoritária e fascistóide proposta pelo clã de Bolsonaro.

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