Economia

‘Querem a volta da escravidão’: O que dizem os sindicatos dos primeiros meses do ‘novo’ Ministério do Trabalho

Para dirigentes das principais centrais sindicais brasileiras, a pasta tem sido usada promover novos ataques aos trabalhadores

Onyx Lorenzoni e Jair Bolsonaro. Foto: Sergio Lima/AFP
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A extinção do Ministério do Trabalho em 2019 com a chegada de Jair Bolsonaro (PL) ao poder não foi bem recebida pelas principais centrais sindicais brasileiras. À época, a decisão de extinguir a pasta, considerada essencial para o desenvolvimento econômico do País, rendeu protestos e críticas. CUT, Força Sindical, UGT, CSB, CTB e demais entidades viram a jogada como mais um retrocesso aos direitos trabalhistas iniciado ainda no governo Michel Temer (MDB).

Quase três anos depois, o governo optou por recriar, em agosto deste ano, o Ministério do Trabalho e Previdência. O ressurgimento da pasta, porém, não atende as expectativas centrais sindicais. O revival da pasta, chefiada hoje por Onyx Lorenzoni (DEM-RS), ex-ministro da Casa Civil, se deu puramente por uma pressão por abrigar novos integrantes do Centrão no governo, como forma de garantir apoio a Bolsonaro no Congresso e barrar novos pedidos de impeachment.

“O Ministério foi recriado com fins eleitoreiros e eleitorais, voltado às eleições de 2022, para acomodar fisiologicamente os apoiadores de Bolsonaro, garantindo, assim, votos e aprovação, no Parlamento, às suas ações desastrosas, além de assegurar que dezenas de pedidos de impeachment sigam no fundo da gaveta da presidência da Câmara dos Deputados”, resume a CartaCapital Sérgio Nobre, presidente da CUT.

Fazem coro a Nobre os presidentes da Força Sindical, Miguel Torres, Ricardo Patah, da UGT, e Antonio Neto, da CSB. Todos destacam o caráter eleitoreiro da recriação, e resumem o ‘novo’ ministério a um ‘cabide de empregos’ o Centrão, uma forma encontrada por Bolsonaro para viabilizar a candidatura de Onyx Lorenzoni ao governo gaúcho.

“A pasta que deveria concentrar esforços para a geração de empregos formais é só um anexo do ‘Gabinete das Maldades’ presidenciais e tem se concentrado em como retirar mais direitos e precarizar o mercado de trabalho”  destaca Neto, lembrando que o País fechou o mês de novembro com 13,5 milhões de desempregados.

Em outras ocasiões, lembra Adilson Araújo, que preside a CTB, o Ministério do Trabalho a recriação do Ministério do Trabalho, tão essencial ao sindicalismo, seria comemorada. A cooptação política do ministério por Bolsonaro, no entanto, não permitem que a chegada de Onyx ao cargo seja celebrada e vista como vitória.

“Sob o governo Bolsonaro e o comando do ministro Onyx Lorenzoni, a pasta serve mais aos propósitos do Capital do que do Trabalho. Foi colocada a serviço da mesma política nefasta à classe trabalhadora e aos sindicatos”, explica.

Os três primeiros meses de Onyx

Nestes três meses no cargo, Onyx já mostrou a que veio: avançou sobre os direitos trabalhistas e aprofundou ainda mais a reforma da CLT promovida por Temer. A avaliação é unânime entre os sindicalistas consultados.

O grande exemplo disso, como destaca Sérgio Nobre, é a tentativa, em novembro, porém, de promover uma ‘nova reforma trabalhista’. O dirigente da CUT se refere ao relatório do Grupo de Altos Estudos do Trabalho, o Gaet, sob o comando de Onyx, que sugere ao governo federal uma série de mudanças em centenas de itens da legislação trabalhista, entre elas desregulamentação do trabalho aos domingos e a proibição do reconhecimento de vínculo?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> empregatício entre prestadores de serviço e aplicativos.

Torres, da Força, caracterizou as sugestões do grupo como uma forma de ‘permitir o trabalho escravo’. O sindicalista também destacou a não participação de representantes de trabalhadores no Gaet, apenas de integrantes do governo ligados ao setor patronal.

“Estamos na contramão do mundo, que busca melhores condições, enquanto o governo brasileiro luta com unhas e dentes para criar empregos precarizados”, destaca. “O que estão tentando criar são vagas de ‘emprego’ para um ‘serviço escravo’, sem massa salarial, fazendo com que os brasileiros fiquem à míngua e cada vez mais miseráveis.”

Em abril de 2021, Bolsonaro já havia feito uma tentativa de promover um novo desmonte na CLT com a MP 1.045, derrotada no Senado Federal após ampla oposição do movimento sindical e de parlamentares da oposição.

Entre as medidas estudadas pelo governo está, por exemplo, a permissão para que o empregador forneça apenas uma folga a cada sete domingos trabalhados. Outras medidas dificultariam a fiscalização de itens de segurança e há ainda uma desregulamentação das normas que traziam condições mínimas de atuação em diversos setores, como a obrigatoriedade de oferecer condições sanitárias em banheiros e padronização de refeitórios.

Bolsonaro é um ferrenho defensor da desregulamentação. Nas conversas com apoiadores no cercadinho em frente ao Alvorada, o ex-capitão disse que trabalha para extinguir normas de regulação do trabalho. Ou, em seu linguajar, ‘desburocratizar’.

 

Em ao menos uma ocasião. Bolsonaro pregou contra a obrigatoriedade de oferecer mais de um banheiro em empresas a partir de um certo número de funcionários, em outra, questionou a necessidade de se colocar mesas para refeições de quem atua no campo ou em obras mais afastadas. Aos eleitores que o acompanhavam citou em mais de uma ocasião que na sua infância era comum ver operários comendo ‘sentados no chão e segurando as marmitas na mão’. A cena descrita pelo ex-capitão vai contra normas mínimas de trabalho digno previstas na legislação brasileira e em recomendações da Organização Internacional do Trabalho.

Na última terça-feira 7, em evento com empresários, o presidente repetiu declarações bem semelhantes. Bolsonaro criticou multas impostas a um fazendeiro no Ceará, que ligou para ele, por ter sido flagrado com funcionários em regime análogo à escravidão. O trecho foi registrado por Guilherme Amado, do site Metrópoles.

Segundo relatou sem muitos detalhes da operação, ele recebeu um telefonema do fazendeiro indignado por ter sido multado e passou a questionar o aliado ao telefone:

“Multou por quê? Porque não tenho banheiro químico. Eu estou a 45 graus e obviamente não tenho banheiro químico. O cara vai deixar de colher a folha ali, andar 500 metros, fazer um xixi e voltar? Meteram a caneta no cara. Também uma mesinha feita de forma rústica, com madeira da região, para servir o almoço. Não estava adequada aquela mesa. Também a questão do dormitório, o pessoal dormia em uma barraca. Multa em cima dele”, disse, discordando das fiscalizações que identificaram a situação totalmente irregular.

No mesmo evento, Bolsonaro também deu indícios dos motivos do seu pouco apreço aos trabalhadores ao dizer que ‘deve favor aos empresários’ e lamentar como seria ‘difícil ser patrão no Brasil’. Ainda aos empresários, comemorou os avanços de seus ministros para acabar com normas regulamentadoras.

“Olha as normas regulamentadoras, como era difícil ser um grande empresário, empregador, com aquelas NRs. O [Rogério] Marinho fez um limpa naquilo. A altura da pia, maciez do papel higiênico, tudo isso era motivo de multa”, destacou aos convidados da Confederação Nacional das Indústrias.

Sem diálogo

Um dos fatores mais evidentes que reforçam a péssima impressão da atuação de Onyx é a falta de diálogo entre governo e classe trabalhadora. A avaliação é evidenciada por Patah, que também lembra que o cargo já contou com quadros históricos e representava o principal canal de diálogo do brasileiro com o poder Executivo, fatores perdidos com a nomeação do deputado gaúcho.

“O movimento sindical sempre valorizou uma estrutura ministerial independente de quem fosse o presidente. Nós tivemos ministros do trabalho muito relevantes, como João Goulart com Getúlio Vargas, [Luiz] Marinho, Carlos Lupi e Manoel Dias. Todos foram ministros com sensibilidade junto à classe trabalhadora. Eles compreendiam o ministério como o único espaço que o trabalhador tinha para fazer sua interlocução, já que os demais ministérios eram todos focados para área patronal, industrial, financeira, do comércio e agricultura. Isso se perdeu com o fim da pasta em 2019 e não foi retomado com a recriação em 2021”, explicou o presidente da UGT.

“Com Onyx não há nenhuma possibilidade de diálogo, nenhuma condição de termos uma interlocução com características republicanas e sociais. Ele é um ministro que está afundado no bolsonarismo e não se incomoda com a morte de 600 mil pessoas, com os 13 milhões de desempregados e nem com os milhões passando fome. O que ele quer é ser governador do Rio Grande do Sul e se aproveita da pasta com essa finalidade”, critica Patah.

Foto: Marcos Corrêa/PR

Entendimento semelhante tem Nobre, da CUT, que também aponta a falta de diálogo como a tônica da atuação do ministério nestes três meses de existência.

“Isso [falta de diálogo] não mudou em três meses e não mudará. Diálogo nunca foi nem nunca será a linha do Bolsonaro, principalmente com o movimento sindical, com os trabalhadores”, afirma. “Ao extinguir o ministério, em 2019, o presidente e seu governo fecharam um canal de interlocução com os trabalhadores que existia desde 1930, e sua recriação não restabeleceu esse canal”, complementa o dirigente.

‘Precisamos recuperar a dignidade do Ministério do Trabalho’

Apesar das críticas à atuação, os consultados também reforçam a importância da retomada da estrutura no governo federal. Segundo explicam, o movimento sindical seguirá defendendo que a pasta siga existindo, ‘independente do governo de plantão’ que estiver naquele momento.

Os sindicalistas explicam que, ainda que neste momento não exista diálogo com os trabalhadores, ‘a conjuntura mostra que logo teremos uma mudança radical no perfil do Planalto’ em 2022. A expectativa é barrar novos avanços contra os direitos para reverter parte dos retrocessos impostos ao fim do atual mandato.

“Lutamos para recuperar a dignidade do Ministério do Trabalho, o que só ocorrerá quando ele voltar a ser um instrumento a serviço do combate à desigualdade e defesa dos direitos sociais, mas sabemos que hoje o caminho nesta direção passa pelo ‘Fora Bolsonaro’”, resume Araújo, da CTB.

“Temos que trabalhar para que ao fim deste governo o trabalhador tenha ‘vida nova’, por isso é importante que a estrutura siga existindo e que a gente continue atuando para barrar os desmandos do atual governo. Só assim teremos ‘vida nova’ em 2022”, finaliza Torres, da Força.

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