Observatório do Banco Central

Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro

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A crise do coronavírus mudou a política monetária dos banco centrais na América Latina?

A resposta para essa pergunta parece ser sim, ainda que a sua magnitude tenha sido mais limitada que nos países desenvolvidos

A auxiliar de enfermagem Zulema Riquelme foi a primeira a receber a vacina no Chile. Foto: Marcelo Segura/AFP
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Desde o início da pandemia, em 2020, estava claro para os economistas que os impactos dessa crise seriam bastante desafiadores para os países da América Latina. Essas nações, afinal, já apresentavam diversas vulnerabilidades, como uma alta taxa de emprego concentrada no setor informal, pouco espaço fiscal e uma estrutura produtiva altamente heterogênea e voltada principalmente para a produção de produtos primários. Todos esses fatores poderiam impedir uma ação mais efetiva para conter os prejuízos sociais e econômicos causados pela pandemia, levando potencialmente para um cenário catastrófico. 

Mas será que as medidas adotadas nesse período representaram uma mudança de paradigma na política econômica, particularmente na monetária, em relação à crise de 2008, quando os países latino-americanos adotaram políticas monetárias convencionais? 

A resposta para essa pergunta parece ser sim, ainda que a sua magnitude tenha sido mais limitada que nos países desenvolvidos.Apesar da forte saída de capitais e da desvalorização cambial ocorrida no período, a maioria dos países latino-americanos reduziu a taxa de juros a níveis mínimos históricos. No Brasil, por exemplo, a taxa de juros foi reduzida para 2,0% ao ano, enquanto no Peru, para 0,25%.

Pode-se dizer que esse movimento representou uma mudança de paradigma em relação a crise de 2008.  Pode ser considerado uma menor preocupação com o “medo da moeda flutuar”, termo cunhado pelos economistas Calvo e Reinhart, que evidenciaram que os países emergentes adotam na prática um regime cambial de flutuação com grande intervenção de seus bancos centrais. 

Um dos fatores que explica essa mudança é que esses países já experimentavam um ambiente de baixo crescimento econômico, que permitia menores pressões inflacionárias, oferta ampla de liquidez – com a atuação do Federal Reserve, inclusive com a reabertura das suas linhas de crédito em dólar para outros bancos centrais – além de medidas complementares como a redução de compulsórios das instituições financeiras, maior intervenção no mercado cambial e  fortalecimento da regulação bancária macroprudencial. 

A maior mudança de paradigma na atuação dos bancos centrais na América Latina durante a Covid-19, porém, apareceu na introdução inédita da chamada política monetária “não convencional”, alternativas não adotadas pela América Latina na crise de 2008, estando à época restrita a países desenvolvidos – dado que esse tipo de política normalmente se faz necessária quando a taxa de juros se aproxima do zero e a política monetária convencional perde sua eficácia.

Sob o argumento da necessidade de restabelecer a confiança dos investidores e corrigir possíveis desfuncionalidades no mercado financeiro, os banco centrais latino-americanos adotaram dois principais instrumentos: o “quantitative easing” ou “afrouxamento monetário”, no qual o banco central compra uma grande quantidade de títulos públicos e privados, de modo a afetar diretamente a ponta longa da curva de rendimentos (taxas de juros de longo prazo, que são as que afetam as decisões de consumo e produção dos agentes) e o “forward guidance” ou “prescrição futura”, um anúncio em que o banco central se compromete previamente a manter a taxa de juros estável sob determinado período de tempo. Ambas as medidas têm como objetivo atuar sobre as expectativas dos investidores e reduzir a taxa de juros desses títulos de longo prazo. 

Na América Latina, o“afrouxamento monetário” foi adotado, por exemplo, no Chile e na Colômbia, com a compra de 2,8% do PIB apenas em títulos privados e de 0,8% do PIB em títulos públicos e privados, respectivamente. O Brasil chegou a aprovar uma legislação durante a PEC do “Orçamento de Guerra” para atuar nesse sentido, mas não a implementou na prática. Contudo, adotou o segundo instrumento (“forward guidance”) entre agosto de 2020 e março de 2021.  

Deve-se ressaltar ainda, em linha com as medidas adotadas nos EUA, a utilização de política fiscal em diversos países, apesar das fortes restrições orçamentárias e o elevado grau de endividamento. Em alguns casos, como no Brasil, o volume de recursos fiscais superou as ações de política monetária, injetando na economia, só em 2021, cerca de R$ 300 bilhões através do programa de auxílio emergencial. Esse montante equivaleu a 4% do PIB de 2020.

Cabe assinalar que ainda não existem estudos centrados em avaliar o impacto dessas políticas na América Latina, mas alguns estudos empíricos do Banco de Compensações Internacionais (BIS) e do Fundo Monetário Internacional apontaram que a política monetária não convencional conseguiu ampliar o espaço de política econômica em países emergentes, ou seja, foi capaz de reduzir a taxa de juros dos títulos públicos de longo prazo, mas sem necessariamente afetar o câmbio de forma significativa. Entretanto, essa política foi utilizada de forma temporária, fator que impediu uma maior efetividade e com o aumento posterior das expectativas inflacionárias ao longo do tempo, os países da América Latina passaram a recorrer novamente ao aumento da taxa de juros, voltando para níveis próximos ao pré-pandemia.  

Concluindo, essa mudança de paradigma da política monetária, apesar de ser inicialmente positiva, esteve longe da abrangência alcançada nos países desenvolvidos. A preocupação agora seria que, com a volta da normalidade das altas taxa de juros que predominam na região, seu impacto ameace a tênue recuperação que se sucedeu com a reabertura da economia, contribuindo ainda para piorar os níveis de desigualdade social e pobreza. Voltamos ao “velho normal” da política monetária! 

 

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