Política

Por que a perseguição ao Padre Júlio Lancellotti virou um problema para Ricardo Nunes

Quatro vereadores da base do governo anunciaram a retirada de apoio à CPI das ONGs, proposta por Rubinho Nunes (União)

O Padre Júlio Lancelotti e o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. Fotos: José Cruz/Agência Brasil e Divulgação/Alesp
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Após a repercussão negativa em torno da possível instalação da CPI das ONGS na Câmara Municipal de São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) conversou por telefone com o Padre Júlio Lancellotti, o principal alvo do vereador Rubinho Nunes (União), autor do requerimento de criação da comissão.

Em conversa com a reportagem de CartaCapital, Lancellotti confirmou ter enviado uma mensagem ao prefeito, que respondeu de imediato com a ligação. O padre, então, diz ter sugerido uma agenda presencial com Nunes, “para esclarecer que não faço parte de nenhuma ONG e que a Pastoral de Rua não recebe nenhum recurso da prefeitura”.

Ainda de acordo com Lancellotti, Nunes disse não estar a par dos acontecimentos, mas indicou a possibilidade de um encontro na semana que vem.

Ao reunir as primeiras 24 assinaturas de apoio à CPI, Rubinho Nunes subiu o tom contra Lancellotti, acusando-o de ser um “falso padre” e chamando-o de “padre do Boulos”, em referência ao deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), o principal adversário de Nunes na disputa pela prefeitura de São Paulo. O psolista, inclusive, lidera as intenções de votos, segundo as mais recentes pesquisas.

Fontes ouvidas pela reportagem consideram que o episódio representa um imbróglio político para Nunes, que busca a reeleição na capital.

“O primeiro ponto é que Rubinho vem fazendo esses ataques há alguns meses na Câmara e falando da CPI publicamente, então isso não é uma novidade como o Ricardo Nunes tenta apresentar”, ponderou a vereadora Elaine do Quilombo Periférico, líder da bancada do PSOL na Câmara Municipal.

“Outro ponto é que Rubinho Nunes tem sido uma pessoa com grandes privilégios dentro da liderança do governo na Câmara”, prosseguiu. “Seria muito rudimentar imaginar que ele faz isso avesso a uma articulação política da liderança da base do governo. Tanto é que o presidente da Câmara, vereador Milton Leite (União Brasil), saiu em defesa da CPI.”

A questão também é central para o vereador Senival Moura, líder da bancada do PT. Ele entende que a CPI, ao tentar minar a credibilidade de organizações, acaba por expor fragilidades da gestão de Ricardo Nunes.

“Rubinho Nunes propôs uma CPI alegando que é para investigar as organizações sociais, depois cria um problema em torno do Padre Júlio Lancellotti, que presta um serviço importantíssimo às pessoas em situação de grande vulnerabilidade social”, critica. “Quem deveria cuidar disso é o governo, que é ausente e não faz.”

Os vereadores da oposição projetam que a instalação da CPI deve perder força diante da repercussão negativa. Nesta quinta-feira 4, quatro vereadores – Thammy Miranda (PL), Xexéu Tripoli (PSDB), Sidney Cruz (Solidariedade) e Sandra Tadeu (União Brasil) – retiraram o apoio ao colegiado, sob o argumento de terem sido “enganados” por Rubinho Nunes, que não mencionava Lancellotti no requerimento.

Elaine do Quilombo Periférico explica que a retirada das assinaturas, a esta altura, não faz diferença, devido ao fato de a CPI das ONGs já ter sido protocolada. A estratégia da oposição será, portanto, barrar a instalação, o que depende de uma reunião do Colégio de Líderes após o recesso parlamentar e de um acordo com o presidente da Câmara. Outras 44 CPIs propostas nesta legislatura aguardam sua vez.

Para o cientista político e professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo Rui Tavares Maluf, o episódio demonstra que a incitação à polarização e à criminalização da esquerda podem não configurar boas estratégias eleitorais.

“Não dá para cravar um ônus político a Ricardo Nunes, mas um imbróglio muito grande, sem dúvida”, avalia o pesquisador.

“A perda ou o ganho de capital político vai depender da habilidade do prefeito de, primeiro, fazer com que a sua base de apoio se conduza com mais tranquilidade, mas também de ele refletir um pouco sobre a maneira como exagera nos discursos de ataque à esquerda”, prossegue Maluf. “Ficar acenando para um eleitorado bolsonarista com esse tipo de discurso a todo momento não me parece trazer benefícios concretos ao Ricardo Nunes.”

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