Economia

Por que economistas conservadores apoiam Lula?

Seis economistas e professoras(es) de economia revelam suas opiniões sobre a convergência em torno do ex-presidente

Foto: Ricardo Stuckert
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*por César Locatelli

A candidatura do ex-presidente Lula à presidência tem conquistado a adesão de muitos que, durante e após sua gestão, lhe impuseram ferrenha oposição. Sobressaem-se os apoios de economistas que já ocuparam altos cargos da esfera federal em governos de outros partidos. Qual seria a razão de fundo para tal convergência? A esse propósito, opinam seis economistas e professoras(es) de economia com destacada participação no debate sobre os caminhos econômico-políticos do nosso país. A elas e eles foi colocada a pergunta: por que economistas conservadores apoiam Lula?

Tânia Bacelar (Universidade Federal de Pernambuco)

“Antes de serem economistas, essas pessoas são cidadãos brasileiros que abominam a força bruta de ambientes onde a democracia, mesmo frágil como a nossa, não prevalece. Pois, tendo formação ortodoxa na economia, são pessoas cultas, conhecem o mundo, sabem do potencial do país e, mesmo sendo da elite, não fazem parte daquela porção predadora da nossa natureza e troglodita, que infelizmente ainda temos.”

Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp, Facamp)

“Nas voragens do vendaval bolsonarista, os economistas liberais-conservadores se dispuseram a manifestar apoio à candidatura do ex-presidente Lula. Muitos deles sofreram as impertinências de minha companhia, quer nos encontros acadêmicos quer na convivência política.

Sempre carregadas de saudáveis e dubitativas inquietações, nossas árduas disputas travadas nos territórios da Ciência Triste não me impedem, senão me estimulam, a prestar um dever republicano. O dever de reconhecer em todos eles um inegociável compromisso com a democracia e com os princípios do liberalismo político.

Assim, estaremos prontos a renovar e reiterar nossas civilizadas divergências sob o manto da democracia.”

Liana Carleial (Universidade Federal do Paraná)

“Quaisquer das formas do liberalismo estão em descrédito no mundo. Os países que, no período pós-pandemia estão se recuperando, apostaram no poder do Estado, das políticas públicas e do investimento, para retomar o emprego e o mercado interno.

O liberalismo nunca deu certo na América Latina. Chile é exemplar. No Brasil, desde o experimento de que é preciso, ‘primeiro crescer para depois distribuir’, os liberais estão sempre sob suspeita. O grupo que, desde 2016, dá as cartas, não conseguiu mostrar sequer um êxito. Em que deu, por exemplo, a tal liberdade econômica? De reforma em reforma, o resultado foi perda de direitos, empregos, renda, aposentadoria e organização sindical. Agora querem ‘torrar’ mais uma possibilidade de futuro, tentando privatizar os serviços públicos brasileiros.

Desta vez, alguns economistas liberais estão declarando apoio à candidatura da Federação Brasil da Esperança, comandada por Lula e Alckmin. São bem-vindos. A missão coletiva é reconstruir o Brasil, cumprir a CF88, reinstalando o Estado Dirigente com o compromisso democrático de redução das desigualdades e de construção da nação brasileira, até agora inconclusa. Sem medo de ser feliz.”

Luiz Filgueiras (Universidade Federal da Bahia)

“Porque Bolsonaro, desde o início do seu governo, vem destruindo a democracia, a economia e o Estado de Direito por dentro, além de ameaçar executar um golpe de Estado clássico, tipo 1964, com a implantação de uma ditadura. E porque a frente ampla construída por Lula, para derrotar o fascismo e reconstruir a economia e o Estado brasileiros, contempla a possibilidade, em um eventual governo, de adoção de uma política econômica que incorpore, parcialmente, alguns pontos da visão ortodoxa.”

Esther Dweck (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

“As manifestações de apoio à Lula, já no final do primeiro turno e de forma ainda mais forte no início do segundo turno, marcam uma linha importante que muitos economistas brasileiros escolheram de forma contundente não atravessar. A linha que separa os dois candidatos nesse segundo turno é a linha da democracia, do respeito ao próximo, da possibilidade de discordar com civilidade e de barrar um processo destruição institucional que marcou o primeiro mandato do atual presidente.

Como é comum entre economistas, continuaremos a discordar teoricamente e nas escolhas de política econômica, mas estaremos nesse segundo turno lado a lado contra o obscurantismo e a barbárie. Todo apoio daqueles que defendem a nossa frágil democracia é bem vindo. Precisamos unir esforços contra um adversário que não tem qualquer escrúpulo, para podermos voltar a discordar em um ambiente mais construtivo e pacífico.”

João Machado (PUC-SP)

“Na minha opinião, a principal razão para vários dos economistas conservadores de maior peso intelectual, e mais respeitados por seus pares, apoiarem Lula é que defendem um regime constitucional e democrático. Sabem que a reeleição de Bolsonaro representaria uma grave ameaça até para o grau limitado de democracia existente no Brasil. Economistas conservadores são liberais na economia, e uma parte deles é também liberal na política e defende a democracia liberal – são muito diferentes de um economista conservador como Paulo Guedes, até hoje admirador da ditadura de Pinochet.

Na mesma linha, a parte dos economistas conservadores que apoia Lula defende algum pacto civilizatório, e se identifica com o establishment neoliberal que sabe que há uma perigosa destruição ambiental em curso, e que é preciso fazer alguma coisa para revertê-la (ainda que, neste plano, as medidas que têm sido propostas sejam muito mais limitadas do que seria necessário).

Finalmente, estes economistas sabem que os governos de Lula preservaram boa parte do arcabouço macroeconômico dos governos de Fernando Henrique Cardoso, e que as mudanças feitas não foram irresponsáveis do ponto de vista fiscal – de fato, a orientação macroeconômica dos governos Lula foi muito mais responsável, até por critérios conservadores, do que a gestão econômica do governo Bolsonaro.”

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