Economia

O que impede o avanço da PEC da Transição no Congresso além das divergências no texto

‘Interesses particulares têm sobressaído aos interesses do País’, disse um deputado a CartaCapital

Alcolumbre recebe a minuta da PEC. Foto: PT
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Parlamentares do PT já admitem que os obstáculos da PEC da Transição no Congresso vão além das divergências no texto que busca garantir recursos para programas sociais, saúde, educação e investimentos públicos.

Embora o discurso oficial atribua a maior dificuldade de se iniciar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição às discordâncias sobre o período em que o Bolsa Família deve ficar fora do teto de gastos, um deputado petista afirmou a CartaCapital que a falta de consenso para a conclusão do texto envolve também a indefinição sobre a composição do governo e a eleição para os comandos da Câmara e do Senado.

“Interesses particulares têm sobressaído aos interesses do País”, disse à reportagem sob a condição de anonimato.

As críticas se dão principalmente aos senadores, que vão analisar a proposta antes dos deputados. Para ser aprovada, a PEC precisa de 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em dois turnos.

A busca por um acordo ocorre antes do presidente eleito Lula (PT) anunciar quem serão os seus ministros. “É uma situação inusitada porque é uma PEC que tem a sua complexidade de negociação e, ao mesmo tempo, há um governo em formação e a [negociação] pela composição das mesas diretoras da Câmara e do Senado”, declarou o deputado federal Henrique Fontana (PT) a jornalistas na quarta-feira 23 no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, local onde foi instalado o governo de transição.

O objetivo da equipe de Lula era protocolar a PEC no Senado ontem, mas a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, reconheceu que serão necessários mais alguns dias para se chegar a um entendimento.

“Vamos ter um tempo maior para conversar”, disse a petista. “E, como a tramitação da PEC independe de ela ser protocolada hoje [quarta-feira 23] e iniciar hoje a tramitação, que só inicia na semana que vem, temos mais esse prazo de 24 horas, 48 horas, para apresentar”.

De acordo com a dirigente partidária, quando se discute o texto, o tempo de vigência da PEC é o ponto que tem gerado os maiores impasses.

“Hoje esse é o maior ruído que temos dentro do Congresso Nacional”, afirmou. “Mas tenho repetido que o Congresso terá sensibilidade para, como uma Casa que é da política, que é representante do povo, ter uma solução que seja mais duradoura, que a gente tenha previsibilidade”.

Já o relator do Orçamento de 2023, o senador Marcelo Castro (MDB), disse que falta convergência porque há ausência de diálogo. “No Congresso, tem hora que parece que tudo está fácil e outra hora tudo está difícil. Hoje estamos no meio termo”, disse a jornalistas. “A dificuldade é que está faltando mais diálogo. Tem gente que fala que só aceita o Bolsa Família, outros aceitam mais. Eu tenho uma postura conservadora. Vamos excepcionalizar o Bolsa Família do teto e precisamos de um mínimo para recompor o Orçamento”.

A ausência de Lula em Brasília nos últimos dias – após participar da COP-27 no Egito e passar por um procedimento na laringe – é apontada por alguns aliados como um dos fatores para o atraso do início da tramitação.

O petista, antes de viajar para a conferência, reuniu-se com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e da Câmara, Arthur Lira (PL), para discutir o texto. A sensação após os encontros era de que o texto não encontraria grandes obstáculos nas duas Casas.

O clima, porém, mudou uma semana depois, quando o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), entregou uma minuta da PEC a Lira e a senadores. O pessebista apresentou um texto – “com gordura” e sem muitos detalhes – que abriu brechas para que os parlamentares retirassem ou ajustassem trechos.

Para quebrar barreiras, Alckmin, o senador eleito Wellington Dias (PT) e integrantes da transição adotaram um discurso de que a PEC não pertencia ao novo governo e sim ao Congresso Nacional. A ideia era que, com a participação ativa de deputados e senadores na construção do texto, a tramitação fosse célere.

Na ocasião, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), declarou que “nem de longe será o texto apresentado”. É pela CCJ que se começará a tramitação. “Recebemos essa minuta, uma proposta, que a partir de agora vai ser construída a várias mãos, por vários senadores que estão dispostos a ajudar”, reforçou.

O novo governo sugeriu que o Bolsa Família ficasse fora do teto de gastos por um prazo indeterminado, mas já aceita por um período de quatro anos, o que o desobrigaria a negociar com o Congresso todo ano durante o mandato de Lula. No entanto, líderes do Centrão, como o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), defendem que a autorização contemple apenas o ano de 2023. O meio-termo seria uma validade de dois anos.

“O caminho é o da negociação para o Congresso aprovar os quatro anos”, reforçou Fontana no CCBB. “A gente não não deve abrir mão disso”.

Além do Bolsa Família fora do teto – algo estimado em 175 bilhões de reais por ano -, a minuta entregue no Congresso na semana passada traz a possibilidade de gasto de mais 22,9 bilhões acima da âncora fiscal, o que elevaria o custo para 197,9 bilhões em 2023. O valor extra seria destinado a investimentos.

“Eu acho que a gente tem de ter mais previsibilidade, no sentido de sustentabilidade das políticas. Não pode ser um soluço, você faz por um ano e depois renova”, acrescentou Gleisi. “Não vamos acabar com a fome, com a miséria, com as crises no País em um ano. E como queremos uma solução política, que passe pela casa da representação do povo, temos a responsabilidade de oferecer uma solução de um pouco mais longo prazo para dar previsibilidade”.

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