Luiz Gonzaga Belluzzo

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Economista e professor, consultor editorial de CartaCapital.

Opinião

As lições monetárias da Primeira Guerra Mundial

Os déficits e os superávits tendiam a se tornar crônicos, em boa medida porque os países superavitários tratavam de trocar seus haveres em ‘moeda forte’ por ouro

Foto: Arquivo/Agência Brasil
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A maioria dos países saiu do primeiro conflito mundial com as finanças públicas destroçadas pelo financiamento das despesas militares, realizado basicamente por meio do endividamento e da emissão de ­papel-moeda inconversível. As dívidas de guerra e as reparações exigiram um esforço adicional de obtenção de recursos fiscais que as populações – principalmente as classes abastadas – não estavam dispostas a conceder aos governos.

Esmagada pelas reparações de guerra que lhe foram impostas pelo Tratado de Versalhes, a economia alemã sucumbiu à impossibilidade de gerar as divisas necessárias para servir o que lhe fora imposto. A fuga sistemática do marco para o dólar e a libra, as moedas-reservas do Gold ­Exchange Standard, disparou a hiperinflação e a necessidade de emissões monetárias do Reichsbank para “cobrir” a fuga desesperada da moeda nacional.

Em sua ressurreição, sob a forma do Gold Exchange Standard, o padrão-ouro foi incapaz de reanimar as convenções e de reproduzir os processos de ajustamento e as formas de coordenação responsáveis pelo desempenho anterior. O último país a declarar oficialmente sua adesão ao padrão-ouro foi a França, em 1928. Antes dela, entre 1923 e 1925, retornaram a Alemanha e seus companheiros de hiperinflação, Áustria, Hungria e Polônia. Esses náufragos da moeda destroçada foram socorridos pelos empréstimos de estabilização, concedidos, sobretudo, pelos bancos norte-americanos.

A volta mais aguardada era a da Inglaterra. Isso ocorreu em 1925, de forma inadequada. O estabelecimento da paridade da libra com o ouro no mesmo nível que prevalecia antes da guerra foi a causa de muitos dos problemas de coordenação que se apresentaram durante os conturbados anos 1920 e 1930.

Sob a forma modificada do Gold ­Exchange Standard, que permitia – diante da escassez de ouro – a acumulação de reservas em moeda “forte” (basicamente o dólar e a libra), esse arranjo monetário provocou assimetrias no ajustamento dos balanços de pagamentos e desatou, frequentemente, uma especulação causadora de instabilidade nos mercados financeiros. A decisão da Inglaterra, tomada em 1925, de voltar à paridade do perío­do anterior à guerra, era claramente incompatível com o novo nível de preços interno e tampouco reconhecia o declínio de seu poderio econômico e financeiro.

Os Estados Unidos saíram do conflito com créditos acumulados contra os países europeus e fortalecidos economicamente diante de competidores que tiveram suas economias destroçadas. A “sobrevalorização” da libra e a “subvalorização” de outras moedas, principalmente do franco, causaram, ao longo do tempo, o aprofundamento dos desequilíbrios do balanço de pagamentos e pressões continuadas sobre a moeda inglesa. As perspectivas dos mercados quanto à sustentação da paridade eram pessimistas e os ajustamentos entre países superavitários e deficitários não ocorriam.

Os déficits e os superávits tendiam a se tornar crônicos, em boa medida porque os países superavitários tratavam de trocar seus haveres em “moeda forte” por ouro. Os Estados Unidos, a França e a Alemanha­ acabaram por concentrar uma fração substancial das reservas em ouro, contribuindo para confirmar as expectativas negativas quanto ao futuro da libra.

Os capitais privados, principalmente de origem norte-americana, entre l925 e 1928, estimulados pelos diferenciais de juros (e ativos baratos) nos países de moe­da recém-estabilizada, em particular na Alemanha, formaram bolhas especulativas, ávidos em colher as oportunidades de ganhos de capital. O ciclo de “inflação de ativos” estrangeiros foi concomitante à rápida valorização das ações da Bolsa de Valores norte-americana. Essa onda de especulação altista, como não poderia deixar de ser, foi alimentada pela expansão do crédito nos Estados Unidos, onde as taxas de desconto ainda foram reduzidas, em 1927, para aliviar as pressões exercidas contra a libra.

O desastre que se seguiu foi consequên­cia da mudança de sinal da política monetária dos EUA, em meados de 1928. O Federal Reserve, preocupado com o aquecimento da economia e com a febre dos mercados financeiros, subiu a taxa de desconto, provocando o “estouro” da bolha especulativa em outubro de 1929. Os “grilhões dourados” do regime monetário tiveram grande responsabilidade na imobilização das políticas econômicas, determinando uma quase completa incapacidade de resposta e de coordenação dos governos da Europa e, ao menos até 1933, dos Estados Unidos.

Antes da eclosão da guerra Rússia-Ucrânia, o Federal Reserve, pressionado pela inflação norte-americana, prometia a elevação da policy rate e a redução dos estímulos monetários. Vai cumprir a promessa? A história não se repete, mas rima, já dizia Mark Twain. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1199 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Ontem e hoje”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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