

Opinião
Boulos: Todos os escândalos têm o DNA dos esquemas milicianos da família Bolsonaro
Não basta retirar o presidente, seus filhos e seus cúmplices do poder. É preciso que paguem por todos os males que fizeram ao País


A denúncia de que um pastor ligado ao Ministro da Educação negociou a propina de 1 quilo de ouro em troca da liberação de verbas culminou nesta semana na queda do ministro Milton Ribeiro. Somadas as pastas da Saúde e Educação, Bolsonaro acumula a marca inédita de sete ministros e zero iniciativas nacionais relevantes para o ensino público e o Sistema Único de Saúde. Um feito histórico.
A Polícia Federal abriu inquérito para investigar favorecimentos na liberação de recursos do ministério. Até a PGR, controlada pelo amigo Augusto Aras, até hoje calado sobre as investigações da CPI da Covid, afirmou ter identificado indícios dos crimes de corrupção passiva, tráfico de influência, prevaricação e advocacia administrativa. Foi apontado que o tráfico de influência era comandado nos últimos dois anos pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, sem nenhum cargo oficial no MEC. Transformaram um hotel e um restaurante em gabinete paralelo para liberar verbas da Educação a prefeitos do Brasil inteiro em troca de propinas.
As digitais de Bolsonaro estão nos crimes do MEC. Um levantamento mostrou que um dos pastores se reuniu quatro vezes com o presidente. Três desses encontros foram no Palácio do Planalto. A prova cabal foi a gravação que mostra o ex-ministro afirmando com todas as letras: “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar”. O próprio presidente disse que colocaria a cara no fogo por Milton Ribeiro. Dias depois, derrubou o ministro.
As revelações sobre os esquemas no MEC, ministério com orçamento de quase 140 bilhões de reais anuais, são mais um prego no caixão da imagem daquele que se elegeu à custa do lavajatismo e da manipulação do sentimento contra a corrupção. O quilo de ouro é só a cereja do bolo de lama de um governo que teve flagra de 30 mil reais na cueca do então vice-líder do governo no Senado, denúncia de um esquema de 1 bilhão de reais na compra das vacinas contra a Covid, compra de mansão do filho Flávio Bolsonaro no valor de 6 milhões de reais e inquérito de “rachadinhas” com 29 milhões em desvios de salários de assessores fantasmas.
Todos os escândalos têm o DNA dos esquemas milicianos da família Bolsonaro. Esquemas a conta-gotas, capazes de enriquecer individualmente, mas que passariam abaixo do radar de investigações sobre corrupção no País. O ouro pedido na propina, por exemplo, equivaleria hoje a algo em torno de 300 mil reais. É o tipo de corrupção de quem naturaliza a cobrança de taxas de gás e internet em comunidades, de quem faz grilagem e extorsão a moradores. Enfim, a corrupção miliciana que Bolsonaro, os filhos e amigos como Queiroz conhecem de perto há muitos anos. A diferença é que, agora, os milicianos ocupam o Planalto e negociam com novas mercadorias.
O ex-capitão opera os seus esquemas à boca pequena, valendo-se de intermediários para sequestrar a máquina pública
Bolsonaro opera seus esquemas à boca pequena, colocando intermediários que julga competentes na arte de sequestrar a máquina pública. Também conta com a assessoria técnica do experimentado Centrão para barganhar apoio político e implementar mecanismos de drenagem de recursos públicos. No início do seu governo, por exemplo, o MEC anunciou o edital de compra de 1,3 milhão de computadores com 3 bilhões de reais por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, controlado pelo Centrão. Mas era um esquema para acender os alertas até de quem não é acostumado a sentir o cheiro de maracutaia: uma única escola em Minas Gerais com 255 alunos receberia 30 mil notebooks. Seriam 117 equipamentos por aluno.
Mesmo com a captura das instituições de fiscalização e os sucessivos ataques contra a autonomia das investigações, várias revelações de corrupção deste governo foram feitas. O povo brasileiro vai conhecendo a posteriori o verdadeiro caráter daqueles que ganharam uma eleição em nome do “fim da mamata”. A reunião da propina do ouro foi revelada em março de 2022, mas ocorreu em abril de 2021. Quantas ocorreram desde então? Quantos quilos de ouro foram desviados das salas de aula de milhões de crianças brasileiras, indo parar nos paletós de mercadores da fé? O preço desses quatro anos de governo é incalculável.
A eleição de 2022 será duríssima, é verdade, mas com uma grande diferença em relação a 2018. Os heróis do “combate à corrupção” foram desmascarados em toda a sua hipocrisia. Sergio Moro teve suas decisões parciais anuladas e Lula – vendido pela Lava Jato e pela mídia como vilão nacional – foi absolvido de um processo após o outro. Bolsonaro e seus filhotes estão envolvidos até o pescoço com casos de corrupção no governo, fazendo com que o Brasil pudesse ver com nitidez o modus operandi da corrupção miliciana. Os moralistas sem moral estão nus diante da nação.
A batalha será em dois tempos. O primeiro é derrotá-lo nas urnas e virar a página do pesadelo dos últimos anos. Eleger Lula com a maior margem possível e neutralizar qualquer tentativa golpista que questione a vontade popular. A segunda será responsabilizar criminalmente a corja de milicianos que se apropriou da República. Não basta retirar Bolsonaro, seus filhos e seus cúmplices do poder. É preciso que paguem por todos os males que fizeram ao País, do genocídio na pandemia à milicianização do Estado brasileiro. •
*Coordenador Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, pré-candidato a deputado federal pelo PSOL e colunista de CartaCapital.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1202 DE CARTACAPITAL, EM 6 DE ABRIL DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Corrupção miliciana”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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