Observatório do Banco Central

Formado por economistas da UFRJ, analisa a economia suas relações fundamentais com a moeda e o sistema financeiro

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O Banco Central reconhece lhe restar como única política a disparidade dos juros

Visa atrair capital especulativo, apreciador circunstancial da moeda nacional. Almeja uma nova depressão deflacionária, como a ocorrida em 2020, contando novamente com o apoio do distanciamento social, provocado pela nova cepa do coronavírus

Cédula de 200 reais
O presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto. Foto: Raphael Ribeiro/BCB Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, no lançamento da nova nota de R$ 200,00. Foto: Raphael Ribeiro/BCB
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A inflação é um epifenômeno, isto é, um resultado acidental, acessório, do processo essencial, o evolutivo do sistema capitalista? Na reflexão de psicólogos behavioristas, a consciência humana também é um fenômeno secundário, condicionado por processos fisiológicos e incapaz de determinar o comportamento social dos indivíduos.

Na Medicina, o epifenômeno é um sintoma excepcional, podendo aparecer ou não no transcurso de uma doença como um surto. Na Economia convencional, a inflação é um desarranjo acidental do sistema de preços relativos. A idealização seria sua permanência em equilíbrio geral, caso não houvesse excesso de moeda para facilitar as trocas.

Uma visão sistêmica ou holista permite visualizar a Falácia da Composição. Esta é um equívoco no pensamento lógico ao se utilizar do comportamento racional de um único formador de preços – repassar o aumento de custos para o preço de modo a manter sua margem de lucro – para caracterizar todo o sistema capitalista como racional.

Os “aprendizes de feiticeiro” não controlam o aumento contínuo e generalizado dos preços em uma economia. E não se sentem culpados!

Antes se dividia a inflação em três categorias, duas com base em causa primária (demanda ou custos), e outra por seu processo inercial. Na carta aberta do presidente do Banco Central do Brasil, que explica a razão por a inflação ter ficado acima do limite superior do intervalo de tolerância da meta em 2021, ele faz a decomposição da inflação em seis componentes ou fatores determinantes.

Como é habitual, “a culpa é dos outros”. É do passado: inércia associada ao desvio da inflação do ano anterior em relação à sua meta. É também do futuro: diferença entre as expectativas de inflação dos agentes e a meta para a inflação. O exterior também é culpado, pois a inflação importada é a combinação de variação da taxa de câmbio e dos preços de commodities, em especial, o do cartel do petróleo. Ah, o clima, no tucanês “escassez hídrica”, com a bandeira vermelha (epa!) de energia elétrica tem sua responsabilidade. Tudo isso sem falar no resto, os “demais fatores” inexplicáveis.

No viés de autoatribuição, o sucesso é visto como resultado natural do próprio desempenho e o fracasso é atribuído aos outros ou às circunstâncias desastrosas. No sentido oposto, o hiato do produto (ociosidade) atuou contra a inflação.

De acordo com essa decomposição, houve uma combinação de choques de custos contrabalançada, parcialmente, pelo hiato do produto negativo. Nada é dito sobre seu atraso na elevação dos juros face ao aumento da cotação do dólar, gerador de obstinação no sistema, isto é, tempo demasiado para regeneração da confiança.

O Banco Central reconhece assim lhe restar como única política econômica a disparidade de juros brasileiros face aos do resto do mundo. Visa atrair capital especulativo, apreciador circunstancial da moeda nacional. Almeja uma nova depressão deflacionária, como a ocorrida em 2020, contando novamente com o apoio do distanciamento social, provocado pela nova cepa do coronavírus.

O custo das debêntures, emitidas como percentuais do CDI, se multiplicam com a Selic elevando-se de 2% aa a 9,25% aa em três trimestres. Afeta a rentabilidade das empresas endividadas com queda do lucro e, em consequência, do autofinanciamento.

Há, então, uma redistribuição do resultado, antes dirigido ao acionista, agora ao credor. A alta nos juros causa maior concentração de mercado, porque os oligopólios têm poder de reajustar preços e os setores competitivos não conseguem repassar os custos.

O INPC mede a inflação para famílias com renda entre um e cinco salários mínimos mensais. Registrou alta de 10,16%, em 2021, pouco acima do IPCA com 10,06%. Porém, isso não conta toda a história do agravamento da desigualdade desse sistema complexo, emergente de interações de múltiplos componentes.

Houve perda real em todas as aplicações financeiras. Entretanto, uma conta indicativa da desigualdade de ônus e bônus no combate à inflação com base na elevação da SELIC/CDI é a seguinte.

A taxa de juro mensal equivalente a 9,25% aa é 0,74% am. Se desconta 34,6% em ações da riqueza financeira per capita dos 125.186 clientes do Private Banking (R$ 13,488 milhões), grosso modo, restam R$ 8,821 milhões para receber mensalmente em juros R$ 65.280. Somente executivos da alta administração de empresas ganham algo próximo ou acima desse valor em renda do trabalho.

Por sua vez, os 123 milhões de clientes do varejo possuem a riqueza per capita de R$ 21.907. Se descontar 9% em renda variável (ações inclusive em fundos), restam R$ 19.935 para receber rendimentos mensais de juros R$ 147…

Daí se compreende a necessidade de trabalhadores de alta renda acumularem capital financeiro para na aposentadoria substituir renda do trabalho por renda desse capital. Por exemplo, na faixa dos 10% mais ricos, por exemplo, para ganhar R$ 7.400/mês em juros é preciso ter um milhão de reais acumulados. Na faixa dos 5% mais ricos, para ganhar R$ 14.800/mês em é preciso ter dois milhões de reais, e assim por diante. Na faixa de 1% mais rico em renda do trabalho, para receber R$ 29.600 em rendimentos de juros, é preciso ter R$ 4 milhões aplicados em renda fixa. Só.

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