Política

Senador bolsonarista nega prisões por consumo de drogas no Brasil; realidade contradiz

Jorge Seif chamou de “conversinha fiada” o fato de organizações da sociedade civil manifestarem preocupação com a aprovação da PEC que criminaliza a posse e o porte de drogas

Plenário do Senado Federal durante sessão deliberativa ordinária. Na ordem do dia, projeto de decreto legislativo que indica Jhonatan Pereira de Jesus para o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (PDL 2/2023). À tribuna, em discurso, senador Jorge Seif (PL-SC). Foto: Roque de Sá/Agência Senado
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O senador Jorge Seif (PL-SC) afirmou não existir “ninguém preso por consumir drogas no Brasil” e chamou de “conversinha fiada” o fato de organizações da sociedade civil manifestarem preocupação com a aprovação da PEC que criminaliza a posse e o porte de drogas.

As declarações foram feitas na sessão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado nesta quarta-feira 13. Na ocasião, os senadores deram aval ao texto-base da proposta em votação simbólica – apenas parlamentares do PT se manifestaram contra. Agora, a matéria vai a votação no plenário.

“Pessoal vem aqui, dá piti, dá chilique, gritaria, mas é o seguinte: conversinha de racismo, ‘ah, o preto pobre’, ‘ah, o pobrezinho’ […] Presidente, não tem ninguém preso por consumir droga no país. Isso já foi definido lá atrás”, completou o bolsonarista.

O discurso de Seif, contudo, está desconectado da realidade. Atualmente, quase 28% da população carcerária brasileira está detida por crimes previstos na Lei de Drogas, sancionada em 2006, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

A lei, que pôs fim à pena de prisão para usuários e aumentou punições para traficantes, foi aprovada à época sob o argumento de que reduziria o encarceramento. Mas, segundo Pierpaolo Bottini, que participou das discussões sobre o texto enquanto trabalhava na pasta, o efeito foi oposto.

“A impressão que se tinha é que isso ia desencarcerar, porque as pessoas que estavam presas por uso [de drogas] iam sair [da prisão]. Mas acabou aumentando o encarceramento porque as autoridades policiais acabaram jogando tudo para o tráfico, então acabou tendo efeito absolutamente inverso”, explicou o criminalista.

Um estudo divulgado no ano passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que analisou uma amostra dos processos julgados na primeira instância judicial de todo o País no primeiro semestre de 2019, concluiu que 58,7% dos réus que respondiam por tráfico de maconha portavam até 150 gramas. E apenas 11,1% levavam mais de dois quilos do entorpecente.

A maioria dos presos e processados nesses casos são homens (87%), jovens (72%) e negros (67%).

O estudo ainda mostrou existir uma maior incidência na repressão às drogas sobre aqueles com baixa escolaridade, ensino fundamental incompleto e desempregados. Pelo menos a metade deles tem passagens anteriores pelo sistema de Justiça.

Em apenas 13% dos casos, os suspeitos tem envolvimento com fações criminosas. A pesquisa, que continua sendo revisada por pares, analisou 41.100 processos dos tribunais e justiça estaduais com decisão no primeiro semestre de 2019.

O julgamento sobre a descriminalização do porte de maconha, que se arrasta no Supremo Tribunal Federal desde 2015, caminha para fixar parâmetros objetivos de quantidade do entorpecente que uma pessoa pode carregar sem ser considerada traficante – o que, na visão de defensores da medida, pode reduzir o que seriam prisões equivocadas.

Até aqui, votaram para tornar inconstitucional o porte para consumo Gilmar Mendes (relator do caso), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e a ministra aposentada Rosa Weber.

Os magistrados argumentaram que o uso da maconha é uma questão de liberdade individual e deve ser combatido com campanhas de informação e atendimento focado na saúde dos usuários.

Um dos primeiros a votar, Barroso propôs um limite de 25 gramas para que o usuário não seja enquadrado na Lei de Drogas. O número foi baseado na legislação portuguesa, considerada referência internacional no tema.

Se esse limite for aplicado no Brasil, 27% de todos os condenados pelo crime do tráfico de drogas presos por apreensão de maconha poderiam ser absolvidos, de acordo com a simulação feita pelo Ipea.

Por sua vez, Moraes pontuou que as autoridades judiciais e policiais têm uma tendência maior em caracterizar jovens e os menos escolarizados como traficantes. Ainda segundo a pesquisa, um terço das prisões por porte de drogas realizadas pela PM tem como motivação para a abordagem “atitude suspeita”.

Atualmente, o julgamento no Supremo está paralisado por um pedido de vista. Os ministros Cristiano Zanin e André Mendonça votaram para manter a criminalização.

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