Justiça

Plano golpista teve ‘consulta’ a Ives Gandra para simular legalidade

O documento ‘Forças Armadas como poder moderador’, encontrado com Mauro Cid, parte de respostas do jurista

Foto: Divulgação/Advocacia Gandra Martins
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A Polícia Federal encontrou no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), um “guia” para aplicar um golpe de Estado no Brasil no final de 2022.

A sustentar a conspiração havia um conjunto de respostas enviadas pelo jurista Ives Gandra Martins a questões levantadas por e-mail pelo major Fabiano da Silva Carvalho. O militar afirmou, segundo a PF, cursar o segundo ano de Comando e Estado Maior do Exército.

Carvalho perguntou ao jurista se as Forças Armadas poderiam ser empregadas “na garantia dos poderes constitucionais” em situação de normalidade. Gandra Martins afirmou, então, que “pode ocorrer em situação de normalidade se no conflito entre poderes, um deles apelar para as Forças Armadas, em não havendo outra solução”.

Na sequência, questionado sobre quais “ameaças” poderiam motivar o emprego das Forças Armadas “em garantia dos poderes constitucionais”, Gandra Martins mencionou o artigo 142 da Constituição e especificou: “Inimigo externo ou crise entre poderes”.

Diz o artigo 142: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Com frequência, bolsonaristas recorrem a interpretações golpistas do artigo com o objetivo de pregar uma intervenção militar no Brasil.

Nas respostas aos questionamentos, Ives Gandra Martins ainda alegou que “a implantação dos governos militares em 1964 foi uma imposição popular por força dos desmandos do Governo Jango” e de um suposto “desrespeito constitucional” a princípios da hierarquia militar.

As perguntas e as respostas foram salvas em um arquivo no celular de Cid, intitulado Análise Ideia Ives Gandra. Adiante, entra em cena um documento chamado Forças Armadas como poder moderador – trata-se, na prática, de um “guia” para aplicar um golpe de Estado no Brasil no final de 2022.

O início do documento se baseia justamente em uma “síntese da ideia de Ives Gandra”, seguida pelo intertítulo Fundamento da ideia de Ives Gandra. Na sequência, o texto destaca uma “sugestão de roteiro para atuação das Forças Armadas como moderadora[s]”.

O passo a passo começa com um requerimento a ser enviado pelo presidente da República aos comandantes militares, a conter “a descrição detalhada” de supostos atos do Poder Judiciário que “acarretam desarmonia entre os Poderes ou mesmo violação das prerrogativas constitucionais” do Executivo.

Depois, o comando militar analisaria o documento, a fim de validar ou não a argumentação. O texto alega que o item anterior seria capaz de comprovar, além de uma atuação ilegal da Justiça, um suposto “abuso praticado pelos maiores conglomerados da mídia brasileira”.

Com o aval da caserna, o presidente nomeraria um interventor responsável por coordenar “as medidas de restabelecimento da ordem constitucional”, a ocorrer em um prazo fixado por ele. Instituições como a Polícia Federal também ficariam subordinadas a essa figura.

O interventor teria, entre outros poderes, o aval para suspender atos praticados pelo Poder Judiciário e afastar os responsáveis por essas decisões. Também poderia abrir inquéritos e encaminhá-los para que se tornassem processos contra, por exemplo, ministros do Supremo Tribunal Federal.

Em caso de afastamento de ministros do Tribunal Superior Eleitoral, diz o documento golpista, seriam nomeados Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Dias Toffoli.

Caberia ao interventor, por fim, estabelecer um prazo para a realização de novas eleições, a serem coordenadas pelo TSE “em sua nova composição”. Poderia ser em um mês, em um ano ou mais.

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