Política

O que pesa contra Bolsonaro nas investigações sobre o conluio para um golpe

Aliados do ex-presidente agiam, segundo as investigações, de forma coordenada e simultânea para viabilizar um golpe o manteria no poder

O ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Joe Raedle/AFP
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A Polícia Federal deflagrou, nesta quinta-feira 8, uma operação que teve como alvo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e figuras políticas do seu entorno político, além de militares do alto escalão das Forças Armadas.

O objetivo, segundo a PF, é investigar se Bolsonaro e aliados de primeira tramaram um fracassado golpe de Estado no país, cujo objetivo seria invalidar as eleições presidenciais de 2022.

Segundo as investigações, o grupo teria agido para desacreditar o processo eleitoral, visando inflar os ânimos dos manifestantes bolsonaristas criando um clima favorável para o golpe. O grupo também acompanhava os passos de autoridades que seriam, posteriormente, presas para se consolidar a tomada de poder.

“Embora a atuação da organização tenha se acentuado ao longo do ano de 2022, é certo que, desde 2019, já se anteviam condutas de integrantes do grupo direcionadas a propagar a ideia de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do País”, diz um trecho da decisão do ministro Alexandre de Moraes, que deu aval à operação.

No despacho, o ministro descreve um encontro sigiloso realizada em 5 de julho de 2022, que reuniu todos os investigados do inquérito: Anderson Torres, então ministro da Justiça, Augusto Heleno, então chefe do gabinete da Secretaria-Geral da Presidência, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, então ministro da Defesa, Mário Fernandes, então chefe-substituto da Secretaria-Geral da Presidência e Braga Netto, ex-ministro Chefe da Casa Civil. 

No ato, Bolsonaro teria reforçado aos presentes o argumento falso de uma suposta fraude eleitoral, alegando que as Forças Armadas e os órgãos de inteligência do Governo Federal detinham ciência das fraudes e ratificavam a narrativa mentirosa. 

A reunião, segundo a Polícia Federal, também teve como finalidade cobrar dos presentes conduta ativa na promoção da ilegal desinformação e ataques à Justiça Eleitoral. 

“Essa narrativa serviu, como um dos elementos essenciais, para manter mobilizadas as manifestações em frente às instalações militares, após a derrota eleitoral e, com isso, dar uma falsa percepção de apoio popular, pressionando integrantes das Forças Armadas a aderirem ao Golpe de Estado em andamento”, cita trecho do relatório policial. 

Vídeos da reunião foram encontrados no computador apreendido na residência de Mauro Cesar Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente. Na filmagem, é possível identificar Jair Bolsonaro incitando uma ação contra o que ele chamava de “perseguição política”. 

“Hoje me reuni com o pessoal do WhatsApp, e outras também mídias do Brasil. Conversei com eles. Tem acordo ou não tem com o TSE? Se tem acordo, que acordo é esse que tá passando por cima da constituição? Eu vou entrar em campo usando o meu exército, meus 23 ministros”, disse Bolsonaro em um trecho da reunião. 

No vídeo, Bolsonaro disse ainda: 

“Nós vamos esperar chegar 23, 24, pra se foder? Depois perguntar: porquê que não tomei providência lá trás? E não é providência de força não, caralho! Não é dar tiro. ô PAULO SÉRGIO, vou botar a tropa na rua, tocar fogo aí, metralhar. Não é isso, porra!”. 

Prosseguindo no discurso, Bolsonaro reforçou acusações contra a Justiça Eleitoral. 

“E a gente vê que o Data Folha continua … é … mantendo a posição de 45% e, por vezes, falando que o Lula ganha no primeiro turno. Eu acho que ele ganha, sim. As pesquisas estão exatamente certas. De acordo com os números que estão dentro dos computadores do TSE. Né?” 

Em seguida, o ex-capitão, descreve, ostensivamente, o objetivo da reunião: coagir os ministros e todos os presentes a aderirem à tese desinformativa apresentada.

“Daqui pra frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar. Se o ministro não quiser falar ele vai vim falar para mim porque que ele não quer falar. Se apresentar onde eu estou errado eu topo. Agora, se não tiver argumento pra me ti… demover do que eu vou mostrar, não vou querer papo com esse ministro. Tá no lugar errado. Se tá achando que eu vou ter 70% dos votos e vou ganhar como ganhei em 2018, e vou provar, o cara tá no lugar errado.”

Na sequencia, Bolsonaro menciona ainda a reunião com os embaixadores na qual expôs, sem nenhuma prova, falhas no sistema de votação brasileiro. 

O encontro com os embaixadores foi investigado pelo Tribunal Superior Eleitoral, que condenou Bolsonaro à inelegibilidade pelo fato. 

O conluio dos militares

Após alguns comentários inflamados de outros ministros, Paulo Sergio Nogueira toma a palavra diz sobre “iniciar a operação” e uma conexão com as Forças Armadas.

“O que eu sinto nesse momento é apenas na linha de contato com o inimigo. Ou seja … na guerra a gente … linha de contato, linha de partida. Eu vou romper aqui e iniciar minha operação. Eu vejo as Forças Armadas e o Ministério da Defesa nessa linha de contato. Nós temos que intensificar e ajudar nesse sentido pra que a gente não fique sozinhos no processo”, disse. 

Por fim, o então ministro da Defesa admite que a atuação das Forças Armadas para “garantir transparência, segurança, condições de auditoria” nas eleições tinha a finalidade de reeleger Bolsonaro. 

“Pra encerrar… senhor Presidente eu estou realizando reuniões com os Comandantes de Força quase que semanalmente. Esse cenário, nós estudamos, nós trabalhamos. Nós temos reuniões pela frente, decisivas pra gente ver o que pode ser feito; que ações poderão ser tomadas pra que a gente possa ter transparência, segurança, condições de auditoria e que as eleições se transcorram da forma como a gente sonha! E o senhor, com o que a gente vê no dia a dia, tenhamos o êxito de reelegê-lo e esse é o desejo de todos nós.” 

Ao fim da reunião, o general Augusto Heleno, então ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência afirma que conversou com o Diretor-Adjunto da Abin para infiltrar agentes nas campanhas eleitorais, mas adverte do risco de se identificarem os agentes infiltrados. 

Nesse momento, o então presidente, possivelmente verificando o risco em evidenciar os atos praticados por servidores da Abin, interrompe a fala do ministro, determinando que ele não prossiga em sua observação, e que posteriormente “conversem em particular” sobre o que a Abin estaria fazendo.

Segundo Alexandre de Moraes, a “descrição da reunião de 5 de julho de 2022, nitidamente, revela o arranjo de dinâmica golpista, no âmbito da alta cúpula do governo, manifestando-se todos os investigados que dela tomaram parte no sentido de validar e amplificar a massiva desinformação e as narrativas fraudulentas sobre as eleições e a Justiça eleitoral, entre outras, inclusive lançadas e reiteradas contra o então possível candidato Luiz Inácio Lula da Silva, contra o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, seus Ministros e contra Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL”. 

Outras conversas por aplicativo de mensagens encontradas no computador apreendido de Maur Cid revelam que ele e Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros discutiram sobre indícios de fraude. 

Em uma das mensagens, Cid afirma que não encontraram nada que pudesse provar interferência eleitoral. 

“Até agora… nada. Nenhuma bala de prata… Por mais que tudo pareça”, disse o ex-ajudante de ordens.

Em outra mensagem Cid é questionado por Cavaliere se eles “sabem o que estão fazendo”. 

Cid responde que sim, caso contrário, poderia ser preso. Essa troca de mensagens demonstra o caráter ilícito das atividades coordenadas pelo grupo bolsonaristas para descredibiliza as instituições e abrir caminho facilitado para um golpe de Estado. 

Todo o panorama exposto, segundo a Polícia Federal, aponta a ação coordenada dos integrantes do grupo criminoso para amplificação das falsas narrativas que construíram e replicavam acerca do sistema eleitoral brasileiro. 

A decisão de Moraes ainda aponta que a tentativa do partido Liberal de questionar o resultado da eleição, logo após a derrota de Bolsonaro nas urnas  foi o início da adoção de uma “ação mais contundente”. 

Em paralelo a tentativa de anular as eleições, o planejamento para a efetivação do golpe de Estado e da Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito rumava para a adoção de medidas mais incisivas que conduzissem à ruptura institucional almejada.

Mensagens trocadas por Mauro Cid, interlocutor de Jair Bolsonaro, indicam uma mudança de posicionamento do candidato derrotado, evidenciando-se abandonar a aceitação da derrota para analisar a possibilidade de “virada de jogo”, como defendido por alguns militares, empresários e integrantes de seu governo.

Na sequencia, segundo a investigação, iniciaram-se tratativas para realização de reuniões, que efetivamente ocorreram, com a presença de integrantes civis do governo e integrantes das Forças Armadas, para a finalidade de planejar e executar ações voltadas a direcionar e financiar as manifestações que pregavam um golpe Militar, com a manutenção de Bolsonaro frente ao Executivo. 

Houve, inclusive, por parte do grupo criminoso, organização de encontro específico na tentativa de arregimentar militares que, segundo a Polícia Federal, coadunados com os intentos golpistas, dariam suporte às medidas necessárias para tentar impedir a posse do governo eleito e restringir o exercício do Poder Judiciário. 

Diversos desses encontros, conforme provas colhidas, contaram com a participação de Jair Bolsonaro ou de seus assessores. 

A investigação mostra ainda diálogos entre alguns militares supostamente golpistas que sinalizavam a expectativa de que medidas radicais tivessem que ser adotadas a fim de reverter o resultado do pleito.

Em outro momento, próximo ao fim do mandato de Jair Bolsonaro, Cid afirmou em mensagens para o general Freire Gomes sinalizando que o ex-capitão estava redigindo e ajustando o Decreto e já buscando o respaldo militar do general Estevam.

Dias mais tarde, diálogos apontam que o general teria concordado em executar as medidas que culminariam na consumação do golpe de Estado, desde que o então presidente  assinasse o decreto, que vinha sendo debatido e ajustado, embora não se contasse com a adesão do General Freire Gomes.

Segundo Alexandre de Moraes, os registros apontam que os atos executarmos para um golpe de Estado estavam em andamento. 

“Importante salientar, novamente, que, em meio planejamento operacional que se direcionava à concretização do golpe, um sistema de inteligência paralela funcionava, inclusive para o fim de monitorar diversas autoridades, inclusive esse relator, cuja prisão seria decretada, como já abordado em tópico prévio desta decisão”, cita trecho da decisão do ministro. 

Diversas outras provas ainda apontam para a concordância da ala militar com os planos bolsonaristas. 

Em uma mensagem,  Ailton Gonçalves Barros, critica o “alto comando” das Forças Armadas, especialmente o então Comandante do Exército, general Freire Gomes, pelo fato de estar “está dificultando a vida do PR [sigla para presidente]” ao “se colocar contra”. 

A versão de que o general Freire Gomes estaria se opondo a participar de intentona ainda é confirmada por outra mensagens, enviada pelo general Braga Netto. 

“Meu amigo, infelizmente tenho que dizer que a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá e do Gen FREIRE GOMES. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”, diz a mensagem. 

No diálogo, Ailton ainda sugere pressionar Freire Gomes “oferecendo a cabeça dele aos leões”. Na sequencia, Braga Netto concorda e dá a ordem: “Oferece a cabeça dele. Cagão”.

As provas colhidas apontam que todos os objetivos se voltavam para a manutenção de Jair Bolsonaro no poder. 

Pessoas que atuavam como seus interlocutores, como é o caso de Mauro Cid, estão diretamente envolvidos em conchavos e intimidações para que os militares embarcassem na aventura golpista. 

Para Moraes, a “concorrência de todos os investigados, em maior ou menor medida, para o intento golpista e, consequentemente, criminoso pode ser inferida a partir dos elementos informativos”. 

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