Sociedade

Leilão do PAC: Quilombolas temem volta de pedágio e perda de terreno com obra no Paraná

O embate afeta a vida de aproximadamente 600 famílias que residem em três comunidades; o governo diz que ‘nada será feito’ se não houver consenso

Moradores de comunidades quilombolas dizem não ter sido ouvidos antes de leilão. Foto: Arquivo/Claudia Ferreira Santos
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No último domingo 24, um grupo de aproximadamente 40 quilombolas bloqueou temporariamente um trecho da BR-476, no município da Lapa, no Paraná, para reivindicar isenção de pedágio aos moradores das comunidades do entorno. As comunidades prometem intensificar as mobilizações nos próximos dias.

O protesto ocorre um mês após o governo federal ter leiloado a concessão deste trecho rodoviário ao Grupo Pátria Investimentos.

A concessão é fruto do 1º leilão do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, carro-chefe dos programas de infraestrutura do governo Lula (PT). A concessionária ficará responsável pela administração e melhorias de 473 km de rodovias por um período de 30 anos.

Os quilombolas conseguiram, temporariamente, paralisar o leilão, alegando falta de consulta às comunidades. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, contudo, permitiu a retomada do processo, após manifestação da Advocacia-Geral da União.

O embate afeta a vida de aproximadamente 600 famílias que residem nas comunidades quilombolas Feixo, Restinga e Vila Esperança de Mariental, reconhecidas como tradicionais pela Fundação Palmares há mais de uma década.

Moradores ouvidos por CartaCapital temem voltar a ser obrigados a pagar pedágios e a abrir mão de partes de seus terrenos por conta da obra.

Não há cobrança de pedágios no trecho desde 2021, por conta do encerramento do contrato com a Caminhos do Paraná, que administrava a rodovia. Com a nova concessão, espera-se que o grupo vencedor do leilão imponha novamente esses tributos.

Claudia Ferreira Santos, moradora e agricultora familiar, teme o impacto financeiro e a possível dificuldade no transporte de idosos. “É muito alto o valor. Você não pode pensar em passar duas vezes num pedágio no dia”, diz.

Na concessão anterior, quilombolas eram beneficiários de isenções e de limites tarifários. Agora, lamenta, não há nenhuma dessas garantias.

Moradora do quilombo da Restinga desde que nasceu, hoje com o marido e as duas filhas, ela é vizinha do pedágio. Percorre a estrada de carro até três vezes por semana para transportar hortaliças ao centro do município, que fica a oito quilômetros.

Assim como ela, vários moradores da comunidade são agricultores.

É o caso de Adelau de Jesus de Almeida, de 60 anos, que também reivindica a isenção no pedágio e acrescenta outra preocupação: a de que a obra de duplicação da rodovia atinja seu pequeno terreno, de 65 metros quadrados, na beira da estrada.

Em sua dobradinha como agricultor e motorista de aplicativo, ele vê seu sonho de inaugurar um comércio de lanches ameaçado pelas futuras obras.

Segundo o agricultor, outras quatro famílias quilombolas se encontram em situação semelhante. Ele também se queixa de ter tomado conhecimento sobre o leilão dias atrás, por meio das redes sociais. “Ninguém comunicou nada à comunidade. Quando a gente soube [do leilão], já tinham feito.”

Um estudo do governo anterior sobre impactos da duplicação no trecho trabalhou com uma faixa de domínio de 40 metros para cada lado da rodovia.

O ministro dos Transportes, Renan Filho. Foto: Marcio Ferreira/MT

Quilombolas serão ouvidos, diz governo

Procurado, o Ministério dos Transportes afirmou que haverá consultas às comunidades afetadas durante o licenciamento ambiental das obras, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário.

Em entrevista a CartaCapital, a secretária nacional de Transporte Rodoviário, Viviane Esse, sustenta que não havia obrigação de consulta prévia ao leilão, porque esse procedimento ocorre antes da execução das obras.

O procedimento previsto é de que a empresa, ao obter o contrato, fica com a incumbência de apresentar um projeto executivo da duplicação. Em seguida, a companhia solicita o licenciamento ambiental ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, o Ibama, que tem a escuta de povos tradicionais como uma das etapas.

Nesse período é que devem ser realizadas as discussões sobre os termos concretos que forem divulgados, em parceria com a Fundação Palmares. A expectativa da secretária é de que o Grupo Pátria Investimentos conclua o projeto de execução até 2024, e que o período de análise do licenciamento ambiental dure dois anos.

A autorização da execução da obra ocorre só depois da conclusão desse processo, frisa a secretária. O empreendimento está previsto para 2026.

“É possível que a isenção tarifária seja uma medida compensatória, mas a gente vai precisar que esse processo seja analisado para saber”, afirmou. Em relação à possibilidade de atingir terrenos quilombolas, ela afirmou que geralmente, a duplicação fica dentro da faixa de domínio de 40 metros. “Mas a gente precisa ter o projeto para saber”.

‘Pode acontecer de, inclusive, não executar parte das obras, se o impacto for muito grande. Nada será feito se não houver consenso’, completa a secretária nacional de Transporte Rodoviário.

Em nota, o Ministério de Igualdade Racial declarou que “dialogou com o Ministério dos Transporte, onde restou inequívoca a gratuidade de pedágio para as comunidades quilombolas, além da necessidade imperativa da realização das escutas das Comunidades atingidas por esta concessão”.

Procurado, o Grupo Pátria Investimentos não quis comentar o assunto.

A concessão leiloada compreende rodovias federais e estaduais: as BR-277/373/376/476/PR e as PR-418/423/427. A previsão do governo é atrair 7,9 bilhões de reais em investimentos em obras de melhorias de infraestrutura nessas estradas.

Na próxima sexta-feira 29, o Ministério dos Transportes realiza o 2º leilão do PAC, no prédio da B3, em São Paulo. São 604,16 quilômetros de extensão, em um sistema rodoviário composto pelas BRs 153/277/369/PR e PRs 092/151/239/407/408/411/508/804/855.

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