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Questão de estilo

A troca de Alexandre de Moraes por Cármen Lúcia no comando do TSE mudará os humores da Corte?

Frieza. A relação entre Moraes e Cármen Lúcia anda abalada, comenta-se nos corredores do Supremo – Imagem: Arquivo/TSE
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Alexandre de Moraes está de saída do Tribunal Superior Eleitoral. O mandato termina em 3 de junho, o que o tirará automaticamente do comando da Corte. Na terça-feira 7, Cármen Lúcia, vice-presidente, foi eleita para sucedê-lo. O vice da ministra será Kassio Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal. Dos setes juízes do TSE, três vêm do STF. O substituto de Moraes na Corte eleitoral será outra indicação de Bolsonaro ao Supremo, André Mendonça. Cármen Lúcia vai comandar o TSE na campanha municipal de outubro. Na disputa presidencial de 2026, a rédea passará a Marques. Aliados de Bolsonaro sopram à mídia que o capitão registrará a candidatura a presidente, apesar de estar inelegível por oito anos até 2023. Promessa de emoção.

A troca de Moraes por Cármen Lúcia não deve mudar a postura do TSE no combate às fake news e às milícias digitais. No dia de sua nomeação para a presidência da Corte eleitoral, a juíza apontou em um evento em São Paulo os perigos do “coronelismo digital”. Coube a ela propor normas contra o uso indevido da Inteligência Artificial na eleição deste ano. A IA permite, entre outras artimanhas, criar um vídeo no qual alguém aparece a falar ou fazer algo que não falou ou fez. “Não queremos que se ponha um chip não físico na liberdade do eleitor, que é isso que se faz por uma tela que te mostra uma coisa que não é verdadeira”, declarou em fevereiro.

Pode-se, no entanto, esperar do TSE uma mudança de estilo. Menos decisões individuais e mais colegiadas. A relação entre Cármen Lúcia e Moraes anda ruim, conforme comentários nos corredores da Corte. A razão é o estilo imperial de Moraes. Há dois meses, o tribunal inaugurou por iniciativa dele um centro de combate à desinformação, composto de órgãos diferentes. A colega só soube na véspera. Ciosa das liturgias, aborreceu-se com o fato de o juiz preteri-la como emissária da Corte a certos eventos. Em março, a Justiça Eleitoral de Minas Gerais, terra de Cármen Lúcia, promoveu um debate sobre a eleição municipal. Pelo TSE, compareceu Floriano de Azevedo Marques, que fez uma palestra sobre Inteligência Artificial, alvo das medidas propostas pela ministra.

Lição. Cid voltou para casa, depois de passar um tempo em cana por causa de um áudio vazado. A delação está de pé – Imagem: Bruno Spada/Ag. Câmara

Marques é amigo de Moraes e foi indicado ao TSE pelo presidente Lula, em 2023, com a bênção do juiz. É quem cuida de dois processos contra senadores bolsonaristas, Jorge Seif, do PL de Santa Catarina, e Sergio Moro, do União Brasil do Paraná. São processos nos quais o Ministério Público se mostra contraditório (defende uma coisa nos estados dos acusados e outra em Brasília) e que o PT acompanha com uma ponta de esperança de se dar bem mesmo em redutos conservadores, em razão da guerra fratricida no bolsonarismo.

Em 30 de abril, Marques propôs, e o plenário do TSE aprovou, pedir ao empresário Luciano Hang e suas lojas Havan os prefixos das aeronaves em seus nomes em 2022 e 2023. De posse dos dados, a Corte requisitaria aos aeroportos catarinenses que informassem pousos e decolagens dessa frota entre 16 de agosto e 2 de outubro de 2022, período da eleição. É uma tentativa de buscar provas de que as aeronaves transportaram Seif. Financiamento empresarial de candidatos é proibido.

O uso indevido de aeronaves e de recursos humanos da Havan é uma das três acusações feitas a Seif pelo PSD, partido do segundo colocado na corrida ao Senado por Santa Catarina, o ex-governador Raimundo Colombo. Seif bateu-o por 39% a 16%. A acusação sustenta que o bolsonarista foi beneficiado na eleição por mais dois fatos irregulares: utilização de helicóptero do empreiteiro Osni Cipriani e patrocínio disfarçado de um sindicato patronal. O “capítulo Hang” é bastante similar a outro protagonizado pelo empresário e que levou o TSE a cassar, em 2023, seus direitos políticos por oito anos, juntamente com os direitos e o mandato do prefeito de Brusque, município catarinense. O favorecimento por Hang e a ­Havan ao prefeito deu-se em 2020.

Encalço. Gonet Branco obteve a extensão da investigação sobre Bolsonaro – Imagem: Léo Bark Rodrigues/MPF

Na Corte eleitoral de Santa Catarina, Seif foi absolvido em novembro, posição defendida pelo Ministério Público Eleitoral local. O MPE atuante no TSE quer o contrário, a cassação. O parecer é de Alexandre Espinosa, vice-procurador-geral eleitoral, um dos homens de confiança do procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco. Segundo deputado catarinense mais votado e de olho numa candidatura ao lugar de Seif, o petista Pedro Uczai fareja o interesse do governador Jorginho Melo, do PL, de jogar o senador ao mar. Motivo: Seif, ministro da Pesca com Bolsonaro, virou um pepino para a legenda.

Além da acusação de crime eleitoral, o senador é dono de uma empresa suspeita de ligação com o tráfico de drogas, a JS Pescados. Na segunda-feira 6, a mídia catarinense noticiou que três dias antes a PM tinha apreendido quase 50 quilos de haxixe em um galpão na cidade portuária de Itajaí, ao seguir um suspeito. Este tinha 1,9 quilo da droga em uma sacola de papel e, ao ser abordado pela polícia, teria dito que havia mais no galpão. A PM encontrou outros 47 quilos. A JS Pescados tem instalações no galpão. Segundo Seif, várias empresas operam no mesmo lugar e o haxixe não lhe pertence. Em março de 2023, a Polícia Rodoviária Federal apreendeu, em Mato Grosso do Sul, 320 quilos de maconha em um caminhão da JS Pescados. À época, Seif afirmou que o veí­culo havia sido vendido em setembro de 2022 e que a transferência do nome do proprietário estava inconclusa.

A informação embaraçosa para o senador sobre haxixe saiu da PM, subordinada ao governador, anota Uczai. Um dia depois, novo aborrecimento para Seif. Sua presença no show de Madonna­ no Rio de Janeiro custou-lhe críticas do eleitorado reacionário. O catarinense subiu à tribuna do Senado para pedir “perdão”. Uczai pretende disputar a vaga, em caso de degola do adversário, e vê uma chance de vencer, apesar do eleitorado predominantemente bolsonarista no estado. O fio de esperança do petista alimenta-se do racha da direita, ou seja, muitos candidatos do mesmo espectro no páreo. Cenário similar àquele da eventual sucessão de Moro no Paraná, onde o PT tem dois interessados na vaga: Gleisi Hoffmann, presidente do partido, e Zeca Dirceu, líder da bancada petista na Câmara dos Deputados em 2023.

Dois indicados por Bolsonaro, Nunes Marques e André Mendonça, estreiam no tribunal

Em 2 de maio, o TSE recebeu os recursos do PL e do PT contra a absolvição de Moro na Corte estadual. O ex-juiz elegeu-se com 33% contra 29% de Paulo Martins, do PL, e 23% de Álvaro Dias, do Podemos. As duas acusações contra Moro dizem a mesma coisa, que ele foi beneficiado por verba pública antes da campanha oficial, quando cogitava disputar a Presidência da República pelo Podemos e, depois, o Senado em São Paulo, já pelo União Brasil. Na pré-campanha, o Podemos investiu em Moro e o União Brasil paulista também, o que lhe teria dado vantagem na disputa.

“Espero que (o TSE) casse (Moro), se não tem que devolver o mandato da Selma Arruda”, afirma Gleisi. Eleita senadora por Mato Grosso em 2018 com o slogan “Moro de saias”, Selma, ex-juíza, foi cassada pelo TSE em 2019 por ter gastado na pré-campanha e, de quebra, não ter declarado as despesas na prestação final de contas. Advogado petista na causa, Luiz Eduardo Peccinin diz que o TRE do Paraná fundamentou a absolvição em uma circunstância que colide com o caso Selma e em outra que se choca com a Lei da Ficha Limpa. Primeira: descontou muitos valores da quantia gasta na pré-campanha de Moro e chegou a um montante, cerca de 400 mil reais, que considerou pequeno para favorecê-lo. Segunda: apontou ausência de gastos comparativos da pré-campanha dos concorrentes. “O TRE queria que provássemos que os outros não abusaram”, reclama Peccinin.

Para o advogado, o caso Moro é mais grave do que o de Seif, avaliação que torna curiosa a posição do Ministério Público Eleitoral. O MPE no Paraná era a favor de cassar Moro, mas no TSE é contra (e é a favor no caso Seif). Em 7 de maio, Alexandre Espinosa mandou ao tribunal um parecer em defesa da absolvição. Ele tem lavajatismo no currículo. Trabalhou com o tema no tempo de Raquel Dodge como procuradora-geral da República, no governo Temer.

Degola. Os senadores Seif e Moro rumam ao cadafalso do TSE – Imagem: Jefferson Rudy/Ag. Senado

Uma fonte familiarizada com os bastidores do TSE aposta que Moro e Seif serão cassados. Em relação ao ex-juiz, identifica bad feelings na cúpula do Judiciário. Quanto a Seif, vê cálculo político. Cassar o senador agora implicaria realizar novas eleições neste ano, talvez juntamente com a disputa municipal. Bolsonaro poderia mergulhar de cabeça na sucessão de Seif e favorecer nomes apoiados por ele em disputas de prefeitos. Adiar o desfecho seria ainda uma tentativa de baixar a pressão congressual contra o Judiciário.

Haveria cálculo político de Moraes na soltura do tenente-coronel do Exército Mauro César Barbosa Cid em 3 de maio? O militar estava em prisão preventiva desde 22 de março, em razão do vazamento de áudios de uma conversa com um interlocutor desconhecido com críticas ao STF. Para dois advogados criminalistas atuantes no Supremo, Moraes deixou Cid de castigo por um tempo, mas o importante foi a salvação da delação, fruto da investigação de fraude no cartão de vacinação de Bolsonaro. A Polícia Federal finalizou o inquérito em março e concluiu que o ex-presidente cometeu crime. Gonet não ficou satisfeito. Pediu ao Supremo, e Moraes acatou, a reabertura das investigações. Quer saber se o capitão usou a carteira fajuta para entrar na Flórida em dezembro de 2022. •

Publicado na edição n° 1310 de CartaCapital, em 15 de maio de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Questão de estilo’

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